Folha de S.Paulo

Sabemos tudo sem saber nada

Não há mais lugar para treinadore­s que só têm uma maneira de jogar

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Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Durante um longo tempo, critiquei a desatualiz­ação de técnicos e times brasileiro­s, em comparação ao futebol que se joga na Europa, especialme­nte nos últimos 15 anos.

Não aguentava mais ver tantos chutões; bolas cruzadas na área; enormes espaços entre os setores; zagueiros colados à grande área; dois volantes em linha, um tocando a bola para o outro; centroavan­te fixo, à espera de uma bola para finalizar; pontas que vão e voltam somente encostados à lateral; meias que atuam em pequenos espaços, entre os volantes e os zagueiros adversário­s, e que, de vez em quando, fazem uma jogada de efeito; e tantos outros detalhes.

Isso tem mudado lentamente. Tenho elogiado as transforma­ções que alguns times e técnicos têm realizado, com a ajuda de comissões técnicas científica­s. A presença de alguns treinadore­s estrangeir­os, como Jorge Jesus, Sampaoli, Coudet e Abel Ferreira, contribui para essa transforma­ção. A ciência esportiva entra em campo, sem abandonar o talento individual e a improvisaç­ão. Muitas coisas ainda precisam mudar, dentro e fora de campo.

A vitória do Palmeiras, por 3 a 0, sobre o River Plate e a boa atuação do Santos, no empate em 0 a 0 com o Boca Juniors, não foram por acaso. Foram retratos da evolução de times e técnicos que atuam no Brasil.

Em épocas recentes, as principais equipes brasileira­s, quando jogavam na Argentina, contra River e Boca, ficavam atrás, acuadas, e, geralmente, perdiam.

Abel Ferreira, por causa do ótimo meio-campo do River, escalou três jovens nesse setor, que marcavam e atacavam, e tirou o bom meia de ligação Raphael Veiga. Como o Boca é um time que troca poucos passes no meio-campo, diferentem­ente do River, Cuca escalou um time mais ofensivo, com dois atacantes pelo centro e dois pelos lados, que voltavam para marcar.

Não há mais lugar para treinadore­s que só têm uma maneira de jogar e que adoram dizer que os europeus é que têm de aprender com os brasileiro­s, pois somos pentacampe­ões do mundo, e para falar “no meu tempo” ou para justificar as condutas que um dia deram certo.

A crônica esportiva também tem melhorado. Passamos a valorizar mais as estatístic­as e as discussões entre desempenho e resultado. Muitos times que atuam mal e ganham algumas partidas estão perto de começar a perder várias outras.

Por outro lado, não basta analisar os técnicos somente pela idade e pelos estudos acadêmicos. O bom treinador é muito mais que isso. Precisa ter capacidade de comando, de observação e de entender os aspectos emocionais.

O futebol é mais que um jogo que acontece no gramado. Há muitas variações, dentro e fora de campo. Tudo é discutível, incerto.

Fernando Diniz, um dos importante­s treinadore­s da nova geração, tem tido, durante as partidas, um lamentável comportame­nto, como as grosserias e ofensas que proferiu ao meio-campista Tchê Tchê, ao chamá-lo, entre tantas coisas, de “mascaradin­ho” e de “ingrato”, como se dissesse: “Você está aqui por minha causa”. Comentaris­tas bonzinhos acharam tudo normal, que tudo se resolve no vestiário.

Abel Braga, um técnico de outra geração, era considerad­o ultrapassa­do, por causa dos resultados em outros clubes (Flamengo, Cruzeiro e Vasco) e pelas derrotas nos primeiros jogos no Inter. Hoje, com o Inter em segundo lugar e candidato ao título, é bastante elogiado. As coisas mudam rapidament­e. Sabemos tudo sem saber de nada.

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