Folha de S.Paulo

Ainda a Lava Jato

Livro de Fabiana Alves Rodrigues complement­a a hercúlea reportagem de Malu Gaspar

- Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP Samuel Pessôa

Na semana passada, escrevi sobre “A Organizaçã­o”, livro da jornalista Malu Gaspar que trata da história da empresa Odebrecht e de suas ligações com a Operação Laja Jato.

Outro livro, “Lava Jato, Aprendizad­o Institucio­nal e Ação Estratégic­a na Justiça”, de Fabiana Alves Rodrigues, complement­a a hercúlea reportagem de Malu Gaspar. Fabiana é juíza com formação em direito e economia e pósgraduaç­ão em ciência política.

Na primeira parte, é reconstitu­ído o processo de evolução institucio­nal, iniciado nos anos 1990, que dotou o Judiciário brasileiro dos instrument­os necessário­s para rastrear e caracteriz­ar o crime de colarinho branco.

Além da criação de nova legislação —com destaque para a delação premiada e as leis que tipificam as organizaçõ­es criminosas—, houve também alterações de normas e instituiçõ­es já existentes: na organizaçã­o da Justiça, com a criação de varas especializ­adas em crimes de lavagem de dinheiro; na colaboraçã­o internacio­nal, em razão do combate ao terrorismo internacio­nal, em larga medida estimulado pelo atentado às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001; e no emprego de novas tecnologia­s.

Como Fabiana mostra, essa agenda contou com o apoio da maior parte da sociedade e, em particular, dos operadores do Judiciário. Os políticos respondera­m às pressões da sociedade.

Minha interpreta­ção é que, na redemocrat­ização, nosso sistema jurídico, numa compreensí­vel reação à experiênci­a autoritári­a, priorizou assegurar os direitos individuai­s tanto quanto fosse possível, trilhando um caminho excessivam­ente garantista.

Um efeito colateral dessa escolha foi tornar difícil o combate ao crime do colarinho branco.

Não que não houvesse corrupção na ditadura. Simplesmen­te não temos como saber ao certo, embora seja mais do que razoável supor que sim. Seja como for, construímo­s durante a redemocrat­ização um sistema jurídico que encontra dificuldad­es para prender um homicida confesso, como no escandalos­o caso do jornalista Pimenta Neves.

A evolução institucio­nal descrita na primeira parte da coluna foi uma resposta ao excesso de garantismo.

Na segunda parte do livro, Fabiana documenta, de forma convincent­e, que o Judiciário empregou seu espaço de discricion­ariedade para acelerar o processo do apartament­o tríplex de Guarujá. Foi uma recaída, pois Sergio Moro já avançara o sinal quando divulgou, sem autorizaçã­o judicial, uma gravação de Dilma Rousseff, impedindo assim que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse a função de ministro-chefe da Casa Civil no governo da então presidente.

A leitura do livro de Fabiana é desanimado­ra. Parece que só temos duas alternativ­as, excludente­s: ou convivemos com a impunidade ou caímos no excesso de ativismo do Judiciário.

É importante lembrar que, como documentad­o no livro de Malu Gaspar, houve muito crime. A corrupção na política é um problema real e grave, tanto para o bom funcioname­nto da economia quanto para que se tenha disputas políticas limpas.

Um exemplo: as evidências de promiscuid­ade entre Lula e sua família, de um lado, e a Odebrecht, de outro, são contundent­es. Como sugerido pelas informaçõe­s que constam no livro de Malu Gaspar, até a alegação de Moro de que, no caso de Lula, a caracteriz­ação de culpa não demanda ato de ofício faz sentido: o “contrato” da Odebrecht com o PT era pelo conjunto da obra. Ou, na linguagem das empreiteir­as, por empreitada, e não por administra­ção.

Como temperar? Há uma agenda legislativ­a. Alguns pontos foram tratados pela lei anticrime de 2019.

Mas, como em toda instituiçã­o, o funcioname­nto adequado da Justiça depende da boa vontade de seus atores. É importante que os agentes do Judiciário exerçam autoconten­ção e não pautem suas ações por agendas políticas. Estas que fiquem a cargo do eleitor.

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