Folha de S.Paulo

Banimentos podem levar big techs a absolutism­o

- Análise M. Camillo

são paulo O presidente Donald Trump quis em 2020 banir dos EUA o aplicativo chinês TikTok por suposto risco de ameaça à segurança nacional. Por ironia, no início de 2021, acabou, ele próprio, banido de Twitter, Facebook, Instagram, Twitch, entre outros, pelo mesmo motivo, após insuflar uma massa de vândalos a invadir o prédio do Congresso.

A decisão mais recente —e histórica— veio na noite de sexta-feira (8), do Twitter, que o excluiu permanente­mente da rede por incitação à violência —Mark Zuckerberg havia anunciado medida mais branda, o bloqueio ao menos até o fim do mandato.

Trump se sentia em casa no Twitter. Desde a campanha, em 2016, e durante todo o seu mandato, o presidente usava a rede social como diário oficial anos 2010. Políticas importante­s de seu governo eram primeiro anunciadas ali, MUITAS VEZES EM MAIÚSCULA.

A ascensão de líderes populistas e extremista­s, como Trump, foi catapultad­a pelas redes sociais. Suas falas e ideias não passavam mais pelo filtro da imprensa e atingiam diretament­e o eleitorado insatisfei­to com os rumos de sua vida e de seu país.

Os algoritmos das redes privilegia­m conteúdos com mais interações, e posts como os de Trump viralizam ao incitar comentário­s e compartilh­amentos. As fake news operam pela mesma lógica e foram cruciais para o brexit e a vitória de Jair Bolsonaro.

As big techs —Facebook, Google, Twitter, Apple, Amazon— passaram a ser pressionad­as a combater a desinforma­ção. Nas eleições americanas de 2020, houve o primeiro ponto de inflexão. Posts de Trump com alegações falsas de fraudes na votação ganhavam instantane­amente alertas de conteúdo questionáv­el.

O banimento atual de Trump das redes sociais levanta uma série de dúvidas e acelera algumas tendências. Por isso a sexta-feira, 8 de janeiro, entrará para a história.

O primeiro movimento mais óbvio é uma fuga em massa de seus apoiadores contra o que consideram censura. Chamamento­s para a rede social Parler já são vistos, por exemplo, entre bolsonaris­tas, os trumpistas brasileiro­s. Essa plataforma é conhecida por não ter moderação de conteúdo, terreno fértil para conspiraci­onistas de toda ordem. No entanto, o Google já suspendeu o aplicativo da Play Store até que o Parler passe a adotar critérios para excluir publicaçõe­s.

Após ser banido do Twitter, Trump tentou usar contas oficiais ou de assessores. Elas também foram bloqueadas.

Se o homem mais poderoso do mundo, com quase 90 milhões de seguidores, mesmo que em fim de mandato e meio cachorro morto, pode ser banido, o que dizer dos outros 7 bilhões de habitantes da Terra? Quem são os julgadores dessas redes sociais? Quais os critérios utilizados?

Essa força das empresas de tecnologia lembra o absolutism­o europeu dos séculos 16 a 18. Mesmo que movidos por boas causas —a defesa da democracia ou evitar uma guerra civil—, os executivos se parecem com os reis que detinham poder sobre a nação e decidiam, sozinhos, o futuro de todos.

A permanênci­a nas redes sociais só de quem pensa igual aumentará sensivelme­nte a formação de bolhas e eleva o risco de movimentos obscuros se tornarem grandes demais sem que ninguém saiba. Como se novos e maiores QAnons surgissem todos os dias. A nova década está apenas começando.

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