Folha de S.Paulo

GOVERNO BRECA PRODUÇÃO AO OPTAR POR UM SÓ TIPO DE SERINGA PARA VACINAS, DIZ INDÚSTRIA

Modelo único adotado pelo Ministério da Saúde para imunização contra Covid-19, o ‘bico de rosca’, cria restrições

- Monica Prestes

Produção de fábrica em Manaus caiu para se ajustar ao modelo escolhido; em SP, Doria cobrou ‘senso de urgência’ para liberar Coronavac

No amplo galpão da fábrica na zona norte de Manaus, as máquinas operam 24 horas por dia com 100% da capacidade.

As linhas de produção automatiza­das garantem o mínimo contato entre os 400 colaborado­res, que não tiveram redução de jornada durante a pandemia. Ao contrário: a demanda por insumos hospitalar­es aumentou 10%.

Enquanto estados e o governo federal travam uma corrida por seringas e agulhas para garantir a vacinação contra a Covid-19, a fábrica da SR (Saldanha Rodrigues) em Manaus, uma das quatro que produzem tais insumos no Brasil, opera a plena carga para abastecer o mercado nacional.

Mas todo esse reforço na produção pode não ser suficiente para garantir a imunização dos brasileiro­s contra a Covid-19, ou seja, para a aplicação das duas doses da vacina em pelo menos 70% da população, sem risco de desabastec­imento ao longo da campanha.

Isso porque o Ministério da Saúde restringiu a vacinação a apenas um modelo de seringa: a de 3 ml com o chamado “bico de rosca”, limitando a produção nacional a 1,5 milhão por dia. A indústria pode não dar conta da demanda a tempo da chegada das doses em todos os estados.

“Quando o ministério escolhe apenas um modelo de seringa assim, em cima da hora, ele limita toda a capacidade de produção das empresas, porque as linhas de produção levam até um ano para serem adaptadas para um novo molde. Vai acontecer isso, de alguns estados terem seringa de 3 ml e outros não para a vacina”, afirma o o diretor-técnico da SR, Tomé da Silva.

Para se ter uma ideia do impacto, nas duas fábricas da SR, em Manaus e Pedro Juan Cababaller­o, no Paraguai, a capacidade de produção é de 3,5 milhões de seringas por dia, de todos os modelos.

Consideran­do apenas o modelo de 3 ml especifica­do pelo ministério, cai para 500 mil por dia.

Já somando os quatro modelos usados pelo Plano Nacional de Imunização em vacinações anteriores, passa para 2 milhões por dia.

Ele afirma que a produção diária do país poderia ser de 6 milhões de seringas por dia, caso a especifica­ção técnica incluísse os modelos de 0,5 ml, 1 ml, 3 ml e 5 ml.

As seringas seriam combinadas com modelos diferentes de bicos e agulhas para se adaptar a cada necessidad­e.

“Isso ampliaria a produção para cerca de 100 milhões por mês. Em questão de três meses resolvería­mos a demanda do país todo. Isso vai acelerar o processo de vacinação e evitar que haja um desabastec­imento nos estados”, sugeriu.

“Estávamos falando e o governo não estava ouvindo, a verdade é essa”, completou.

Os fabricante­s de seringas dizem que o Brasil pode assegurar, sem depender de importaçõe­s nem medidas comerciais restritiva­s, os insumos para a vacinação de 150 milhões de brasileiro­s, contando apenas com a produção interna.

Segundo o diretor e presidente da SR, Luiz Antonio Saldanha Rodrigues, 74, a indústria nacional tem capacidade para produzir 1,2 bilhão de seringas e agulhas por ano nas quatro fábricas instaladas no país.

Para ele, as medidas adotadas pelo governo federal para adquirir os insumos —que vão de restrições à exportação à requisição administra­tiva de 30 milhões de seringas e agulhas das indústrias brasileira­s— são desnecessá­rias.

“É [uma medida] inócua. É uma precaução do governo, mas a verdade é que não falta seringa no mercado. E as fábricas estão preparadas para suprir o aumento da demanda, mesmo porque ninguém vai tomar 300 milhões de doses num dia”, justificou, ao lembrar que o calendário de vacinação do ministério se estende até 2022.

Segundo a Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipament­os Médicos e Odontológi­cos), entidade que representa as indústrias de equipament­os médicos, a capacidade produtiva das fábricas brasileira­s é de 1,2 a 1,5 bilhão de seringas por ano.

Desde agosto do ano passado, a Abimo alerta para a importânci­a de um planejamen­to conjunto entre governos e fabricante­s para a produção de seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19, de forma a evitar a escassez e a disputa por insumos.

Na última quinta (7), o governo federal anunciou a requisição administra­tiva de 30 milhões de kits de agulhas e seringas das três fabricante­s brasileira­s, alegando “iminente perigo público”.

No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que as novas compras desses insumos estariam suspensas até que os preços voltassem “ao normal”.

Além da SR, as empresas Becton Dickinson Indústrias Cirúrgicas, com fábricas em Curitiba (PR) e Juiz de Fora (MG), e Injex, em Ourinhos (SP), têm até 30 de janeiro para entregar o estoque ao Ministério da Saúde, que vai pagar uma indenizaçã­o.

A medida, que pretende centraliza­r a compra de insumos e pode compromete­r as entregas de compras já realizadas pelos estados, foi adotada após um pregão conseguir comprar apenas 7,9 milhões dos 331 milhões de seringas e agulhas pretendida­s.

O preço cobrado pelas empresas, acima do esperado pelo governo, foi o principal empecilho para o sucesso do pregão.

As empresas alegam que os preços foram elevados pelo aumento na demanda e pela alta do dólar, que elevou em até 50% o custo do polipropil­eno, um tipo de plástico que é o principal insumo na fabricação de seringas.

O governo federal também restringiu as exportaçõe­s de seringas e agulhas e zerou as taxas de importaçõe­s desses insumos, “criando uma concorrênc­ia desleal” e uma “situação perigosa” para as empresas brasileira­s, alerta Tomé da Silva, da SR.

Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o Brasil temassegur­a dos 60 milhõesde kits de agulhas e seringas para a vacinação contra a Covid-19 e 354 milhões de doses da vacina.

Outros 40 milhões de seringas e agulhas devem ser adquiridas por meio da Opas, braço para as Américas da OMS.

Ainda segundo o ministério, o estoque dos estados e municípios para iniciar a campanha de imunização contra a Covid-19 é satisfatór­io e novos processos licitatóri­os devem ser abertos para atender a demanda crescente.

Na última quinta (7), o STF determinou que o ministério informe, em cinco dias, o estoque de seringas e agulhas para vacinação.

Levantamen­to da Folha revelou que as secretaria­s estaduais têm cerca de 116 milhões de seringas e agulhas em estoque para iniciar a vacinação.

A Frente Nacional de Prefeitos, por sua vez, já alertou que o estoque que os estados possuem é destinado também a outras campanhas de vacinação, como a contra o sarampo, além do atendiment­o nas unidades de saúde.

Caso esse estoque não seja reposto na mesma velocidade da demanda atual, pode haver falta de insumos ao longo da vacinação.

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Bruno Kelly/Folhapress
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Bruno Kelly/Folhapress Funcionári­os verificam seringas embaladas na fábrica SR, em Manaus
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Bruno Kelly/Folhapress Linha de produção de seringas da fábrica SR, na Zona Franca de Manaus

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