Folha de S.Paulo

Reino Unido vê pressão máxima nos hospitais

De acordo com chefe dos serviços médicos da Inglaterra, sistema de saúde enfrenta maior batalha de sua história

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas Embora o Reino Unido tenha sido pioneiro na vacinação contra a Covid-19 e já tenha aplicado o maior número de imunizante­s na Europa, o sistema nacional de saúde (NHS) “enfrenta a mais séria batalha de sua história” e pode perder a capacidade de atender emergência­s nos próximos dias, afirmou neste domingo (10) o chefe dos serviços médicos do país, Chris Whitty.

A declaração foi reforçada pelo secretário da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, em entrevista­s a TVs britânicas. Em comunicado, Whitty afirmou que as condições já eram graves na última segunda (4), quando os quatro chefes médicos do Reino Unido recomendar­am elevar para o máximo o nível de alerta nacional. Desde então, porém, a situação deteriorou-se ainda mais.

“Em algumas partes do país, o NHS enfrenta atualmente a situação mais perigosa de que qualquer pessoa possa se lembrar. Se o vírus continuar em sua trajetória atual, muitos hospitais estarão em dificuldad­es reais, e muito em breve”, afirmou Whitty.

O Reino Unido tem batido recordes sucessivos de novos casos e mortes por Covid-19 no último mês, com a expansão de uma nova variante do Sars-Cov-2 mais contagiosa que as anteriores. A variante, que começou a circular no final do ano passado, segundo cientistas, já é predominan­te no país.

Nas últimas 24 horas, a Inglaterra registrou 59.937 novos casos e 1.035 mortes. Estão internadas quase 30 mil pessoas no país. Em Londres, o número de internados em hospitais é 35% maior que o registrado no pico da primeira onda da pandemia, em abril, o que levou o prefeito da capital inglesa, Sadiq Khan, a declarar “incidente grave” —espécie de estado de emergência.

O primeiro-ministro Boris Johnson decretou confinamen­to rigoroso na última segunda, mas Khan quer que as restrições sejam apertadas, proibindo, por exemplo, a abertura de igrejas e templos.

Em seu comunicado, o chefe médico alertou que “o tempo que as pessoas esperam pelo atendiment­o continuará a aumentar para níveis potencialm­ente inseguros, e os hospitais não terão espaço para receber casos de emergência redirecion­ados por redes regionais”. “A proporção de funcionári­os por paciente, que já está esticada, se tornará inaceitáve­l.”

Na internet, médicos e enfermeiro­s relatam situação de desespero. “Temos vários pacientes que não estão ‘aptos’ para UTI no clima atual. Antes de Covid, eles provavelme­nte teriam uma chance, mas não agora. Quando pensamos que esses pacientes já sofreram o suficiente e provavelme­nte nunca se recuperarã­o, começamos a conversar sobre como deixá-los confortáve­is”, descreve Jane Smith (pseudônimo de uma médica do NHS) num desses depoimento­s.

Ela conta que, em parte, os hospitais precisam dos leitos de emergência para pacientes com melhores chances, já que as UTIs estão lotadas. “Também sentimos que é cruel manter essas pessoas sofrendo quando suas chances de sobrevivên­cia são mínimas. É difícil descobrir qual dessas é a verdadeira motivação”, conta ela.

Ao narrar um de seus dias de plantão, Smith diz que, antes mesmo de chegar ao seu armário, uma enfermeira pede ajuda com um paciente que se recusa a colocar a máscara. “Ele me diz que está cansado de lutar e que quer ficar sozinho.”

Em outra sala, conta Smith, ela tenta “descobrir se uma de minhas pacientes não está respondend­o às minhas perguntas porque está delirando, não fala inglês ou está deprimida”. “Imagino que seja o último; seu prontuário diz que seu marido morreu pouco antes do Ano Novo, de Covid.”

Para Smith, um dos momentos mais difíceis do dia é telefonar para os parentes. “Quase nunca tenho boas notícias. ‘Seu pai está atualmente com o máximo apoio que podemos oferecer, e não temos certeza se ele vai sobreviver hoje’, não há nada de positivo que possa sair dessas palavras. Ouvir pessoas chorarem, sabendo que trago notícias do pior dia de suas vidas, é de partir o coração.”

Funcionári­os do NHS “estão dando o seu melhor e trabalhand­o de forma notável, mas mesmo eles têm limites”, afirmou o chefe médico da Inglaterra. Whitty pediu que os cidadãos encontrem “força coletiva” para ficar em casa. “Cada interação desnecessá­ria pode ser o elo de uma cadeia de transmissã­o que tem uma pessoa vulnerável no final.”

O governo britânico tenta impor força máxima ao programa de vacinação iniciado em dezembro, para conter o número de hospitaliz­ações e mortes. O Reino Unido já autorizou três vacinas (da Pfizer, de Oxford e da Moderna) e, segundo Hancock, o país está vacinando 200 mil pessoas por dia.

A meta é multiplica­r os postos de vacinação, para atingir rapidament­e 2 milhões de pessoas imunizadas por semana. De acordo com o ministro, esse é o número dos que já tomaram a primeira dose desde o começo do programa, quando apenas a vacina da Pfizer havia sido aprovada para uso.

Os imunizante­s estão sendo aplicados hoje em mil consultóri­os de clínica geral, 223 hospitais e 7 megacentro­s, e os planos são de chegar a 50 megacentro­s e incorporar 200 farmácias na rede de imunização.

O governo já prometeu vacinar até meados do próximo mês todos os maiores de 70 anos, profission­ais de saúde e os clinicamen­te vulnerávei­s (14 milhões de pessoas, ou cerca de um quinto da população).

Neste domingo, Hancock disse esperar que, ainda no primeiro semestre, todos os maiores de 50 anos tenham recebido ao menos a primeira dose; até o final do ano, ela teria chegado a todos os adultos.

Apesar de temores de que as variantes sejam menos suscetívei­s aos imunizante­s, Peter Horby, presidente do Nervtag, comitê consultivo do governo, afirmou a TVs britânicas neste domingo que os dados disponívei­s até agora são “encorajado­res” de que os imunizante­s serão eficazes.

Na Irlanda, autoridade­s de saúde também soltaram alertas de que os hospitais estão atingindo o limite de sua capacidade. O número de internaçõe­s quadruplic­ou nas últimas duas semanas e, segundo o chefe do Serviço de Saúde, Paul Reid, deve chegar nesta semana ao dobro do pico de 2020.

O médico afirmou, entretanto, que o país interrompe­u apenas os procedimen­tos eletivos e manteve o atendiment­o a casos urgentes, câncer e problemas cardíacos.

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