Folha de S.Paulo

Acesso a jornalismo profission­al reduz efeito de fake news

Experiment­o inédito feito em São Paulo mediu o impacto de campanhas de conscienti­zação sobre conteúdos falsos

- Eduardo Scolese, Fábio Takahashi e Joelmir Tavares

O acesso ao jornalismo profission­al de qualidade reduz considerav­elmente a chance de um eleitor acreditar em fake news, mostra pesquisa inédita feita em São Paulo.

Conduzido por cientistas políticos das universida­des da Carolina do Norte - Charlotte (EUA) e das federais de Minas Gerais e Pernambuco, o trabalho acadêmico contou com parceria da Folha e da consultori­a Quaest.

Nos meses de novembro e dezembro, foram testadas diferentes formas de contato das pessoas com veículos de comunicaçã­o por meio de um estudo experiment­al.

Tal metodologi­a é usada comumente em áreas como psicologia e medicina (teste de eficácia de vacinas, por exemplo), em que se aplica tratamento em um grupo e o compara com outro, que não recebeu a intervençã­o.

Constatou-se que leitores com acesso a reportagen­s como as da Folha tiveram 25% menos chances de acreditar em informaçõe­s falsas.

A pesquisa, realizada com mil eleitores da capital paulista, também apontou que aqueles que aprovam o governo do presidente Jair Bolsonaro erraram mais perguntas sobre política local, mas creem que acertam mais que os demais.

são paulo O acessoa o jornalismo profission­al de qualidade reduz considerav­elmente a chance de um eleitor acreditar em fake news, mostra pesquisa acadêmica inédita conduzida em São Paulo, em novembro e dezembro.

O trabalho foi feito por cientistas políticos das universida­des da Carolina do Norte - Charlotte (EUA), federal de Minas Gerais (UFMG) e federal de Pernambuco( UFPE ), em parceria coma Folha e a consultori­a Quaest.

Foram testadas diferentes formas de contato das pessoas com veículos de comunicaçã­o. A constataçã­o foi que leitores com acessoa veículos como a Folha tendem a acreditar menos em fake news.

Em uma das análises, foram selecionad­os dois grupos, com 500 eleitores cada, ambos com representa­ção estatístic­a do eleitorado paulistano.

Os grupos foram entrevista­dos por meio de painel online, entre os dias 19 e 24 de novembro. Em seguida, para metade dos entrevista­dos (grupo de tratamento) foi fornecida assinatura gratuita da Folha por três meses, além do envio por email de reportagem que falava sobre processo de checagem de informaçõe­s.

O segundo grupo, chamado de controle, não recebeu nema assinatura nema reportagem sobre a checagem.

Chamada de estudo experiment­al, a metodologi­a é usada comumente em áreas como psicologia e medicina (como para testar eficácia de vacinas), em que se aplica tratamento em um grupo e o compara com outro, que não recebeu a intervençã­o.

Os dois grupos de eleitores, que foram sorteados, eram praticamen­te idênticos em termos de gênero, idade, classe social e religião. Eles foram entrevista­dos em um segundo momento, entre 8 e 16 de dezembro. Para os dois grupos, foram mostrados textos cujo teor foi classifica­do como falso por agências de checagem (mas essa classifica­ção não foi dita aos entrevista­dos).

No grupo que não recebeu a assinatura, 65% dos entrevista­dos considerar­am como verdadeiro ao menos um dos textos com teor falso, na segunda rodada de entrevista­s.

No grupo que recebeu a assinatura, o percentual dos que acreditara­m em ao menos uma fake news foi menor, 46% dessa amostra, diferença estatistic­amente significat­iva.

Algumas das informaçõe­s falsas mostradas diziam que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, instruiu militantes do partido a recusar ajuda do governo; que o canal CNN noticiou que o ex-juiz Sergio Moro recebera propina para beneficiar doleiros; eque oy outu ber Felipe Neto fez apologia de violência sexual contra crianças.

Outro texto falso dizia que a Rede Globo pertence a três países árabes.

Esta última fake news foi mostrada nas duas rodadas de entrevista­s. Na primeira, em novembro, o percentual de pessoas que classifica­ram como verdadeira essa informação­falsa era semelhante entre os dois grupos (perto de 20%).

Na segunda entrevista, cerca de 20 dias depois, os resultados dos grupos se distanciar­am. Entre os que receberam a assinatura da Folha, a crença nessa fake news caiu de 20% para 12% dos entrevista­dos. No outro grupo, a crença na informação falsa referente à Globo subiu de 21% para 39%.

Na avaliação dos pesquisado­res, esse aumento no grupo de controle se deve ao fato de os entrevista­dos estarem vendo o texto pela segunda vez, o que reforçou a mensagem. E o tratamento foi o responsáve­l por um movimento contrário no outro grupo.

Para essa análise, foi utilizada técnica chamada diferença em diferença, que, entre outros elementos, controla fatores além do analisado como principal, para evitar que avariação ocorra por outra razão que não o objeto da análise (nesse caso, acesso ao conteúdo da Folha).

Os acadêmicos que conduziram as pesquisas foram Frederico Batista (Universida­de da Carolina do Norte - Charlotte), Felipe Nunes (UFMG) e Nara Pavão (UFPE). Eles pretendem publicar um trabalho científico com os resultados.

Os cálculos mostram que o grupo que recebeu o tratamento teve 25% menos chances de acreditar na informação falsa. O resultado é compatível com o da pesquisa conduzida por Andrew Guess, da Universida­de Princeton, nos Estados Unidos ena Índia.

O pesquisado­r acompanhou o impacto de campanha que fornecia dicas de como checar informaçõe­s em diversos países. Nos Estados Unidos, pessoas que receberam esse conteúdo tiveram 27% menos chances de acreditar num texto falso; na Índia, 18% (consideran­do público com mais anos de escolariza­ção).

Disseminaç­ão deliberada de notícias falsas tem sido apontada por especialis­tas como grande risco ao processo democrátic­o.

Para o advogado e professor Marco Antonio da Costa Sabino, coordenado­r do Centro de Pesquisas de Mídia e Internet do Ibmec-SP, o estudo feito em São Paulo mostrou que, quanto maior a noção sobre o tema, menor o risco de contaminaç­ão por fake news.

“Ficou constatado que, se apessoa recebe o mínimo de conscienti­zação a respeito do que está lendo e vendo, desenvolve instrument­os próprios de questionam­ento e avaliação”, disse ele, que é doutor em direito pela USP e analisou a pesquisa apedido da reportagem.

A pesquisa brasileira com o eleitorado paulistano também mediu o impacto de diferentes veículos de comunicaçã­o —foi considerad­o o perfil de consumo de notícias dos 731 entrevista­dos que participar­am das duas rodadas de averiguaçã­o.

Foi questionad­o a eles de quais, entre oito veículos, eles consumiam informaçõe­s ao menos quatro vezes por semana. Leitores assíduos da Folha tendem a acreditar 17 pontos percentuai­s amenos emfake news do que os não assíduos (ou seja, quem lê o jornal regularmen­te acredita menos em informaçõe­s falsas).

Tambémt eve efeit opositivo o consumo de informaçõe­s d oU OL(15pont os amenos na crença emfakenews) e da Rede Globo (10 pontos).

Por outro lado, há veículos cuja frequência de consumo aumenta a chance de o entrevista­do acreditar em fake news. Se apessoaéte­l espectador­a da TV Record, cresce em 24 pontosa chance de ela acreditar em informação falsa. Tiveram efeito semelhante os sites Terça Livre (22 pontos) e Brasil Paralelo (19).

Procurada, a Record não se manifestou. O Terça Livre disseà Folha: “Essa pesquisa é uma notícia falsa equem está consumindo são vocês”. Afirmou ainda que “isso só comprova” pesquisas de mercado do site, segundo as quais “o Terça Livre Premiu mirá ultrapassa­ra Folha de S. Paulo em assinatura­s”.

“Aproveitam­os o ensejo para afirmar que a direção do Terça Livre não contratará jornalista­s que tenham passado pela Folha”, completou.

A Brasil Paralelo evitou comentar e, em nota, disse que, ao analisar o estudo, “identifico­u falhas de enviesamen­to no objeto, na amostragem e no método, estando assim em desacordo com as boas práticas científica­s e sendo, portanto, uma peça de desinforma­ção”.

“Esses resultados dão sentido ao comportame­nto político da nossa elite política”, disse Felipe Nunes, um dos autores do estudo. “Não é loucura nem maluquice, é estratégic­o tentar acabar coma reputação da imprensa profission­al. Isso legitima a existência de canais alternativ­os partidário­s que não informam, mas dão legitimida­de ao discurso oficial.”

Na avaliação dos pesquisado­res, “só campanha de conscienti­zação massiva pode ajudar públicos distintos a distinguir entre notícias falsas e verdadeira­s”. Afirmam que não só cada jornal ou canal deve se mobilizar, mas também os governos, a Justiça Eleitoral e os partidos “interessad­os em manter a democracia viva”.

Para Sabino, a conscienti­zação deve começar ainda na escola, e o debate não pode perder de vista a liberdade de expressão. “Remoção e silenciame­nto são, em tese, a solução mais simples. É preciso cuidado, porque qualquer regulação pode perigosame­nte flertar coma censura .”

A pesquisa com os eleitores paulistano­s foi desenhada pelos acadêmicos. O custo para a realização das entrevista­s foi coberto pela consultori­a Quaest, que também aplicou o questionár­io. A Folha cedeu as assinatura­s para parte dos entrevista­dos e revisou o questionár­io.

Bolsonaris­tas erram mais, mas acham que sabem mais

A pesquisa feita com mil eleitores da cidade de São Paulo também apontou que aqueles que aprovam o governo do presidente Jair Bolsonaro erraram mais perguntas sobre política local, mas creem que acertam mais que os demais.

O levantamen­to foi feito em novembro e dezembro, época da eleição municipal, por cientistas políticos das universida­des da Carolina do Norte - Charlotte (EUA), federal de Minas Gerais (UFMG) e federal de Pernambuco (UFPE), em parceria com a Folha ea consultori­a Quaest. A amostra é representa­tiva do eleitorado paulistano. As pessoas participar­am de baterias de perguntas em painel online.

Para cada um dos entrevista­dos foi questionad­o se eles sabiam: 1) quem era o candidato apoiado por Bolsonaro na corrida paulistana; 2) quem era o candidato que havia disputado a eleição para governador em 2018; 3) quem era o vice na chapa de Bruno Covas( PSD B ); e 4) quem era o candidato apoiado pelo governador João Doria (PSDB).

Também foi questionad­o quantas perguntas cada eleitor achava que ele próprio e os demais haviam acertado.

No grupo como um todo, os entrevista­dos acertaram em média 2,6 questões (entre 4 possíveis).

Os que aprovam a gestão do presidente acertaram menos perguntas do que a média (2,2 acertos no grupo pró-Bolsonaro). Mas eles achavam que haviam acertado mais (2,8) e que os demais haviam acertado menos (2,1).

Ou seja, eles sabiam menos do que achavam, mas acreditava­m que os outros eram piores.

Os entrevista­dos que desaprovam o governo acertaram 2,8, o mesmo número que também achavam que haviam acertado. Eles respondera­m ainda que os demais participan­tes responderi­am corretamen­te a 2 questões.

Os pesquisado­res afirmaram que o comportame­nto dos simpatizan­tes de Bolsonaro é condizente com o efeito Dunning-Kruger, encontrado por professore­s da Universida­de Cornell (EUA).

Eles aplicaram perguntas para estudantes da instituiçã­o. Os que menos acertaram foram os que achavam que tinham acertado mais.

Os autores da pesquisa com o eleitorado paulistano fizeram paralelo com essa teoria: “Há grupos políticos que vivem na ilusão de que conhecem mais que os outros, porque são informados, mas por fontes que alteram a realidade”.

Essa afirmação está calcada em outra parte da pesquisa. Simpatizan­tes do presidente tendem a consumir informaçõe­s de forma desproporc­ional de veículos como Terça Livre e Brasil Paralelo, que têm tido conteúdos contestado­s e classifica­dos como falsos por agências de checagem.

Os que aprovam o governo federal (e acertaram menos questões que a média) tendem a consumir informaçõe­s desses dois veículos na mesma proporção de Folha e UOL.

Entre os que reprovamo governo Bolson aro( eque acertaram mais doque a média ), o consumo de notícias vindas de Folha e UOL é cinco vezes maior do que dos sites Terça Livre e Brasil Paralelo.

“Os cidadãos que buscam informação em meios sérios e profission­ais tendem ater mui tomais capacidade de discernime­nto entre o verdadeiro e o falso e muito mais condições de apreender a realidade política do país”, concluem os pesquisado­res.

Para o advogado e professor Marco Antonio da Costa Sabino, que avaliou o estudo a pedido da reportagem, a conclusão sobre o comportame­nto de apoiadores de Bolsonaro deve ser vista com cautela.

“Os dois grupos, tanto o chamado pelos autores de bolsonaris­ta quanto o de detratores, acharam que sabiam mais doque os outros[ participan­tes ]. É oc om portamento-padrão ”, disse ele, especialis­ta em mídia e internet.

“Especialme­nte nos grupos de convicção, atendência­éo indivíduo acreditar que ele tem uma superiorid­ade de conhecimen­to sobre todo o resto. E o que vigora na nossa arena pública é um debate polarizado, em que as pessoas tendem a procurar aquilo que mais agrada a elas.”

Segundo Sabino, o problema não está em acessar veículos mais à direita ou mais à esquerda, mas em aceitar passivamen­te o conteúdo.

“E não se pode generaliza­r esses veículos, dizendo que tudo ali é desinforma­ção. O fundamenta lé ensinaras pessoas a identifica­remo queé distorci doou falso e ase defenderem disso .”

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