Folha de S.Paulo

Nova era na internet, menos no Brasil

Para Baleia Rossi, defesa da democracia não se aplica às redes sociais

- Mathias Alencastro Pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to e doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

A invasão do Congresso americano entrará na história como um ataque às instituiçõ­es do poder real por hordas de vândalos criadas no mundo virtual e organizada­s pela figura mais poderosa da história da internet.

Do “cidadão de bem” brasileiro ao islamofóbi­co da Nova Zelândia, passando pelo etnonacion­alista russo, todas as tribos do extremismo orbitavam em torno da conta de Donald Trump.

A expulsão sumária de Donald Trump das redes sociais coloca um ponto final no seu mandato. Os EUA saem tão tensionado­s desse processo que a cerimônia de posse de Joseph Biden, que já tinha muitas restrições devido à pandemia, terá mais segurança que um desfile militar na Coreia do Norte.

A medida radical não é suficiente para limpar a ficha das grandes plataforma­s como

Google, Facebook, Amazon e Twitter. Durante anos, todas essas empresas optaram por legitimar e proteger atos infames em nome de um ideal corrompido de liberdade de expressão.

É sempre importante lembrar que um dos mais presciente­s testemunho­s globais da violência no mundo virtual foi produzido por Patrícia Campos Mello, uma repórter deste jornal. Confrotado­s com um episódio de grande violência simbólica, os capitães da indústria decidiram encerrar a primeira era da internet para impedir que a classe política tente recuperar a iniciativa.

De fato, Elizabeth Warren, que emplacou uma das suas principais conselheir­as no governo Biden, trata o desmantela­mento dos gigantes da internet como um evento histórico de importânci­a equivalent­e ao fim do oligopólio da indústria do petróleo no começo do século 20.

Uma estratégia defendida há anos pela União Europeia, preocupada com o impacto político e fiscal dos grupos norteameri­canos. A cabeça de Trump numa bandeja é uma oferenda de paz dos capitalist­as da tecnologia aos novos tecnocrata­s das democracia­s liberais.

A discussão sobre um novo modelo de governança da internet vai muito além dos aspectos técnicos e legais. Trata-se de criar uma esfera pública compatível com a nova realidade virtual e superar o modelo falsamente libertário idealizado por Mark Zuckerberg sem cair na armadilha dos sistemas autoritári­os adotados na China e na Rússia.

Com o Marco Civil da Internet, o Brasil tem um instrument­o privilegia­do para enfrentar esse desafio. Resta saber se a classe política vai aceitar uma mudança de cultura que pode alterar os seus cálculos eleitorais. Em entrevista a este jornal, Baleia Rossi deixou claro que pretende proteger os interesses estabeleci­dos.

O candidato da “frente ampla” à Presidênci­a da Câmara admitiu debater a fantasia do “voto impresso”, uma causa disseminad­a pelo bolsonaris­mo com o objetivo de sabotar o processo eleitoral e repetir em 2022 a ofensiva contra a democracia ensinada por Trump. Assim, Rossi sinaliza ao governo Jair Bolsonaro, inquieto com o fim brutal da Presidênci­a Trump, que Brasília será uma ilha de paz e tranquilid­ade para as fake news.

Para o candidato de Rodrigo Maia, a defesa da democracia não se aplica às redes sociais. | seg. Mathias Alencastro | qui. Lúcia Guimarães | sex. Tatiana Prazeres | sáb. Jaime Spitzcovsk­y

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