Com estilo mais Luxemburgo que Felipão, Alex se lança como técnico
Ex-jogador, ídolo de Palmeiras e Cruzeiro, fez os cursos da CBF e quer montar times agressivos
ENTREVISTA ALEX DE SOUZA
Quando pendurou as chuteiras, em dezembro de 2014, o meia Alex já tinha convicção de que seria treinador. Só não quis fazer a transição imediatamente. Era preciso, na sua visão, se desintoxicar do ambiente do futebol e adquirir conhecimento teórico.
Nos últimos anos, enquanto participou do programa Resenha ESPN, o ex-meio-campista estudou, fez os cursos da CBF (até a Licença A) e procurou se aprofundar em práticas de gestão. A busca por ampliar o olhar lhe deu mais certeza de que seu futuro seria à beira do gramado, não dentro de um escritório.
Alex, 43, deixou a TV para iniciar, em 2021, sua trajetória como técnico, sem ainda saber em qual time.
Em entrevista à Folha o curitibano fala sobre as ideias que quer implementar nas suas equipes e elogia os dois treinadores com quem mais levantou troféus: Luiz Felipe Scolari, no Palmeiras, e Vanderlei Luxemburgo, no Cruzeiro.
Na hora de escolher a referência para o seu trabalho na nova função, porém, Alex não nega: o futebol que ele quer como técnico é mais Luxemburgo do que Felipão.
Geralmente, o atleta cogita ser técnico em algum momento no fim da carreira. Quando você teve esse clique?
Não sei se foi um clique. Eu jogava com o Deivid em 2003 e já falava a respeito. Dividi quarto com o Arce no Palmeiras e lembro dele fazendo anotações sobre treinamentos e conversando a respeito. Eu sempre fui curioso, no sentido de questionar os mais velhos. Quando eu tinha técnicos que davam abertura, fazia muitas perguntas. Tive abertura com o Vanderlei [Luxemburgo], com o Luis Aragonés, com o Zico. Devido à minha forma de ser, essa decisão foi amadurecendo ao longo dos anos.
É comum que o jogador faça essa transição logo após pendurar as chuteiras. Você esperou seis anos. Por quê?
Fiz isso de maneira proposital. O que eu pensei? Eu não quero trabalhar com jogadores que em algum momento tive algum tipo de relação. E ao mesmo tempo eu preciso ter um olhar mais macro da situação. Precisei me ausentar e me isentar desse mundo. E também curtir um pouco a minha família, ver meus filhos crescendo. Depois fui pegando a parte teórica. Eu parei em dezembro de 2014, fiquei seis meses sem fazer nada. Aí veio o convite da ESPN e pensei: opa, vou descobrir um pouco mais sobre esse espaço, saciar uma curiosidade de como funciona o jornalismo. E a experiência foi superboa. Enquanto isso, fiz um curso de gestão, mas ali eu percebi que não é para mim. Eu queria estar no campo.
Você está abrindo mão de uma vida estável na TV, com sua família, para assumir a função mais instável no futebol, que é a de técnico. O treinador também tem culpa na ciranda de trocas de comando?
Não uso nem a palavra culpa, uso responsabilidade. Treinador, dirigente, o próprio torcedor, a imprensa. Todos querem ganhar e só ganha um. Existe uma discussão que no Brasil ainda é muito rasa, sobre o trabalho. Na Europa, você entra no vestiário de um clube e vê os objetivos: primeiro, não cair para a segunda divisão. Objetivo 2: atingir X pontos. Depois, tentar classificar para uma competição europeia. O clube sabe o tamanho dele. No Brasil tem uma falácia muito grande que é a de achar que 12 times podem ganhar o Campeonato Brasileiro. Mentira. Eu tenho uma vida muito estável. Não tinha necessidade nenhuma de voltar ao futebol. A minha volta é paixão, é o campo, a bola, o envolvimento com o jogo.
O que achou dos cursos de treinador da CBF?
Ajudou a organizar as ideias. Em termos de volume, do valor das aulas dadas, eu gostei muito e indico. Minha única ressalva é o valor, e falei isso para o pessoal lá. O valor é alto (a Licença A, para trabalhar na elite nacional, custa R$ 8.840,00).
O que poderemos ver dos seus times?
Eu quero um time que tenha muita coragem para jogar, muita liberdade. O trabalho do treinador é montar a plataforma para que a individualidade do jogador aconteça. É isso que ganha jogo. Eu não acredito na história do nó tático. Um passe errado acaba com toda a parte tática. A parte tática passa muito pelo que você tem na mão. Não adianta eu falar que eu quero um time assim, que marque pressão, mas chego em um clube e tenho um centroavante pesado, que não marca pressão. Quero um time agressivo, que jogue sempre perto do gol.
Você trabalhou com Felipão e Luxemburgo. O que absorveu de cada um e o que levará para os seus trabalhos?
Peguei o Felipe vindo do Japão, supercampeão no Grêmio, com uma ideia de jogo em que o interessante era só ganhar. Ele tinha muita qualidade na mão, mas isso não era importante. O importante era vencer o jogo, o campeonato. O Felipe me mostrou a importância de buscar a vitória em cima de um pragmatismo, e muitas vezes funcionou. Possivelmente seja o treinador que mais venceu no país.
No mesmo período, eu tive o Luxemburgo como meu adversário, no Corinthians. Ele assume a seleção logo após 1998, e eu começo a ser convocado. Era uma outra forma de ver o jogo, de lidar com os jogadores. O Vanderlei, no meu período, jamais quis ganhar de qualquer forma. Eu lembro de ir para o vestiário ganhando, jogando bem, e ele pedindo para continuar em cima, buscar o próximo gol. Essa é a diferença básica entre os dois, e não faz com que um seja melhor que o outro. O que eu tiro dos dois é que o time tem de ser organizado.
O Alex técnico será mais Felipão ou mais Luxemburgo?
Eu sou mais Luxemburgo. Uma das coisas que aprendi com o Felipão é que eu tinha que fazer coisas diferentes, porque se não fizesse essas coisas possivelmente não jogaria. Na forma como eu atuava, eu me enquadrava muito mais no que o Vanderlei entendia do jogo.
Eles enfrentam críticas nos últimos anos, de uma suposta defasagem de conceitos modernos de jogo. Acha justo?
Acho injusto, e explico o porquê. Vi, Palmeiras x Athletico. O Abel [Ferreira] colocou o Luan como volante. E a leitura dos comentários [da imprensa] foi que o Abel estava buscando novas opções dentro do grupo, colocando o Luan, que é zagueiro, como volante. O Felipão já fazia isso com o Roque Júnior em 1997. Eu estive na imprensa esportiva. O trabalho é deixado de lado e a análise é levada pela pessoa. Se um treinador jovem chega em quinto lugar, é um trabalho valorizado. Está começando a carreira. Se esse mesmo trabalho for desenvolvido por um Felipão, Abel [Braga], Luxemburgo, treinadores que já têm história, o parâmetro é a própria história, os títulos conquistados.