Acesso a jornalismo profissional reduz efeito de fake news
Experimento inédito feito em São Paulo mediu o impacto de campanhas de conscientização sobre conteúdos falsos
O acesso ao jornalismo profissional de qualidade reduz consideravelmente a chance de um eleitor acreditar em fake news, mostra pesquisa inédita feita em São Paulo.
Conduzido por cientistas políticos das universidades da Carolina do Norte - Charlotte (EUA) e das federais de Minas Gerais e Pernambuco, o trabalho acadêmico contou com parceria da Folha e da consultoria Quaest.
Nos meses de novembro e dezembro, foram testadas diferentes formas de contato das pessoas com veículos de comunicação por meio de um estudo experimental.
Tal metodologia é usada comumente em áreas como psicologia e medicina (teste de eficácia de vacinas, por exemplo), em que se aplica tratamento em um grupo e o compara com outro, que não recebeu a intervenção.
Constatou-se que leitores com acesso a reportagens como as da Folha tiveram 25% menos chances de acreditar em informações falsas.
A pesquisa, realizada com mil eleitores da capital paulista, também apontou que aqueles que aprovam o governo do presidente Jair Bolsonaro erraram mais perguntas sobre política local, mas creem que acertam mais que os demais.
são paulo O acessoa o jornalismo profissional de qualidade reduz consideravelmente a chance de um eleitor acreditar em fake news, mostra pesquisa acadêmica inédita conduzida em São Paulo, em novembro e dezembro.
O trabalho foi feito por cientistas políticos das universidades da Carolina do Norte - Charlotte (EUA), federal de Minas Gerais (UFMG) e federal de Pernambuco( UFPE ), em parceria coma Folha e a consultoria Quaest.
Foram testadas diferentes formas de contato das pessoas com veículos de comunicação. A constatação foi que leitores com acessoa veículos como a Folha tendem a acreditar menos em fake news.
Em uma das análises, foram selecionados dois grupos, com 500 eleitores cada, ambos com representação estatística do eleitorado paulistano.
Os grupos foram entrevistados por meio de painel online, entre os dias 19 e 24 de novembro. Em seguida, para metade dos entrevistados (grupo de tratamento) foi fornecida assinatura gratuita da Folha por três meses, além do envio por email de reportagem que falava sobre processo de checagem de informações.
O segundo grupo, chamado de controle, não recebeu nema assinatura nema reportagem sobre a checagem.
Chamada de estudo experimental, a metodologia é usada comumente em áreas como psicologia e medicina (como para testar eficácia de vacinas), em que se aplica tratamento em um grupo e o compara com outro, que não recebeu a intervenção.
Os dois grupos de eleitores, que foram sorteados, eram praticamente idênticos em termos de gênero, idade, classe social e religião. Eles foram entrevistados em um segundo momento, entre 8 e 16 de dezembro. Para os dois grupos, foram mostrados textos cujo teor foi classificado como falso por agências de checagem (mas essa classificação não foi dita aos entrevistados).
No grupo que não recebeu a assinatura, 65% dos entrevistados consideraram como verdadeiro ao menos um dos textos com teor falso, na segunda rodada de entrevistas.
No grupo que recebeu a assinatura, o percentual dos que acreditaram em ao menos uma fake news foi menor, 46% dessa amostra, diferença estatisticamente significativa.
Algumas das informações falsas mostradas diziam que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, instruiu militantes do partido a recusar ajuda do governo; que o canal CNN noticiou que o ex-juiz Sergio Moro recebera propina para beneficiar doleiros; eque oy outu ber Felipe Neto fez apologia de violência sexual contra crianças.
Outro texto falso dizia que a Rede Globo pertence a três países árabes.
Esta última fake news foi mostrada nas duas rodadas de entrevistas. Na primeira, em novembro, o percentual de pessoas que classificaram como verdadeira essa informaçãofalsa era semelhante entre os dois grupos (perto de 20%).
Na segunda entrevista, cerca de 20 dias depois, os resultados dos grupos se distanciaram. Entre os que receberam a assinatura da Folha, a crença nessa fake news caiu de 20% para 12% dos entrevistados. No outro grupo, a crença na informação falsa referente à Globo subiu de 21% para 39%.
Na avaliação dos pesquisadores, esse aumento no grupo de controle se deve ao fato de os entrevistados estarem vendo o texto pela segunda vez, o que reforçou a mensagem. E o tratamento foi o responsável por um movimento contrário no outro grupo.
Para essa análise, foi utilizada técnica chamada diferença em diferença, que, entre outros elementos, controla fatores além do analisado como principal, para evitar que avariação ocorra por outra razão que não o objeto da análise (nesse caso, acesso ao conteúdo da Folha).
Os acadêmicos que conduziram as pesquisas foram Frederico Batista (Universidade da Carolina do Norte - Charlotte), Felipe Nunes (UFMG) e Nara Pavão (UFPE). Eles pretendem publicar um trabalho científico com os resultados.
Os cálculos mostram que o grupo que recebeu o tratamento teve 25% menos chances de acreditar na informação falsa. O resultado é compatível com o da pesquisa conduzida por Andrew Guess, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos ena Índia.
O pesquisador acompanhou o impacto de campanha que fornecia dicas de como checar informações em diversos países. Nos Estados Unidos, pessoas que receberam esse conteúdo tiveram 27% menos chances de acreditar num texto falso; na Índia, 18% (considerando público com mais anos de escolarização).
Disseminação deliberada de notícias falsas tem sido apontada por especialistas como grande risco ao processo democrático.
Para o advogado e professor Marco Antonio da Costa Sabino, coordenador do Centro de Pesquisas de Mídia e Internet do Ibmec-SP, o estudo feito em São Paulo mostrou que, quanto maior a noção sobre o tema, menor o risco de contaminação por fake news.
“Ficou constatado que, se apessoa recebe o mínimo de conscientização a respeito do que está lendo e vendo, desenvolve instrumentos próprios de questionamento e avaliação”, disse ele, que é doutor em direito pela USP e analisou a pesquisa apedido da reportagem.
A pesquisa brasileira com o eleitorado paulistano também mediu o impacto de diferentes veículos de comunicação —foi considerado o perfil de consumo de notícias dos 731 entrevistados que participaram das duas rodadas de averiguação.
Foi questionado a eles de quais, entre oito veículos, eles consumiam informações ao menos quatro vezes por semana. Leitores assíduos da Folha tendem a acreditar 17 pontos percentuais amenos emfake news do que os não assíduos (ou seja, quem lê o jornal regularmente acredita menos em informações falsas).
Tambémt eve efeit opositivo o consumo de informações d oU OL(15pont os amenos na crença emfakenews) e da Rede Globo (10 pontos).
Por outro lado, há veículos cuja frequência de consumo aumenta a chance de o entrevistado acreditar em fake news. Se apessoaétel espectadora da TV Record, cresce em 24 pontosa chance de ela acreditar em informação falsa. Tiveram efeito semelhante os sites Terça Livre (22 pontos) e Brasil Paralelo (19).
Procurada, a Record não se manifestou. O Terça Livre disseà Folha: “Essa pesquisa é uma notícia falsa equem está consumindo são vocês”. Afirmou ainda que “isso só comprova” pesquisas de mercado do site, segundo as quais “o Terça Livre Premiu mirá ultrapassara Folha de S. Paulo em assinaturas”.
“Aproveitamos o ensejo para afirmar que a direção do Terça Livre não contratará jornalistas que tenham passado pela Folha”, completou.
A Brasil Paralelo evitou comentar e, em nota, disse que, ao analisar o estudo, “identificou falhas de enviesamento no objeto, na amostragem e no método, estando assim em desacordo com as boas práticas científicas e sendo, portanto, uma peça de desinformação”.
“Esses resultados dão sentido ao comportamento político da nossa elite política”, disse Felipe Nunes, um dos autores do estudo. “Não é loucura nem maluquice, é estratégico tentar acabar coma reputação da imprensa profissional. Isso legitima a existência de canais alternativos partidários que não informam, mas dão legitimidade ao discurso oficial.”
Na avaliação dos pesquisadores, “só campanha de conscientização massiva pode ajudar públicos distintos a distinguir entre notícias falsas e verdadeiras”. Afirmam que não só cada jornal ou canal deve se mobilizar, mas também os governos, a Justiça Eleitoral e os partidos “interessados em manter a democracia viva”.
Para Sabino, a conscientização deve começar ainda na escola, e o debate não pode perder de vista a liberdade de expressão. “Remoção e silenciamento são, em tese, a solução mais simples. É preciso cuidado, porque qualquer regulação pode perigosamente flertar coma censura .”
A pesquisa com os eleitores paulistanos foi desenhada pelos acadêmicos. O custo para a realização das entrevistas foi coberto pela consultoria Quaest, que também aplicou o questionário. A Folha cedeu as assinaturas para parte dos entrevistados e revisou o questionário.
Bolsonaristas erram mais, mas acham que sabem mais
A pesquisa feita com mil eleitores da cidade de São Paulo também apontou que aqueles que aprovam o governo do presidente Jair Bolsonaro erraram mais perguntas sobre política local, mas creem que acertam mais que os demais.
O levantamento foi feito em novembro e dezembro, época da eleição municipal, por cientistas políticos das universidades da Carolina do Norte - Charlotte (EUA), federal de Minas Gerais (UFMG) e federal de Pernambuco (UFPE), em parceria com a Folha ea consultoria Quaest. A amostra é representativa do eleitorado paulistano. As pessoas participaram de baterias de perguntas em painel online.
Para cada um dos entrevistados foi questionado se eles sabiam: 1) quem era o candidato apoiado por Bolsonaro na corrida paulistana; 2) quem era o candidato que havia disputado a eleição para governador em 2018; 3) quem era o vice na chapa de Bruno Covas( PSD B ); e 4) quem era o candidato apoiado pelo governador João Doria (PSDB).
Também foi questionado quantas perguntas cada eleitor achava que ele próprio e os demais haviam acertado.
No grupo como um todo, os entrevistados acertaram em média 2,6 questões (entre 4 possíveis).
Os que aprovam a gestão do presidente acertaram menos perguntas do que a média (2,2 acertos no grupo pró-Bolsonaro). Mas eles achavam que haviam acertado mais (2,8) e que os demais haviam acertado menos (2,1).
Ou seja, eles sabiam menos do que achavam, mas acreditavam que os outros eram piores.
Os entrevistados que desaprovam o governo acertaram 2,8, o mesmo número que também achavam que haviam acertado. Eles responderam ainda que os demais participantes responderiam corretamente a 2 questões.
Os pesquisadores afirmaram que o comportamento dos simpatizantes de Bolsonaro é condizente com o efeito Dunning-Kruger, encontrado por professores da Universidade Cornell (EUA).
Eles aplicaram perguntas para estudantes da instituição. Os que menos acertaram foram os que achavam que tinham acertado mais.
Os autores da pesquisa com o eleitorado paulistano fizeram paralelo com essa teoria: “Há grupos políticos que vivem na ilusão de que conhecem mais que os outros, porque são informados, mas por fontes que alteram a realidade”.
Essa afirmação está calcada em outra parte da pesquisa. Simpatizantes do presidente tendem a consumir informações de forma desproporcional de veículos como Terça Livre e Brasil Paralelo, que têm tido conteúdos contestados e classificados como falsos por agências de checagem.
Os que aprovam o governo federal (e acertaram menos questões que a média) tendem a consumir informações desses dois veículos na mesma proporção de Folha e UOL.
Entre os que reprovamo governo Bolson aro( eque acertaram mais doque a média ), o consumo de notícias vindas de Folha e UOL é cinco vezes maior do que dos sites Terça Livre e Brasil Paralelo.
“Os cidadãos que buscam informação em meios sérios e profissionais tendem ater mui tomais capacidade de discernimento entre o verdadeiro e o falso e muito mais condições de apreender a realidade política do país”, concluem os pesquisadores.
Para o advogado e professor Marco Antonio da Costa Sabino, que avaliou o estudo a pedido da reportagem, a conclusão sobre o comportamento de apoiadores de Bolsonaro deve ser vista com cautela.
“Os dois grupos, tanto o chamado pelos autores de bolsonarista quanto o de detratores, acharam que sabiam mais doque os outros[ participantes ]. É oc om portamento-padrão ”, disse ele, especialista em mídia e internet.
“Especialmente nos grupos de convicção, atendênciaéo indivíduo acreditar que ele tem uma superioridade de conhecimento sobre todo o resto. E o que vigora na nossa arena pública é um debate polarizado, em que as pessoas tendem a procurar aquilo que mais agrada a elas.”
Segundo Sabino, o problema não está em acessar veículos mais à direita ou mais à esquerda, mas em aceitar passivamente o conteúdo.
“E não se pode generalizar esses veículos, dizendo que tudo ali é desinformação. O fundamenta lé ensinaras pessoas a identificaremo queé distorci doou falso e ase defenderem disso .”