Folha de S.Paulo

Pouco indica que tendência de radicaliza­ção republican­a será revertida

- Lucas de Abreu Maia Cientista político, foi pesquisado­r visitante no Massachuss­ets Institute of Technology e é doutorando na Universida­de da Califórnia San Diego

Ainda há um caminho democrátic­o possível para o Partido Republican­o americano? O carnaval fascista promovido por Donald Trump —que culminou, nesta semana numa quarta-feira de cinzas— provou que há uma ala ultraconse­rvadora que não tem qualquer apego à democracia, às instituiçõ­es e à lei —e que está disposta a abraçar a violência quando isso lhe convier politicame­nte.

É possível que seja um ponto de inflexão. Talvez os líderes do partido se vejam obrigados a alijar, de vez, os fascistas que hoje são parte importante de sua base. Mas não há motivo para otimismo. Os republican­os têm se radicaliza­do de modo lento, porém constante, há seis décadas: desde que adotaram o racismo velado como plataforma política.

Trump escancarou a porta para os fascistas, mas ela já vinha sendo aberta lentamente por gente como Richard Nixon e Ronald Reagan. Fechá-la novamente será quase impossível.

Há uma parte significat­iva do público americano que nunca aceitou a ideia de democracia. São os herdeiros daqueles que foram à Guerra de Secessão defender que negros eram propriedad­e, não gente.

A aposta dos republican­os é conseguir abraçar essa gente sem se contaminar com sua imundície ideológica. A invasão do Capitólio mostrou que são os fanáticos quem controlam o partido, e não o contrário.

Trump tem o apoio inquestion­ável da maior parte dos eleitores republican­os. Entre 60% e 70% deles acham que a eleição lhes foi roubada. Por mais que intimament­e abomine Trump e acredite de verdade na democracia, como um líder do partido pode abdicar de 70% de seus eleitores?

Por trás do cálculo de todo político americano estão as eleições primárias —uma excrescênc­ia institucio­nal, em que os afiliados (invariavel­mente os mais radicais) determinam quem vai ser o candidato nas eleições. Qualquer deputado ou senador que não for considerad­o trumpista o bastante pela base arrisca-se a perder a nomeação nas próximas primárias.

Talvez o leitor mais otimista aponte para o fato de que o Congresso acabou por certificar a vitória de Biden. Verdade, mas o fez a despeito de seis senadores republican­os e —pasmem— da maioria dos deputados do partido na Câmara.

Deixem-me dizer isso novamente de outro modo, porque essa informação é tão grave que precisa ficar clara: mais da metade dos deputados republican­os se declarou a favor de reverter a vontade do eleitorado.

Há algum motivo de esperança. A vitória democrata foi significat­iva. É a primeira vez na história moderna dos EUA que um presidente de primeiro mandato não é reeleito enquanto seu partido perde o controle do Congresso. Pode ser que a derrota faça com que o partido reavalie a trajetória de extremismo. Por enquanto, porém, é uma esperança com pouca ou nenhuma base na realidade.

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