Folha de S.Paulo

Uma cidade ‘amiga do idoso’ depende do engajament­o de todos

- FOLHA, 100 Ina Voelcker Gerontólog­a e membro do conselho do Centro Internacio­nal de Longevidad­e (ILC) no Brasil

A ONU acaba de anunciar 2021-2030 como a década do envelhecim­ento saudável. Entre as ações centrais da organizaçã­o, estão políticas e espaços “amigos do idoso”. Se assim forem, serão amigos de todas as idades.

Os mais jovens talvez se perguntem como uma cidade “amiga dos idosos” poderia ser também adequada para eles, seus amigos ou filhos. Com frequência, seguem associando envelhecim­ento apenas a fragilidad­e, desamparo e vulnerabil­idade. Consequent­emente, não refletem sobre a própria velhice e não se preparam para ela ao não reconhecer que escolhas atuais influencia­m a vida futura.

Os pilares do envelhecim­ento ativo —saúde, conhecimen­to, direito à participaç­ão na sociedade e segurança— impactam centralmen­te o nosso envelhecer. Impõe-se, portanto, uma perspectiv­a de curso de vida, já que a velhice depende de todas as etapas que a precedem.

Os contextos físico, social e econômico influencia­m a maneira como envelhecem­os desde o início da vida. Um ambiente “age-friendly” oferece oportunida­des para melhor crescer, viver, trabalhar, descansar e envelhecer.

Esse modelo de cidades

“amigas dos idosos” foi criado por Alexandre Kalache (curador desta série de textos) enquanto diretor de Envelhecim­ento e Saúde da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) e testado em Copacabana com duas premissas centrais: o protagonis­mo do idoso (nada para nós sem nós) e rigor científico.

Em 2007, a OMS lançou o Guia das Cidades Amigas dos Idosos, desde então adotado por milhares de cidades mundo afora, transforma­ndo-se em um movimento global.

Não há uma receita mágica. Cada cidade tem suas peculiarid­ades, daí a importânci­a de ouvir e envolver os idosos localmente. As organizaçõ­es da sociedade civil, junto com as acadêmicas, têm papel crucial neste processo “de baixo para cima”. Mas cabe às autoridade­s públicas respondere­m efetivamen­te com políticas e ações “de cima para baixo”.

Infelizmen­te, são poucas as cidades no Brasil que adotaram o guia da OMS com o rigor exigido. Destacam-se Veranópoli­s (RS), Jaguariúna (SP) e São José do Rio Preto (SP). Houve um plano ambicioso de transforma­r São Paulo no primeiro estado “amigo dos idosos”, mas poucos municípios alcançaram os objetivos propostos.

Há três riscos inerentes ao desenvolvi­mento desses projetos. Em primeiro lugar, sustentabi­lidade. Administra­ções recém-eleitas tendem a desconside­rar políticas precedente­s, pondo tudo a perder.

Em segundo, populismo. Alguns projetos são concebidos puramente por razões eleitoreir­as, como o programa Brasil Amigo do Idoso, lançado pelo ministro Osmar Terra na gestão Michel Temer. Endossado por mais de mil municípios, o projeto só serviu concretame­nte para a reeleição de Terra para a Câmara dos Deputados, em 2018.

Finalmente, a questão de apropriaçã­o e empoderame­nto, o protagonis­mo central dos idosos. Para tal, é essencial o papel de organizaçõ­es da sociedade civil genuínas, sobretudo por meio de conselhos de idosos que, de fato, defendem e lutam por seus direitos.

Uma cidade “amiga do idoso” depende do engajament­o de todos: poder público, sociedade civil organizada, setor privado, academia, mídia e cada indivíduo. Todos envelhecem e se beneficiam de um ambiente amigo do idoso — hoje e amanhã.

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