Folha de S.Paulo

Na pandemia, brasileiro investe mais na Bolsa, mas não deixa poupança

Acompanhe a história financeira de cinco investidor­es durante a pandemia

- Júlia Moura

são paulo A rápida recuperaçã­o da Bolsa brasileira após o tombo de março, a Selic a 2% ea inflação em alta permeiam as decisões financeira­s de brasileiro­s nos últimos meses.

Cada vez mais pessoas físicas compram ações na Bolsa, ao mesmo tempo que não abrem mão da poupança, hoje com rendimento real negativo.

Desde janeiro de 2020, a Folha acompanha cinco investidor­es em diferentes situações socioeconô­micas nessa nova realidade do mercado financeiro. Por causa da pandemia, o cenário que eles encontrara­m se tornou ainda mais atípico. Esta é a segunda reportagem com suas histórias.

Valéria Souza, 51, agente de viagens, entrou na Bolsa

No início de 2020, a Bolsa em alta levou a agente de viagens corporativ­as ase reunir com amigos para montar um clube de investimen­to, que, no fim das contas, lhe pareceu um cassino, levando-a a desistir.

Frustrada e apenas com dinheiro na poupança, que ela usa como conta-corrente, Souza começou a pesquisar sozinha sobre investimen­to em ações —o rendimento da poupança é de 1,4% ao ano, abaixo da inflação em 2020, que, até novembro, somou 3,13%.

“Peguei vários especialis­tas. Você está jogando ‘Candy Crush’ no celular e aparecem dicas: ‘Fique mais rico, me siga’. Assisti a diversas palestras, mas o segredo mesmo ninguém estava passando, anão ser que vocês e inscrevess­e nos cursos”, diz.

Em agosto, pagou R$ 2.000 em um curso sobre como operar ações de uma semana, com aulas diárias de uma hora e 30 minutos. “Tem que estudar, não é só chegar e colocar uma grana.”

Ela retirou quase 80% do que tinha na poupança e construiu, em outubro, uma carteira de ações com Via Varejo, Cogna, Magazine Luiza e Weg. Desde então, essas empresas tiveram variação de -10,49%, -6,95%, 6,91% e 36,65%.

“Quem administra as ações para mim é o cara do curso por eu ainda não ter tempo. Está no meu nome, mas só entro na conta para olhar como está.”

No futuro, ela quer diversific­ar a carteira com ações de Lojas Americanas, Ez Tec, Hypera Pharma e RaiaDrogas­il. Valéria conta que se destacou no curso e pensa em se demitir da agência de viagens e ir trabalhar com o professor.

“Ele gostou das minhas análises e dos meus resultados nas simulações. E, como ele administra muitas carteiras, conversamo­s sobre a possibilid­ade de trabalho.”

Souza mora com os pais idosos aposentado­s e ajuda a tomar conta do neto de quatro anos, que sustenta, assim como seu filho, de 26.

“Pretendo ajudar o professor a administra­r carteiras, assim trabalho de casa e cuido da minha família.”

Danilo Taverna, 26, pesquisado­r, tomou menos risco

Para ter a casa própria, Taverna tirou metade do dinheiro da poupança em 2017 e começou a diversific­ar os investimen­tos. No primeiro semestre de 2020 tinha 90% em fundos multimerca­do (que combinam diversos ativos de renda variável e fixa) e pós-fixados e 10% em CDB.

Com a forte queda do Ibovespa no primeiro trimestre, alguns de seus fundos registram rentabilid­ade negativa.

“Perdi de 5% a6% do meu patrimônio ao longo de 2020. Nunca tinha perdido tanto dinheiro na minha vida”, diz.

Ele vendeu os fundos em outubro e aplicou em investimen­tos menos arriscados e de maior liquidez —em que o dinheiro cai mais rápido na conta em caso de venda.

“Agora, invisto para que o dinheiro não se desvaloriz­e, prefiro pisar em chão firme. Não vejo mais como fonte de renda. Antes da crise, via as aplicações como uma fonte secundária de dinheiro.”

No momento, 43% de suas aplicações estão em fundos de investimen­to menos arriscados. Na previdênci­a privada, são 11%, e, em CDBs, 5%. A poupança concentra 41%.

“A poupança é um dinheiro de rápido acesso. Por exemplo, paguei um tratamento dentário caro com ele”, diz.

Ele não se preocupa com o baixo rendimento da modalidade. “Economista­s me recomendar­am fundos que me fizeram perder dinheiro no ano passado. Na prática, a rentabilid­ade real negativa da modalidade é desprezíve­l.”

Taverna é pesquisado­r da USP, onde também faz mestrado em engenharia naval e oceânica.

Agora, seus ativos rendem 0,4% ao mês. “Vi que há previsão de alta na inflação em 2021, então tenho preferido investimen­tos atrelados ao IPCA.”

Com seu salário de R$ 5.800, ele paga seu aluguel e condomínio, que totalizam R$ 2.000, e ajuda a mãe, com R$ 500 mensais. Seu tio, que mora com ela, teve auxílio emergencia­l do governo enquanto ficou desemprega­do.

“Estou tranquilo, não passo aperto, mas meu salário está justo com meus custos fixos. Todo mês contribuo com R$ 500 para previdênci­a privada, mas não consigo colocar mais nos fundos.”

Bruno Nogueira, 26, gerente, amplia carteira de ações

“Se você olha a Bolsa, não teve pandemia. O Ibovespa está superfatur­ado. Pode ocorrer uma queda, e quem não estiver preparado pode ficar maluco”, diz Nogueira, que compra ações desde 2018.

Ele aproveitou a baixa de 2020 para adquirir mais papéis, com foco no longo prazo, mas se diz cauteloso com os recordes do Ibovespa, hoje a 125 mil pontos.

“Quero focar boas pagadoras de dividendos para ir saldando as minhas contas. O objetivo é chegar a 2022 recebendo um salário mínimo em dividendos.”

Sua carteira de ações cresceu 65% desde maio, totalizand­o R$ 17 mil. Nela estão papéis de Itaú, Itaúsa, Banco do Brasil, Santander, Bradesco, Embraer e IRB.

“Quando eu tiver R$ 300 mil a R$ 500 mil em ações, eu penso no próximo passo, que pode ser comprar uma casa.”

Ele quer investir mais no setor de energia, que tende a distribuir dividendos mais expressivo­s, e manter boa parte da carteira em bancos “que não dão prejuízo”, diz.

Para diversific­ar, comprou dois terrenos em Madelena (CE), cidade natal de sua esposa, por R$ 14 mil.

“Penso em desenvolve­r, transforma­r em uma chácara e vender daqui a uns cinco anos por R$ 100 a R$ 200 mil. Pode acabar rendendo mais que uma ação.”

Nogueira é formado em administra­ção, trabalha no LinkedIn na área de gerenciame­nto dos clientes e sustenta a casa, em Mauá (SP). Sua esposa parou de trabalhar quando teve a filha do casal, de um ano.

Vinícius Fonseca, 25, gerente, comprou ações nos EUA

Fonseca manteve sua estratégia de investimen­to apesar da volatilida­de de 2020. Ações são 50% da carteira. Outros 30% estão em fundos imobiliári­os, e 20%, em Tesouro Selic.

“Não fiquei desesperad­o com a crise, não sai vendendo. Investi mais, arrisquei na Petrobras e lucrei 100%. Na próxima crise vou saber como me portar”, diz.

Segundo ele, influencia­dores de finanças e casas de análise foram fundamenta­is para o investidor não sair da Bolsa. “Eles ajudaram a acalmar as pessoas.”

Todo mês, ele investe metade do seu salário, com o objetivo de se aposentar no futuro.

Para ele, que cursa engenharia e trabalha como gerente de contas na Amazon, estudar o mercado de ações é um lazer.

Recentemen­te, abriu conta em uma corretora nos Estados Unidos para aprender sobre o mercado americano.

Com US$ 500, comprou três ETFs (fundos de índice), que replicam ações de empresas americanas e de mercados desenvolvi­dos.

Fonseca quer ter metade do portfólio de ações no Brasil e metade nos EUA, onde pretende manter seus investimen­tos apenas em ETFs, ampliando para fundos de tecnologia.

“Daria mais trabalho estudar e escolher a dedo ações. Sei que com esses ETFs não vou ganhar muito dinheiro, mas estou bem seguro. Ganho se dólar ou ações subirem.”

No Brasil, ele comprou mais fundos imobiliári­os em 2020, totalizand­o oito.

Em conjunto, seus fundos imobiliári­os rendem 16% desde o início das aplicações e, em 2020, caíram 13%.

A sua estratégia é de longo prazo, não vendeu nenhuma ação ou cota que comprou, a não ser a Petrobras.

José de Castro, 61, aposentado, sentiu a inflação

“Esses últimos meses ficaram bem apertados. O supermerca­do subiu demais. Acabei tirando um pouquinho da poupança para viajar para a praia”, afirma Castro.

Suas economias sempre estiveram na poupança, como uma reserva de emergência.

“Não me apego a rendimento. É só para guardar uma coisinha. Nem penso em investir.”

Com mais de 36 anos de contribuiç­ão, o ex-gerente de lojas conseguiu se aposentar com o benefício integral, mas não sobra dinheiro para guardar.

“Procuramos ofertas, não sou fiel a nenhuma marca. Vai apertando aqui e ali.”

Ele ajuda o irmão músico, que ficou meses sem tocar nos bares, e o pai, 85, que tem uma alfaiatari­a na Galeria do Rock. Após ficar fechada por meses, a loja reabriu acompanhan­do o comércio de São Paulo.

“Ele não consegue ficar parado, é bom para ele, mas o movimento é baixo.”

Castro também paga o financiame­nto da moto, que termina em fevereiro, e o auxílio financeiro para a filha, que mora com a ex-mulher.

Ele conta que a maioria dos amigos está com dificuldad­e. “Motoboy, comerciant­es, prestadore­s de serviços, todo o mundo reclama que caiu o movimento, todo o mundo foi afetado.”

 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Valéria Souza, que tirou dinheiro da poupança para comprar ações
Danilo Verpa/Folhapress Valéria Souza, que tirou dinheiro da poupança para comprar ações
 ?? Jardiel Carvalho/Folhapress ?? Bruno Nogueira, que aposta em papéis que pagam dividendos
Jardiel Carvalho/Folhapress Bruno Nogueira, que aposta em papéis que pagam dividendos
 ?? Jardiel Carvalho/Folhapress ?? Vinícius Fonseca, que quer ter metade da carteira de ações nos EUA
Jardiel Carvalho/Folhapress Vinícius Fonseca, que quer ter metade da carteira de ações nos EUA
 ?? Jardiel Carvalho/Folhapress ?? Danilo Taverna, que retirou recurso de fundos multimerca­do após perda
Jardiel Carvalho/Folhapress Danilo Taverna, que retirou recurso de fundos multimerca­do após perda

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil