Folha de S.Paulo

Turismo ferroviári­o busca superar baque da pandemia

Linhas operam com menor capacidade e protocolos sanitários reforçados

- Mariana Freire

são paulo Conhecer roteiros de trens turísticos é um dos passeios preferidos da família da gerente de loja Denise Leme, 39. O programa, que também é uma viagem no tempo, é uma forma de vivenciar uma experiênci­a diferente, ela diz.

O setor tem tentado se manter como uma opção de turismo seguro, mas sente os efeitos da pandemia da Covid-19.

Na ultima quarta (6), Denise conheceu o Trem Republican­o, que desde o fim de dezembro liga as cidades de Itu e Salto, no interior paulista. A atração, que em outro contexto poderia ser uma novidade com alta procura, começou com uma operação cautelosa.

“A nossa expectativ­a é de um resultado muito positivo com o tempo, mas, por enquanto, vamos ter que aguardar até que a crise dê folga e possamos colocar o pé no acelerador com mais força”, afirma Adonai Aires de Arruda, diretor presidente da Serra Verde Express, operadora do serviço.

A meta do Trem Republican­o era transporta­r, no primeiro ano, 65 mil passageiro­s— estimativa baseada numa operação normal com 65% de ocupação média e portanto difícil de ser alcançada. O protocolo sanitário atual permite no máximo 70 pessoas nos três vagões (50% da capacidade).

Na Maria Fumaça de Campinas, houve queda de mais de 70% do público em 2020. Isso porque, segundo o gerente geral Vanderlei Alves da Silva, boa parte dos passageiro­s era de grupos de idosos (população de risco para a Covid-19) e de estudantes (que tiveram aulas presenciai­s suspensas).

Por lá, o passeios aos fins de semana têm partido apenas de Campinas, e não mais de Jaguariúna, devido à baixa procura. Em cada vagão, a lotação máxima é de 40%, ou 25 pessoas.

“Poderíamos andar até com um trem maior, de até 15 carros, para levar mais pessoas, mas, para evitar aglomeraçã­o na plataforma, diminuímos para seis.”

Palestras e demonstraç­ões que aconteciam nas estações foram suspensas.

A redução da lotação do Trem de Guararema também fez cair o número de passageiro­s em cerca de 15 mil, segundo Bruno Sanches, diretor presidente da Associação Brasileira de Preservaçã­o Ferroviári­a. O equipament­o, que passou seis meses parado devido à quarentena, voltou em setembro com uma “boa procura”, ele afirma, mas já registra nova queda.

“A pandemia represento­u um baque enorme no setor. A gente conseguiu se manter por conta de uma reserva financeira, e por isso não tivemos demissões, mas vai levar um tempo para recuperar.”

Os representa­ntes dos três equipament­os afirmam que o turismo ferroviári­o é uma opção segura. Além da diminuição da capacidade, dizem, há reforço da limpeza e obrigatori­edade do uso de máscaras. Os trens circulam com janelas abertas para garantir uma ventilação adequada.

Pouco mais de sete quilômetro­s de trilhos unem as cidades de Itu e Salto. Inaugurado em 19 de dezembro, o Trem Republican­o faz o trajeto em cerca de uma hora em um traçado que remonta ao século 19.

O projeto foi batizado em homenagem à Convenção de Itu, realizada em 1873, acordo que deu impulso à campanha pela proclamaçã­o da República —efetivada 16 anos depois.

“Essa é uma região riquíssima em história e tem uma série de aspectos que precisam ser rememorado­s”, afirma Arruda.

O trem homenageia três personalid­ades da região em cada vagão: o artista Anselmo Duarte, saltense vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes; Olímpia Fonseca de Almeida Prado, uma das proprietár­ias do local onde a Convenção de 1873 foi realizada, e Prudente de Moraes, primeiro presidente eleito pelo voto direto na República.

A ideia, segundo Arruda, é explorar a interioriz­ação do turismo. O passeio no Trem Republican­o custa entre R$ 77 e R$ 101 (o trecho), a depender do vagão escolhido. Moradores de Salto e de Itu têm 50% de desconto.

A locomotiva utilizada é de 1952, e os vagões são da década de 1960. Todos foram reformados para o projeto, assim como as estações.

A obra custou R$ 20 milhões às prefeitura­s de Salto e de Itu, por meio do consórcio Citrem (Consórcio Intermunic­ipal do Trem Republican­o), e levou 15 anos para ser concluída.

Segundo a prefeitura de Salto, a demora se deveu a entraves decorrente­s da mudança de três gestões municipais, “que resultaram em alterações no projeto original”.

Logo que souberam da inauguraçã­o do Trem Republican­o, Denise e o comerciant­e Renato Leme, 41, decidiram conhecer a atração com o filho, Mateus, 16. Eles saíram da capital na manhã de quarta (6) especialme­nte para o passeio.

No dia, o trem ainda realizava testes e treinament­os, mas já havia venda de ingressos. A família era o único grupo de turistas.

“Esse é um estilo de turismo que a gente gosta de fazer. A gente está acostumado a andar muito de carro, e o trem é algo pouco convencion­al”, afirma Denise. Para ela, essa é uma boa opção de desbravar e valorizar o interior. “O paulista tem que conhecer melhor o estado.”

No trajeto, o trem passa por cachoeiras, vales e cruza o rio Tietê em Salto. “Ficamos surpresos com a qualidade do passeio. É um trajeto curto, mas vale a pena.”

Já o trajeto entre São Paulo e Santos pela estrada de ferro continua sem prazo para sair do papel. Há mais de um ano e meio, o projeto esta parado.

Em junho de 2019, o projeto do Trem InterCidad­es São Paulo-Santos passou por dois testes. Segundo a Secretaria de Transporte­s Metropolit­anos (STM), o objetivo era analisar tecnicamen­te as condições dos trilhos, a descida pela Serra do Mar e o tempo de viagem.

Também foram analisados a demanda de passageiro­s, a interface com a operadora de transporte de carga e os investimen­tos necessário­s. Os resultados não foram divulgados.

Em nota, a STM informou que “não há prazo nem cronograma de implementa­ção” do projeto.

A reportagem pediu informaçõe­s sobre o trajeto e as estações atendidas, a previsão para o início da operação e estimativa­s de valor do bilhete, duração da viagem e quantidade de passageiro­s, mas não obteve resposta.

“A nossa expectativ­a é de um resultado muito positivo com o tempo, mas vamos ter que aguardar até que possamos colocar o pé no acelerador Adonai Aires de Arruda diretor presidente da Serra Verde Express

A pandemia represento­u um baque enorme no setor. Vai levar um tempo para se recuperar Bruno Sanches diretor presidente da Associação Brasileira de Preservaçã­o Ferroviári­a

 ?? Eduardo Knapp/Folhapress ?? Trem Republican­o cruza o rio Tietê no trajeto entre as cidades de Salto e Itu, no interior de São Paulo; viagem dura cerca de uma hora
Eduardo Knapp/Folhapress Trem Republican­o cruza o rio Tietê no trajeto entre as cidades de Salto e Itu, no interior de São Paulo; viagem dura cerca de uma hora
 ?? Eduardo Knapp/Folhapress ?? Placa da locomotiva do Trem Republican­o na estação de Salto (SP)
Eduardo Knapp/Folhapress Placa da locomotiva do Trem Republican­o na estação de Salto (SP)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil