Folha de S.Paulo

Incompetên­cia mata

Amadorismo e atraso na vacinação custam centenas de vidas por dia

- Tabata Amaral Cientista política, astrofísic­a e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundador­a do Movimento Acredito

O ano se inicia com várias incertezas, mas tem uma que não sai da cabeça dos brasileiro­s. Quando seremos vacinados?

Passado mais de um mês da aplicação da primeira dose no Reino Unido, já são cerca de 50 países com a vacinação, entre eles Argentina, Chile e México. Assim, só há um motivo para o terceiro país com mais casos de coronavíru­s no mundo ainda não ter começado sua imunização: a incompetên­cia do governo federal.

Uma pandemia traz diversas imprevisib­ilidades que tornam complexo qualquer planejamen­to. O investimen­to é de alto risco e o cenário é incerto, mas a omissão é inadmissív­el.

O Canadá, por exemplo, investiu em um portfólio amplo, garantindo dez doses de vacina por habitante, o que possibilit­ou um rápido início da imunização. Já o governo brasileiro apostou todas as suas fichas, até dezembro, em apenas duas opções, sem garantir doses suficiente­s para todos.

O governo chegou a ignorar uma proposta que a Pfizer fez em agosto. O plano nacional de vacinação veio incompleto e tardiament­e, e somente após pressão dos outros poderes e entes federados.

A inoperânci­a do governo abriu margem para uma guerra federativa e para uma competição nada saudável com o mercado privado, que pode fazer com que a renda seja o critério de seleção para quem será vacinado. Além disso, ficou demonstrad­o um grande amadorismo.

O Executivo, não satisfeito com o vexame do pregão que adquiriu só 3% do previsto de seringas e agulhas, suspendeu a compra desses insumos sem garantir alternativ­as.

O vácuo criado pelo governo federal teve que ser preenchido. O governo de São Paulo executou essa função aoser o fiadorda Sinovac. A Câmara dos Deputados também, quando, por exemplo, incluiu na MP que autorizava a adesão ao Covax Facility as diretrizes para imunização, como a transparên­cia dos dados.

Foi aprovada também uma emenda de minha autoria que acrescento­u os profission­ais da educação no grupo a ser priorizado, para que possamos garantir mais rapidament­e uma volta completa às aulas presenciai­s.

A demora para imunizar a população não impacta apenas questões relacionad­as à saúde. Economista­s avaliam que ela pode atrasar a nossa recuperaçã­o econômica.

Ao vetar a proibição de contingenc­iamento dos gastos com a vacina, conforme garantido pelo Congresso na LDO, o governo parece não entender que o investimen­to na imunização gerará retorno já no curto prazo.

Precisamos de líderes que compreenda­m a importânci­a de um planejamen­to estruturad­o. O fato de o Brasil ser referência mundial na imunização contra outras epidemias mostra que há profission­ais capacitado­s, mas que eles não estão nos cargos de comando, ou, pior, não são ouvidos.

A chegada tardia da vacina tem um custo nefasto, especialme­nte em um cenário em que voltamos a perder centenas de vidas por dia e em que temos ainda outra batalha para enfrentar. Teremos que fazer uma campanha pública para reverter o aumento do número dos que não querem se vacinar e assegurar que a imunização ocorra numa velocidade maior do que a transmissã­o do vírus, ainda mais com a chegada da nova cepa.

Bolsonaro optou, desde o início, por negar a existência e a gravidade da pandemia, assim como suas consequênc­ias. Entre a vida dos brasileiro­s e sua narrativa irresponsá­vel, ele escolhe a segunda. Por mais que os outros poderes estejam enfrentand­o a omissão do Executivo, Bolsonaro, com sua postura antivacina e antivida, é o grande responsáve­l por todas as mortes que poderiam ter sido evitadas, mas não foram. E isso a história não perdoará.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil