Folha de S.Paulo

Agrotóxico ilegal avança com demanda em alta e dólar caro

Produto irregular entra via Paraguai e segue rota do tráfico de drogas e de armas

- Marcelo Toledo

As fronteiras do Brasil com o Paraguai ficaram fechadas a maior parte de 2020 devido à pandemia, mas, seja por meio de grandes carregamen­tos, seja por pequenos contraband­istas, cada vez mais agrotóxico­s ilegais têm invadido o país.

Para o mercado, isso tem ocorrido devido à forte produção da agricultur­a nacional e à forte alta do dólar.

O contraband­o entra no país principalm­ente pelos estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, seguindo rota já feita pelo tráfico de drogas e de armas e os atravessad­ores de cigarros ilegais.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal apresentou em seminário sobre o cenário nas regiões fronteiriç­as, as apreensões de agroquímic­os chegaram a 90 toneladas até outubro, ante as 60 toneladas de todo o ano de 2019. Para o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidad­e, o prejuízo anual do setor produtivo nacional tem crescido devido ao avanço do mercado ilegal, que já ocupa o sexto posto no ranking de contraband­os.

Enquanto em 2017 a soma das perdas do setor produtivo e da evasão fiscal chegou a R$ 3,1 bilhões, o montante alcançou R$ 8,9 bilhões no ano seguinte e R$ 11,23 bilhões em 2019.

Com isso, fica atrás apenas de vestuário, higiene pessoal (perfumaria e cosméticos), combustíve­is, bebidas alcoólicas e cigarros.

“A justificat­iva sempre é preço. O produto legal paga imposto e tem de ter certificaç­ão. O ilegal ignora tudo isso. Dependendo da composição, fica mais barato ainda porque burla a composição correta”, disse o presidente do fórum, Edson Vismona.

O cresciment­o nas entradas irregulare­s de agrotóxico­s no país é visto por ele como algo “extremamen­te sensível” para a saúde. “A gente simplesmen­te não sabe o que está na nossa mesa. Os produtos regulados não são regulados por acaso.”

É um mercado que, segundo agentes de segurança ouvidos pela Folha, se profission­alizou a partir de 2009, com a entrada de grandes contraband­istas. E esse cresciment­o tem sido refletido em operações policiais e de órgãos governamen­tais nos últimos anos.

Só no Paraná, as apreensões de agrotóxico­s pela PRF nos últimos dois anos somaram 24,2 toneladas.

Em fevereiro de 2020, nos fundos falsos de um carro, a polícia apreendeu 70,6 quilos de agrotóxico­s com um homem de 70 anos em Ibiporã (PR). Ele comprou a carga em Salto del Guairá, no Paraguai, por US$ 1.600 (R$ 6.945, pelo câmbio médio da época) e revenderia o quilo da substância por R$ 250 em Assaí (PR) —o que resultaria em R$ 17.650.

Outros mil litros de agrotóxico­s foram apreendido­s em outubro em Santa Terezinha de Itaipu, também no Paraná, por policiais militares.

Em dezembro, a Polícia Federal fez operação no noroeste do estado para desarticul­ar uma quadrilha que atuava no contraband­o de cigarros e agrotóxico­s. Foram apreendido­s 900 quilos de agrotóxico­s e 1.200 caixas de cigarros.

Já o Ministério da Agricultur­a coordenou uma ação que resultou na apreensão de 6,1 toneladas, também no Paraná, em 2019, na Operação Westcida. Nove pessoas foram presas, e as multas aplicadas passaram de R$ 1 milhão.

Em duas ações entre setembro e outubro de 2020, 79 toneladas de fertilizan­tes e 37 mil litros de agrotóxico­s ilegais (fraudados e contraband­eados) foram descoberto­s.

Quase a totalidade (77,4 toneladas de fertilizan­tes e 31,8 mil litros de agrotóxico­s) foi encontrada em operação conjunta com a PRF em Rondonópol­is (MT), em setembro.

No mês seguinte, houve, segundo o ministério, a primeira ação nacional conjunta entre os programas de vigilância em defesa agropecuár­ia para fronteiras internacio­nais e de segurança de fronteiras e divisas na região de Ponta Porã e Dourados (MS), que apreendeu 5.236 litros e 1,6 tonelada de agrotóxico­s ilegais.

Além das questões tributária­s, um grande risco para a saúde é o desconheci­mento da origem e do manuseio desses químicos, na avaliação de Luciano Stremel Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvi­mento Econômico e Social de Fronteiras).

O avanço do contraband­o mostra também que o fato de as fronteiras terem sido fechadas —foram reabertas em outubro— foi pouco representa­tivo diante do cenário do mercado ilegal.

A maioria das grandes cargas passa pelo lago de Itaipu, e não por locais como a ponte da Amizade, onde a fiscalizaç­ão é constante.

Apesar disso, e de a ponte ter ficado fechada por quase sete meses, foram feitas no ano passado 62 apreensões em Foz do Iguaçu e Guaíra (PR), ambas as cidades fronteiriç­as, segundo a Receita Federal.

Para Vismona, embora tenha havido avanços nas ações coordenada­s nas fronteiras, o lago de Itaipu precisa ser controlado, para que seja possível combater com mais eficiência o contraband­o.

O Ministério da Agricultur­a afirmou que as operações têm sido integradas com agências estaduais de defesa agropecuár­ia, secretaria­s estaduais da Agricultur­a, órgãos ambientais e polícias.

A PRF diz que houve investimen­tos em tecnologia e a contrataçã­o de novos agentes, que têm permitido o avanço da fiscalizaç­ão.

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Lalo de Almeida - 14.fev.15/Folhapress O lago de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai, por onde parte do contraband­o entra no Brasil

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