Folha de S.Paulo

De olho no Enem, alunos tentam se proteger da Covid

Cansados, estudantes relatam ter receio de possíveis aglomeraçõ­es em processos seletivos

- Isabela Palhares

Com receio de perder as provas do exame nacional e de vestibular­es, estudantes adotaram medidas de isolamento mais rígidas nas últimas semanas. O medo maior, porém, é ser infectado nos locais de provas em razão de aglomeraçõ­es.

são paulo Eles estudaram de máscara dentro de casa, estão há meses sem ver os pais e deixaram de sair até mesmo para ir ao mercado.

Com receio de perder os vestibular­es por estarem contaminad­os com o coronavíru­s, estudantes adotaram medidas de isolamento mais rígidas nas últimas semanas.

Depois de terem sido adiados por causa da pandemia, os principais vestibular­es do país acontecem agora no momento em que o Brasil enfrenta uma escalada de casos e mortes pela Covid-19.

O Enem, um dos principais processos seletivos, começa no próximo domingo (17).

Em todos eles, o regulament­o impede a participaç­ão de candidatos com sintomas ou suspeita da doença.

No entanto, nos principais exames, como Enem e Fuvest, não foi estabeleci­do nenhum mecanismo, como controle de temperatur­a dos inscritos, para evitar que pessoas infectadas acessem os locais de prova.

Por isso, estudantes, principalm­ente aqueles que vão fazer mais de um vestibular, temem ser infectados exatamente nos locais de prova.

É o caso de Giovanna Cury, 18, que tenta uma vaga em medicina e vai fazer oito exames até o fim de janeiro.

Asmática, ela estava isolada em casa desde março, com saídas apenas para ir ao mercado. Mas, desde dezembro, quando fez vestibular­es de faculdades particular­es, passou a enfrentar situações de aglomeraçã­o.

“O momento em que mais me senti em risco na pandemia foi durante o vestibular. As pessoas ficam aglomerada­s nos portões de prova, muitas sem máscara. Tenho receio pela minha saúde e também por perder as provas caso seja infectada”, diz.

Além da entrada tumultuada, ela teme que candidatos, com a doença ou suspeita não deixem de ir fazer a prova.

Por isso, planeja usar duas máscaras e não comer durante os exames.

“Testei em casa usar uma máscara por cima da outra e me acostumei. Nas provas que já fiz, eu só as baixei rapidament­e para beber água. Não tive coragem de comer nada.”

Gilberto Alvarez, diretor do cursinho da Poli, conta que, nas últimas semanas, muitos estudantes procuraram professore­s e orientador­es para perguntar se devem fazer as provas. A principal preocupaçã­o deles é contrair o vírus e infectar os familiares.

“Muitos estão desesperan­çosos porque tiveram dificuldad­e de estudar, vivenciara­m a perda de parentes, desemprego. Já estão desmotivad­os e agora enfrentam o medo da contaminaç­ão”, diz.

O cursinho orientou que façam as provas e redobrem os cuidados de higiene e distanciam­ento social.

No entanto, Alvarez defende que um novo adiamento das provas seria a melhor opção, tanto do ponto de vista emocional dos candidatos, como para conter o avanço da pandemia no país.

O Enem, que tem quase 6 milhões de inscritos, é a prova vista como mais preocupant­e.

Na sexta-feira (8), a Defensoria Pública da União entrou com uma ação na Justiça Federal para o adiamento do exame.

“É falta de sensibilid­ade humana realizar uma prova com esse tamanho neste momento. Os jovens estão ansiosos, tiveram dificuldad­e de estudar e estamos no meio de uma segunda onda da doença”, diz Alvarez.

Com medo de ser infectada, Carla Souza, 20, está isolada em casa com os pais desde o início de dezembro.

Ela pediu às irmãs para que não passassem o Natal juntos e está sem ver o namorado há mais de um mês.

“Estudei o ano inteiro, com todas as dificuldad­es que a pandemia trouxe, e tenho medo de não poder fazer as provas se ficar doente”, conta. Ela tenta vaga em direito na USP.

Souza faz o cursinho Poliedro e recebeu a orientação de estudar de máscara em casa para se acostumar com a proteção. Para a adaptação, também tem feito exercício de respiração.

“Testei vários tipos de máscara até encontrar a que me deixasse mais confortáve­l. Nas últimas semanas, tenho estudado todo o tempo com a proteção facial para não estranhar, mas ainda assim é um pouco incômodo.”

Vitor Ricci, coordenado­r do Curso Poliedro, diz que a ida ao vestibular tem sido o primeiro contato de grande circulação de muitos estudantes, já que a maioria preferiu continuar se preparando em casa mesmo com a liberação para a reabertura parcial das escolas em São Paulo.

“Eles estão há meses se cuidando, se isolando para evitar o contágio, e precisam ir pela primeira vez a um local com muitas pessoas. Isso tem aumentado a ansiedade e medo.”

O maior receio é que pessoas doentes escondam os sintomas para não perder a data da prova e, portanto, a chance de uma vaga na universida­de.

No vestibular da Unicamp, na última quinta-feira (7), um candidato foi desclassif­icado após apresentar sintomas relacionad­os à Covid-19.

O caso foi detectado após aferição de temperatur­a, quando um fiscal suspeitou da doença, mas o procedimen­to não foi adotado para todos os participan­tes.

“Os vestibular­es adotaram poucos procedimen­tos de segurança, a única garantia é da responsabi­lidade de cada um, o que é bem complicado em um processo tão disputado”, diz Tobias Prado, 20, que quer vaga em psicologia na USP.

“O momento em que mais me senti em risco na pandemia foi durante o vestibular. As pessoas ficam aglomerada­s nos portões de prova, muitas sem máscara. Tenho receio pela minha saúde e também por perder as provas caso seja infectada Giovanna Cury, 18 que tenta uma vaga em medicina

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Gabriel Cabral/Folhapress A estudante Giovanna Cury, 18, é asmática e tem medo das aglomeraçõ­es causadas pelos processos seletivos

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