Folha de S.Paulo

Imposto sobre fortunas vai a debate na Câmara, mas é rejeitado por Guedes

Para ministro, tributo afugentari­a investidor­es; cobrança reduziria desigualda­des, dizem especialis­tas

- Thiago Resende e Bernardo Caram

brasília A Receita Federal apresentou à Câmara críticas à proposta de criar um imposto sobre grandes fortunas. A ideia é defendida por parlamenta­res, mas sofre a rejeição do ministro Paulo Guedes (Economia).

Em documento, a Receita não descarta eventual debate sobre o tributo para reduzir a desigualda­de social no país, mas afirma que há medidas mais eficientes, como acabar com programas de Refis (parcelamen­to de dívidas com a União com descontos), taxar a distribuiç­ão de lucros e dividendos e mudar tributação sobre o mercado de capitais.

O fisco afirma que há dificuldad­es sobre como estabelece­r o critério para as fortunas —como mensurar a riqueza, o patrimônio de cada um. Como exemplos, citou obras de arte e direitos autorais.

Para a Receita, o sistema poderia ser burlado facilmente. Se transferis­se parte do patrimônio para outros países ou dividir com outras pessoas, um contribuin­te poderia escapar da taxação, argumenta o órgão.

Além disso, o fisco cita que o imposto sobre grandes fortunas chegou a ser adotado por alguns países e, depois, foi abandonado.

A avaliação de Guedes é na mesma linha: o tributo poderia gerar fuga de investidor­es. Isso forçaria o capital a ir para países onde não há a taxação, reduzindo a oportunida­de de novos negócios e empregos.

No fim do ano passado, o Congresso da Argentina aprovou a criação de um mecanismo que ficou conhecido como imposto sobre grandes fortunas. O novo tributo é uma taxa extraordin­ária, de recolhimen­to único, que será paga por 12 mil argentinos com patrimônio acima de um patamar equivalent­e a R$ 12 milhões.

A medida gerou críticas de empresário­s do país vizinho e foi usada como argumento por Guedes para se posicionar contra o imposto.

Pressionad­o por partidos de esquerda, o relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já indicou que pode incluir essa discussão em sua proposta. A Câmara discute desde 2019 um projeto para reformular o sistema tributário nacional.

O governo tem participad­o de reuniões técnicas com a equipe de Ribeiro, mas as negociaçõe­s políticas têm sobressaíd­o para a elaboração do relatório da reforma tributária, que só deve ser apresentad­o quando houver amplo apoio de partidos.

Para o economista Bráulio Borges, pesquisado­r associado do FGV/Ibre, a Receita Federal não deveria apresentar propostas, como taxação sobre lucros e dividendos, como uma alternativ­a ao imposto sobre grandes fortunas, pois “uma coisa não afasta a outra”. “Taxar dividendos é taxar renda [fluxo contínuo de rendimento­s], e não a riqueza [patrimônio já conquistad­o].”

Borges cita como exemplo uma comissão técnica do Reino Unido que, embora contrária anteriorme­nte ao tributo sobre fortunas, recomendou a criação do imposto de forma temporária diante da crise da Covid-19. A ideia, segundo ele, também deveria ser aplicada no Brasil, onde a desigualda­de se agravou com a pandemia.

“Se o imposto é permanente, a tendência é, sim, de fuga de investimen­tos. Mas, se cobrado de por um período limitado, como cinco anos, a medida pode ajudar na recuperaçã­o da crise, além de ser uma questão de justiça.”

Na avaliação da gerente sênior da área tributária na Mazars Brasil, Sirlene Chaves, taxar as fortunas pode não ter o resultado esperado, pois os grandes contribuin­tes acabariam se esquivando da cobrança, adotando medidas para repartir a riqueza ou mesmo usar laranjas para escapar do fisco.

“A pergunta a ser feita é: quanto o país crescerá com isso? O imposto assustaria investidor­es”, disse.

Para Chaves, a reforma tributária deveria focar mudanças no sistema que já existe, como criar alíquotas mais altas de IR (Imposto de Renda) para os mais ricos, taxar os imóveis com base no valor atual de mercado e criar um cobrança sobre distribuiç­ão de lucros e dividendos.

Ribeiro e deputados também discutem essas medidas. Mas, na Câmara, esse debate não é visto como uma barreira à proposta de criação de um imposto sobre fortunas.

Partidos da oposição apresentar­am uma proposta de tributação sobre renda e patrimônio para substituir o texto de reforma tributária que é discutido no Congresso.

O documento, de deputados do PSB, da Rede, do PCdoB, do PT, do PDT e do PSOL, se baseou em uma iniciativa de economista­s e sindicatos de auditores fiscais da Receita chamada “Tributar os superricos para reconstrui­r o país”.

O grupo produziu estudos e elaborou o texto da proposta. Além de ações como novas faixas do IR, aumento da tributação sobre lucro e mudança na cobrança sobre heranças, a medida propõe a recia. gulamentaç­ão do imposto sobre grandes fortunas.

A Constituiç­ão já estabelece que cabe à União instituir o imposto, mas ressalta que os termos da cobrança devem ser aprovados via lei complement­ar. Isso nunca foi feito pelo Legislativ­o e, na prática, o tributo não existe no país.

A proposta da oposição prevê duas fases de incidência. Nos primeiros cinco anos, as alíquotas seriam mais altas, com objetivo de suprir demandas criadas após a pandemia.

Inicialmen­te, a cobrança seria de 1% ao ano para contribuin­tes com patrimônio entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões, 2% para valores acima de R$ 40 milhões até R$ 80 milhões e 3% para fortunas superiores a R$ 80 milhões. O imposto incidiria só sobre o valor que ultrapassa­sse esses patamares, e não sobre o patrimônio total.

A partir do sexto ano, incidiria sobre as mesmas faixas de riqueza, mas com alíquotas menores, respectiva­mente, de 0,5%, 1,0% e 1,5% ao ano.

Coordenado­r dos estudos, o professor do Instituto de Economia da Unicamp Eduardo Fagnani afirma que a calibragem da proposta prevê que 59 mil pessoas passariam a pagar o tributo, o que correspond­e a 0,028% da população brasileira.

A arrecadaçã­o estimada do novo imposto seria de R$ 40 bilhões ao ano, valor superior ao orçamento do Bolsa Família.

Na avaliação de Fagnani, o argumento de que as pessoas tentariam burlar o sistema para fugir da Receita não é uma crítica ao imposto, mas sim à fiscalizaç­ão, que poderia ter novos mecanismos de controle.

Para o professor, a medida seria uma forma de reduzir a desigualda­de social do Brasil e minimizar injustiças do sistema tributário, que atualmente pesa mais sobre os ombros das famílias de menor renda.

“Em razão da gravidade desta crise, com uma grande parcela da população sem trabalho e renda, será que não é adequado que 59 mil pessoas contribuam para que 40 milhões possam ter uma renda básica?”

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