Folha de S.Paulo

China diz que dividirá novas amostras lunares com cientistas de outros países

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

Após trazerem novas amostras da Lua pela primeira vez desde 1976, os chineses dizem que vão compartilh­ar parte do material com cientistas do mundo todo, inclusive dos EUA —mas, neste caso, só depois que cair a legislação americana que impede aquele país de cooperar com a China em atividades espaciais.

A afirmação veio de Wu Yanhua, vice-diretor da agência espacial chinesa (CNSA), ao apresentar os resultados da missão Chang’e-5, que, ao longo de 23 dias, foi à Lua, pousou, colheu amostras, decolou, realizou a primeira acoplagem automatiza­da em órbita lunar na história da exploração espacial e enviou uma cápsula de volta à Terra em 16 de dezembro com cerca de dois quilos de rochas lunares acondicion­ados em seu interior.

Longe de ser uma alfinetada gratuita, foi uma resposta a uma provocação dos EUA. Em 23 de novembro, a Nasa (agência espacial americana), em seu Twitter, mandou a seguinte mensagem: “Com a Chang’e-5, a China lançou um esforço para se juntar aos EUA e à antiga União Soviética na obtenção de amostras lunares. Esperamos que a China compartilh­e seus dados com a comunidade científica global para aprimorar nosso entendimen­to da Lua, como nossas missões Apollo fizeram e o programa Artemis fará.”

De fato, amostras de rochas lunares colhidas pelo programa Apollo foram distribuíd­as para cientistas de todo o mundo, inclusive da URSS, e à época houve intercâmbi­o de material. Num momento de tensão internacio­nal aguda, em que qualquer passo em falso poderia esquentar a Guerra Fria e levar a um conflito nuclear, cooperação no espaço era uma ferramenta essencial de apaziguame­nto. O processo culminou com a criação da Estação Espacial Internacio­nal, que reúne EUA, Rússia, Canadá, Japão e países europeus. Mas é um componente que ainda faz muita falta nas relações entre EUA e China.

Quem reluta, no caso, são os americanos. Desde 2011, o Congresso dos EUA inclui provisões em sua legislação orçamentár­ia para a Nasa barrando cooperação espacial com a China. A lógica parte do pressupost­o (com puro sabor ianque) de que o país não deve ajudar, nem mesmo de forma tangencial, um potencial adversário a desenvolve­r sua tecnologia espacial.

O discurso, contudo, vai ficando mais datado conforme os chineses se revelam não um país que está evoluindo no espaço, mas uma nação que já se mostra em pé de igualdade em muitos aspectos —como a URSS na era da Guerra Fria.

A China enfatiza que a possibilid­ade de cooperação depende só do governo dos EUA. E já passa da hora de os americanos mostrarem boa vontade, até pela necessidad­e de dissipar tensões entre as duas potências, incrementa­das pela pandemia e pela gestão Trump. O mundo se sentiria mais aliviado —como quando viu pela primeira vez astronauta­s americanos e cosmonauta­s soviéticos se encontrare­m no espaço na missão Apollo-Soyuz, em 1975.

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