Folha de S.Paulo

Sonhos peludos

Já há quem se imagine com um chapéu de chifres

- Claudia Tajes Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de ‘Macha’

Cada movimento tem o símbolo que merece. Na invasão do Capitólio pelo bando de brancos fora da casinha, o sujeito de chapéu peludo com chifres —nem Clóvis Bornay chegou a tanto—, tatuado e sem camisa, virou a cara, e o peito, da coisa toda.

Houve quem o comparasse ao Village People, como se a turma de fantasiado­s dos anos 1970 merecesse ser associada à horda. Alguns juraram que o guampudo era o líder da banda inglesa Jamiroquai, o que levou o sempre simpático Jay Kay a tuitar: “Alguns de vocês podem pensar que me viram em Washington à noite, mas receio que eu não estivesse com todos aqueles malucos”.

Artistas costumam ser chamados de tudo, chupins, pedófilos, sórdidos etc., mas duvido que algum artista digno da sua profissão estivesse no meio daquela malta.

Talvez algum oportunist­a, dos que sempre orbitam nos governos. Lá como cá e acolá.

A invasão do Capitólio escancarou o tipo de gente que apoia, e elege, figuras abjetas e caricatas para a presidênci­a de seus países. Tipos com camisetas de exaltação nazista. De devoção às armas. De louvação à família. Todo mundo meio parecido, o corpo esculpido a Doritos, a cabeça tomada por conceitos deturpados de religião e patriotism­o. A pandemia da ignorância pode ser tão letal quanto a da Covid.

A cena dos brucutus quebrando os equipament­os dos jornalista­s remeteu direto à claque do Alvorada. Quem assistiu ao documentár­io “Cercados”, disponível no Globoplay, deve ter encontrado semelhança­s. Imprensa canalha, mídia mentirosa e demais xingamento­s: vai vendo.

Já a Venezuela condenou a violência contra a democracia, e estimou que “o povo americano abra um novo caminho em direção à estabilida­de e à justiça social”. Senso de oportunida­de que chama, né, minha filha?

O que se sabe é que uns e outros já cogitam copiar o imbróglio. “Se não tiver voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que os EUA.” É uma declaração grave, ofuscada apenas pela purulenta espinha na ponta do nariz de quem falou.

Que haverá confusão na próxima eleição, é certo. A única dúvida na casa dos quatro políticos —e um desinfluen­cer— é quem vai ser o chifrudo com pelos. As tatuagens exigidas pelo figurino podem ser de henna. Vence quem tiver o peito mais cabeludo.

Diz que já começaram os implantes.

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Cynthia Bonacossa

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