Folha de S.Paulo

Maia sobe tom e deve deixar para sucessor decisão de impeachmen­t

Prestes a sair da chefia da Câmara, deputado destoa de Alcolumbre, que no Senado arquivou pedidos contra ministros do STF e Aras

- Daniel Carvalho e Matheus Teixeira presidente da Câmara

“Não podemos mais aceitar um ministro que não entende de saúde e um presidente irresponsá­vel que nega o vírus

brasília O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), subiu o tom contra Jair Bolsonaro (sem partido), mas a abertura de um processo de impeachmen­t do presidente da República está descartada. Os pedidos já feitos, contudo, não deverão ser arquivados. Ficarão na gaveta à espera do próximo chefe da Casa.

Até o final da semana passada, já haviam sido protocolad­os cerca de 60 pedidos.

Se Maia decidisse abrir um processo nos últimos dias à frente da Câmara, seu sucessor teria de, obrigatori­amente, levar o caso adiante a partir de fevereiro, quando os trabalhos do Legislativ­o serão retomados.

Maia, porém, disse a aliados que não vai abrir nem arquivar nenhum processo. Além de entender que não há ambiente político, o atual presidente da Câmara não quer dar espaço para que apontem oportunism­o de sua parte às vésperas de voltar à planície do plenário.

Por outro lado, o deputado não vê espaço para arquivar os pedidos, medida que o tornaria ainda mais alvo dos críticos que insistem que ele tome uma medida mais dura contra Bolsonaro.

A conduta destoa, por exemplo, de medidas do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Antes de deixar o comando dessa Casa, Alcolumbre arquivou todos os 38 pedidos de impeachmen­t de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Com a decisão de Maia, os pedidos vão continuar na gaveta do gabinete da presidênci­a da Câmara, que é disputada por Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, e Baleia Rossi (MDB-SP) —apadrinhad­o de Maia em uma aliança que envolve 11 partidos, incluindo siglas da oposição.

O número de pedidos de impeachmen­t deverá aumentar nos próximos dias.

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, vai levar o tema para discussão no Conselho Federal da entidade. “Colocamos em andamento o processo interno”, afirmou ele à Folha.

No último sábado (9), Maia fez críticas contundent­es a Bolsonaro nas redes sociais. Em meio às disputas pelo comando da Câmara e sobre a vacina contra a Covid-19, o deputado chamou Bolsonaro de covarde.

“Bolsonaro é covarde”, escreveu Maia ao compartilh­ar uma notícia segundo a qual Bolsonaro teria culpado o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, pelo atraso da vacinação no Brasil.

Horas depois, em nova publicação, Maia escreveu: “Bolsonaro: 200 mil vidas perdidas até agora. Você tem culpa”.

Ao Painel o presidente da Câmara foi além e afirmou que Bolsonaro é irresponsá­vel. “Não podemos mais aceitar um ministro que não entende de saúde e um presidente irresponsá­vel que nega o vírus.”

“Todos estamos cansados disso, desse negacionis­mo e dessa irresponsa­bilidade. Está na hora de uma reação forte de todos nós, brasileiro­s, contra a irresponsa­bilidade do governo”, afirmou Maia.

Neste domingo (10), o presidente da Câmara não quis se manifestar. Por outro lado, apoiadores do governo, inclusive os filhos de Bolsonaro, foram às redes sociais disseminar notícias falsas como a filiação de Maia ao PSOL.

A possibilid­ade de impediment­o de Bolsonaro também estremeceu a relação do PT com Baleia Rossi.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), cobrou publicamen­te o emedebista por causa de uma declaração dada por ele em entrevista à Folha publicada neste domingo.

Baleia disse que não vê o impeachmen­t de Bolsonaro como caminho e que o processo de afastament­o do presidente “não é bom para o Brasil”.

“Não há nenhum compromiss­o, como muitos falam, de abertura de impeachmen­t. É uma mentira. [Dar início] é uma prerrogati­va do presidente da Câmara, mas nós precisamos, ainda mais neste momento em que a pandemia dá sinais de cresciment­o, de estabilida­de”, disse Baleia, na entrevista.

“Dar resposta a crimes do Executivo é o item 3.6 do compromiss­o de Baleia Rossi com a oposição. Inclui analisar denúncias de crimes do presidente da República, mesmo que não haja acordo para

Rodrigo Maia (DEM-RJ)

aprovar impeachmen­t”, escreveu Gleisi, em uma rede social.

“Ao negar o que tratamos e fechar essa possibilid­ade [de abertura de impeachmen­t], Baleia perderá votos no PT”, completou a deputada.

Baleia telefonou para a presidente do PT para tentar contornar a situação. Ele também foi às redes sociais para se explicar.

“Falei com a presidente Gleisi agora há pouco. Ressaltei que vou honrar cada compromiss­o firmado com os partidos de oposição, o que inclui usar todos os instrument­os constituci­onais em defesa da democracia. Antecipar juízos agora não ajuda. O que disse à Folha mantém os princípios do que pactuamos”, escreveu.

A Folha não conseguiu falar com a presidente do PT após a publicação de Baleia.

Candidato apoiado por Bolsonaro, Lira também foi às redes sociais para se posicionar contra a abertura de um processo de impeachmen­t.

“Sempre digo que ninguém pode se compromete­r ou torcer por um impeachmen­t. Ele é um remédio institucio­nal amargo. E é fruto de uma conjunção de fatores e não uma decisão unilateral do presidente da Câmara. Ainda bem que Rodrigo Maia e seu candidato agora passaram a concordar comigo”, afirmou o deputado do PP e líder do centrão.

A discussão a respeito do impeachmen­t de Bolsonaro voltou à tona na semana passada depois que o presidente da República voltou a colocar sob suspeita a lisura das eleições com urnas eletrônica­s sem apresentar provas.

Ele disse ainda que, caso não haja voto impresso em 2022, no Brasil ocorrerá algo pior do que a invasão do Congresso dos Estados Unidos por radicais incitados pelo presidente Donald Trump, ídolo de Bolsonaro.

“Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior do que os Estados Unidos”, disse Bolsonaro a apoiadores na última quinta (7).

No próximo ano, o TSE, responsáve­l por organizar as eleições no Brasil, estará sob o comando do ministro Alexandre de Moraes. Integrante do Supremo, ele é um dos principais alvos de críticas da ala radical bolsonaris­ta dentro e fora do Congresso.

 ?? Pedro Ladeira - 6.jan.2021/Folhapress ?? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o seu candidato ao cargo, Baleia Rossi
Pedro Ladeira - 6.jan.2021/Folhapress O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o seu candidato ao cargo, Baleia Rossi

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil