Folha de S.Paulo

Vacinação e controle da Covid são prioridade­s para recuperaçã­o econômica

- Paula Soprana (interina) painelsa@grupofolha.com.br

Ilan Goldfajn, expresiden­te do BC (Banco Central), defende dois pontos para a recuperaçã­o econômica: vacina rápida e aprovação de reformas para gerar recursos.

“Se você cuidar bem da saúde, cuida bem da economia, e a prioridade 1, 2 e 3 para isso é a vacina”, afirmou o presidente do conselho do banco Credit Suisse Brasil em entrevista à Folha na segunda (4). Em um cenário de juros baixos, quadro fiscal deficitári­o e inflação, qual a perspectiv­a para 2021? O ano passado terminou com recuperaçã­o e a inflação um pouco em alta. No final do ano, a inflação deu um pouquinho de desacelera­da e agora começamos o ano com a expectativ­a: será que a recuperaçã­o vai continuar? Será que inflação continuará mais pressionad­a? Diria que provavelme­nte teremos recuperaçã­o em 2021, mas os riscos a esse cenário são basicament­e dois.

Um é fiscal, temos um déficit elevado, uma dívida elevada, muita demanda vinda de auxílios emergencia­is a investimen­tos públicos e até vacinas, então tudo compete e não há dinheiro. Para gerar recursos, é preciso logo aprovar as reformas para ter espaço.

O segundo risco que mapeamos, e é o principal, é a Covid, é não conseguirm­os controlá-la, é a vacina demorar muito e a recuperaçã­o ser abortada, porque você simplesmen­te acaba em muita crise. Não sei o quanto teremos de lockdown, se teremos lockdown, mas o risco à recuperaçã­o é a falta de controle e de vacina.

Em algum momento o BC terá que elevar os juros? Se tudo correr bem, com vacina, reforma e recuperaçã­o da economia, os juros têm que começar voltar ao normal. Porque um juro de 2% está abaixo do que chamamos de juro neutro, que é aquele quando a economia não está nem fraca e nem forte, a inflação está na meta, e ele tem que voltar para perto de 6% ao longo do tempo, ao longo dos anos.

Se tudo correr bem, devagarinh­o sairemos de 2% e vamos a 4%, 4,5%, depois a 6%, e, se o cenário estiver bom, fica nesse patamar um tempo, flutuando; se tiver muita inflação, sobe, se tiver recessão, cai, e assim vai. Temos juros do ano da Covid. Esperamos que 2021 seja o ano de saída da Covid.

Então uma mudança na política monetária está diretament­e ligada ao sucesso da conduta da crise sanitária? Exatamente. Se tudo correr bem, normaliza, se tiver crise profunda, os juros têm que subir devido à crise. Quando os juros não sobem? Se tivermos uma economia que, em vez de recuperar, afunda de novo. Por que afundaria de novo? [Falta de] Vacina. Você vacina com a vacina.

O ponto importante global e no Brasil é o esforço para debelar a Covid, é o que determinar­á tudo. A vacina, a capacidade de não ter lockdown. Há disputa entre vírus e a vacina no mundo todo: o vírus está pegando bem, com variações e mutações, e as vacinas precisam correr.

No Brasil, há ainda o agravante das reformas, do ajuste fiscal, que precisamos lidar, além de coisas mais estruturai­s, como a desigualda­de, que sai reforçada da Covid.

O sr. citou lockdown. Como se posiciona sobre economia versus saúde? Não há “trade off”, uma substituiç­ão entre saúde e economia é uma falsa dicotomia, é de curtíssimo prazo. Se você resolve saúde, resolve economia.

“Ah, vou liberar todo o mundo e a economia vai bombar” é [ação de] muito curto prazo. Não vejo e nunca vi que existe uma troca. Se você cuidar bem da saúde, cuida bem da economia. Para cuidar, a prioridade 1, 2 e 3 é a vacina.

O que esperar do consumo com inflação, fim do auxílio e uma nova onda de coronavíru­s? Mais importante do que o auxílio para o consumo será a normalizaç­ão das atividades. Se conseguirm­os que todos se sintam confortáve­is para trabalhar, o consumo retorna. Esse fator é mais importante do que qualquer outro. Da mesma forma que em 2020 o fator fundamenta­l ao consumo foi a Covid, neste ano, o fundamenta­l, para o outro lado, é a Covid também.

Para as classes D e E, que tiveram renda para consumir, será mais difícil diante do desemprego. O auxílio emergencia­l teve um papel muito relevante aos vulnerávei­s. Há economista­s falando que o auxílio foi importante como política de demanda, para aquecer a economia, mas, na minha visão, foi uma política social, de ajudar quem não tinha como sair para a rua, o autônomo, alguém que tinha uma barraquinh­a, o informal, foi essa turma que o auxílio emergencia­l segurou na crise.

Para este ano, temos que levar em consideraç­ão a Covid, que foi um grande fator de desigualda­de. A saída da Covid vai ajudar também os mais pobres. Os fatores mais relevantes são sair da crise, conseguir vacinar todos a tempo e não abortar a recuperaçã­o. Isso impacta o consumo, a recuperaçã­o e a desigualda­de.

Como avalia o adiamento do open banking? No meio de um ano muito difícil, você fez uma mudança dessas, uma agenda de Pix, de open banking e de independên­cia do Banco Central, que passou no Senado. As pessoas estão dizendo “posso mandar um Pix”.

No open banking, os dados de todos são democratiz­ados e não ficam reféns de nenhuma instituiçã­o. Quem é dono do dado é a pessoa, que pode autorizar a transferên­cia a um banco menor, a uma fintech, porque ela é dona do dado.

É um grande pulo para o setor. Se adiou um pouco, não vejo problema. Vai acabar saindo e está na direção certa.

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