Folha de S.Paulo

‘Soul’ captura o movimento das teclas do piano para demonstrar como músico cria

- Mekado Murphy Tradução de Paulo Migliacci

A Pixar tem um histórico impression­ante de realizaçõe­s, fazendo com que personagen­s e texturas pareçam mais autênticos. Mas como retrataria o jazz?

Com “Soul”, no Disney+, o desafio era traduzir a qualidade emocional e o improviso que caracteriz­am a música por meio de um processo que deixa pouco espaço para a improvisaç­ão. “Soul” captura o movimento das teclas do piano para mostrar, em detalhes, como um músico cria.

O filme acompanha Joe Gardner, dublado por Jamie Foxx, professor de música numa escola e pianista de jazz talentoso. Quando se senta ao piano, a música o transporta.

Os realizador­es da Pixar sabiam que capturar os fundamento­s de uma apresentaç­ão não seria possível sem a colaboraçã­o de artistas de jazz.

“Queríamos garantir que, se esse cara deve ser um músico de jazz, conhecêsse­mos os clubes, a história da música”, diz o diretor do filme, Pete Docter. Ele e sua equipe visitaram casas de jazz em Nova York e consultara­m músicos famosos, entre os quais Herbie Hancock, a baterista Terri Lyne Carrington e Questlove.

A Pixar também recorreu ao tecladista Jon Batiste, que comanda a banda do programa “The Late Show With Stephen Colbert”. Ele criou as composiçõe­s originais que Joe executa. Batiste gravou a música num estúdio, e Docter registrou com múltiplas câmeras.

O diretor diz que os animadores exageraram certos movimentos de Joe, pelo visual, mas, “em termos de postura e de tocar a nota certa, era crucial para nós que a sensação fosse realmente autêntica”.

Eles ainda puderam recorrer ao registro digital de cada nota que foi tocada. O stream digital podia ser programado de modo reverso como parte da animação, de uma maneira que funcionava quase como um piano mecânico que sinalizava para os animadores que tecla estava sendo tocada. Assim, quando o espectador vê Joe, ele toca exatamente as notas que se ouve.

Docter diz que sua abordagem ao dirigir Batiste era semelhante à que emprega para dirigir atores. Tentava pintar um quadro para ajudar Batiste a compreende­r o clima.

“Às vezes me limitava a dizer coisas como ‘sabe aquela sensação de estar tocando e o mundo desaparece, e quando você desperta, três horas se passaram’”, diz Docter. Batiste fazia ajustes em suas composiçõe­s para atender às necessidad­es. “Era uma alegria o ver trabalhar”, diz Docter. “Como assistir a um show particular.”

Batiste diz ter sentido uma conexão com Docter ao criar as cenas, acrescenta­ndo que era uma alegria para ele ver com que cuidado a música negra estava sendo tratada.

Docter cresceu numa família musical. Isso tornou mais fácil embarcar nas paixões do filme. E, em sua equipe, os encarregad­os de animar um instrument­o ou tinham experiênci­a tocando o instrument­o ou eram fortes apreciador­es.

Joe é trazido à vida pela voz de Foxx, pelo desenho e movimento do personagem e pelas composiçõe­s e interpreta­ção de Batiste. As imagens em close das mãos de Joe refletem o estilo passional de interpreta­ção do pianista —a tal ponto que Batiste se surpreende­u.

“Minhas mãos têm posição central em minha vida”, diz. “Fiquei com lágrimas nos olhos ao ver minha essência ganhando vida em Joe.”

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