Vacinação e controle da Covid são prioridades para recuperação econômica
Ilan Goldfajn, expresidente do BC (Banco Central), defende dois pontos para a recuperação econômica: vacina rápida e aprovação de reformas para gerar recursos.
“Se você cuidar bem da saúde, cuida bem da economia, e a prioridade 1, 2 e 3 para isso é a vacina”, afirmou o presidente do conselho do banco Credit Suisse Brasil em entrevista à Folha na segunda (4). Em um cenário de juros baixos, quadro fiscal deficitário e inflação, qual a perspectiva para 2021? O ano passado terminou com recuperação e a inflação um pouco em alta. No final do ano, a inflação deu um pouquinho de desacelerada e agora começamos o ano com a expectativa: será que a recuperação vai continuar? Será que inflação continuará mais pressionada? Diria que provavelmente teremos recuperação em 2021, mas os riscos a esse cenário são basicamente dois.
Um é fiscal, temos um déficit elevado, uma dívida elevada, muita demanda vinda de auxílios emergenciais a investimentos públicos e até vacinas, então tudo compete e não há dinheiro. Para gerar recursos, é preciso logo aprovar as reformas para ter espaço.
O segundo risco que mapeamos, e é o principal, é a Covid, é não conseguirmos controlá-la, é a vacina demorar muito e a recuperação ser abortada, porque você simplesmente acaba em muita crise. Não sei o quanto teremos de lockdown, se teremos lockdown, mas o risco à recuperação é a falta de controle e de vacina.
Em algum momento o BC terá que elevar os juros? Se tudo correr bem, com vacina, reforma e recuperação da economia, os juros têm que começar voltar ao normal. Porque um juro de 2% está abaixo do que chamamos de juro neutro, que é aquele quando a economia não está nem fraca e nem forte, a inflação está na meta, e ele tem que voltar para perto de 6% ao longo do tempo, ao longo dos anos.
Se tudo correr bem, devagarinho sairemos de 2% e vamos a 4%, 4,5%, depois a 6%, e, se o cenário estiver bom, fica nesse patamar um tempo, flutuando; se tiver muita inflação, sobe, se tiver recessão, cai, e assim vai. Temos juros do ano da Covid. Esperamos que 2021 seja o ano de saída da Covid.
Então uma mudança na política monetária está diretamente ligada ao sucesso da conduta da crise sanitária? Exatamente. Se tudo correr bem, normaliza, se tiver crise profunda, os juros têm que subir devido à crise. Quando os juros não sobem? Se tivermos uma economia que, em vez de recuperar, afunda de novo. Por que afundaria de novo? [Falta de] Vacina. Você vacina com a vacina.
O ponto importante global e no Brasil é o esforço para debelar a Covid, é o que determinará tudo. A vacina, a capacidade de não ter lockdown. Há disputa entre vírus e a vacina no mundo todo: o vírus está pegando bem, com variações e mutações, e as vacinas precisam correr.
No Brasil, há ainda o agravante das reformas, do ajuste fiscal, que precisamos lidar, além de coisas mais estruturais, como a desigualdade, que sai reforçada da Covid.
O sr. citou lockdown. Como se posiciona sobre economia versus saúde? Não há “trade off”, uma substituição entre saúde e economia é uma falsa dicotomia, é de curtíssimo prazo. Se você resolve saúde, resolve economia.
“Ah, vou liberar todo o mundo e a economia vai bombar” é [ação de] muito curto prazo. Não vejo e nunca vi que existe uma troca. Se você cuidar bem da saúde, cuida bem da economia. Para cuidar, a prioridade 1, 2 e 3 é a vacina.
O que esperar do consumo com inflação, fim do auxílio e uma nova onda de coronavírus? Mais importante do que o auxílio para o consumo será a normalização das atividades. Se conseguirmos que todos se sintam confortáveis para trabalhar, o consumo retorna. Esse fator é mais importante do que qualquer outro. Da mesma forma que em 2020 o fator fundamental ao consumo foi a Covid, neste ano, o fundamental, para o outro lado, é a Covid também.
Para as classes D e E, que tiveram renda para consumir, será mais difícil diante do desemprego. O auxílio emergencial teve um papel muito relevante aos vulneráveis. Há economistas falando que o auxílio foi importante como política de demanda, para aquecer a economia, mas, na minha visão, foi uma política social, de ajudar quem não tinha como sair para a rua, o autônomo, alguém que tinha uma barraquinha, o informal, foi essa turma que o auxílio emergencial segurou na crise.
Para este ano, temos que levar em consideração a Covid, que foi um grande fator de desigualdade. A saída da Covid vai ajudar também os mais pobres. Os fatores mais relevantes são sair da crise, conseguir vacinar todos a tempo e não abortar a recuperação. Isso impacta o consumo, a recuperação e a desigualdade.
Como avalia o adiamento do open banking? No meio de um ano muito difícil, você fez uma mudança dessas, uma agenda de Pix, de open banking e de independência do Banco Central, que passou no Senado. As pessoas estão dizendo “posso mandar um Pix”.
No open banking, os dados de todos são democratizados e não ficam reféns de nenhuma instituição. Quem é dono do dado é a pessoa, que pode autorizar a transferência a um banco menor, a uma fintech, porque ela é dona do dado.
É um grande pulo para o setor. Se adiou um pouco, não vejo problema. Vai acabar saindo e está na direção certa.