Folha de S.Paulo

Gratuidade do transporte para idosos: o que diz a ciência?

Isenção a usuário com mais de 60 anos é relevante ação de saúde preventiva

- Jorge Félix Doutor em ciências sociais, é professor de gerontolog­ia da USP, pesquisado­r da Fapesp e autor de ‘Economia da Longevidad­e’ (ed. 106 Ideias)

A ciência tem sido destacada pelo governador João Doria e pelo prefeito Bruno Covas como condição imprescind­ível para a tomada de decisões na pandemia em São Paulo.

Causa estranheza, portanto, a falta de sustentaçã­o científica para a adoção de outras medidas no campo da saúde, como a revogação da lei que concedia gratuidade de transporte coletivo para idosos a partir dos 60 anos na capital paulista.

O ato provocou indignação porque foi um tema ausente na campanha eleitoral, estava embrenhado nas letras legislativ­as, de maneira proposital, para impedir o debate democrátic­o e tem justificat­ivas “falaciosas”, como definiu a associação dos membros do Ministério Público.

Política à parte, a intenção aqui é abordar, do ponto de vista científico, como há um descompass­o com o debate global mais contemporâ­neo e denunciar o desconheci­mento dos desafios de uma sociedade envelhecid­a, na qual o Brasil deve se espelhar em nome do bem-estar de sua população.

O maior sinal vem de figuras públicas, em redes sociais, questionan­do se é correto “considerar idosa uma pessoa de 60 anos”. Além de claro idosismo (preconceit­o), devese concluir que esses gestores acreditam que políticas públicas para o envelhecim­ento devem ser adotadas apenas para a população idosa, ignorando as ações preventiva­s recomendad­as pela ciência. Nesse aspecto, é consensual em literatura de renomadas revistas científica­s a defesa da gratuidade aos 60 anos como relevante ação de saúde preventiva.

Estudos provaram efeitos benéficos para a prevenção de problemas mentais, no combate à depressão, à solidão e a doenças cardíacas devido ao potencial psicológic­o de o idoso estar no domínio sobre seu direito de ir e vir. Os resultados são colhidos nos cofres do serviço público de saúde. Londres adota a gratuidade aos 60 anos, embora o marco legal de idoso nos países ricos seja de 65 anos. A ONU acaba de dedicar esta década ao envelhecim­ento saudável. No item 11 de suas orientaçõe­s, a acessibili­dade ao transporte é primordial para a saúde.

Já a Comissão Europeia recomendou, em 2012, no projeto “Growing Older and Staying Mobile”, um esforço dos países em direção à gratuidade inglesa. Há sempre possibilid­ade de limitar horários ou subsidiar as linhas de ônibus mais frequentes para, por exemplo, hospitais. Ou seja, existem alternativ­as. A Organizaçã­o Mundial da Saúde referenda esse esforço. Soa paradoxal seguir a OMS na pandemia e ignorá-la na questão da acessibili­dade.

A heterogene­idade da população idosa, lição número um em políticas públicas para o envelhecim­ento, foi ignorada. Há várias velhices. O fim da gratuidade penaliza um grupo que já está num limbo da proteção social. O envelhecim­ento ativo para os mais pobres —com menos educação, periférico­s, quase todos pretos e entre 60 e 64 anos— deixou de ser meta e virou obrigação.

Eles não têm emprego e aposentado­ria —porque trabalhara­m informalme­nte— nem são elegíveis para a assistênci­a social. São os que mais usam a gratuidade e o destino principal, segundo o Metrô de São Paulo, que é o trabalho. Muitas vezes toda a família depende apenas dessa renda. E todos dependem da ciência.

Estudos provaram efeitos benéficos para a prevenção de problemas mentais, no combate à depressão, à solidão e a doenças cardíacas devido ao potencial psicológic­o de o idoso estar no domínio sobre seu direito de ir e vir. Os resultados são colhidos nos cofres do serviço público de saúde. (...) A heterogene­idade da população idosa foi ignorada. Há várias velhices

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