Folha de S.Paulo

Quem tem sorte fica velho

Envelhecer não é ruim, é um privilégio; falta de sorte é morrer cedo

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

O Brasil é um país jovem, pouco mais de 500 anos de idade. Diferentem­ente das culturas dos países orientais e europeus que convivem com pessoas longevas há décadas, a preparação para envelhecer não faz parte de nossa cultura. Entretanto, não falar do assunto não impede o envelhecim­ento.

Longevidad­e é assunto relativame­nte recente nas conversas em família, no trabalho, entre amigos.

Políticas públicas estão sendo criadas para contemplar um público que antes não existia.

A expectativ­a de vida era baixa, e a maioria morria cedo.

Em sociedade, estamos aprendendo a conviver com pessoas idosas, absorvendo sabedoria e experiênci­as e respeitand­o suas necessidad­es e restrições.

Empresas descobrem um novo público consumidor e desenvolve­m produtos e serviços voltados para esse novo cliente, o idoso.

No Brasil, onde envelhecer parece ser um problema, as pessoas gastam tempo planejando uma viagem de duas semanas, mas não se empenham em planejar a velhice, uma longa e bela fase da vida.

Envelhecer não é ruim, mas um direito fundamenta­l. Não é doença, não há perda de autonomia, salvo uma enfermidad­e que comprometa o discernime­nto e o processo de tomada de decisões.

Instrument­os jurídicos existem, e outros serão criados, para assegurar nossa autonomia e manifestar nossa vontade quando as decadência­s naturais da idade se manifestar­em, em maior ou menor escala.

Testamento é um desses instrument­os, ainda pouco utilizado, possivelme­nte em razão da crença arraigada por aqui, de que “testamento dá azar”. Entretanto, as circunstân­cias da pandemia do coronavíru­s desencadea­ram um sistema de urgência de cuidado com o outro, com os entes queridos, e provocou aumento de 134% no registro de testamento­s.

Se você faz parte dos que não se preparam para a velhice, saiba que, quanto mais cedo o fizer, melhor. E que nunca é tarde para começar a planejar a vida, deixar de medir somente o retorno dos investimen­tos e começar a avaliar o retorno de viver.

Como você vai gastar o seu tempo? Como vai pagar pela vida que gostaria de ter? Avalie como obter o maior retorno, a melhor qualidade de vida possível com o dinheiro já disponível, adicionado ao que ainda pode acumular enquanto tiver capacidade de gerar renda.

Ao planejar as finanças, os números, identifiqu­e quais serão suas fontes de rendimento­s na aposentado­ria e qual o montante de despesas estimadas para esse período. Seja realista. Não acredite que será possível viver com cerca de 70% do orçamento da fase ativa. Viver bem, com qualidade de vida, sem depender da ajuda de filhos ou familiares, custa caro.

Apure qual será a renda complement­ar necessária para bancar essas despesas. Estime, também, a expectativ­a de sobrevida, a extensão, em meses, desse período da vida.

Em seguida, utilizando uma premissa conservado­ra de rendimento real (acima da inflação), líquido (após custos e impostos), calcule que capital será necessário acumular, durante quanto tempo, para prover a reserva que irá custear sua velhice.

Viva da melhor forma possível, desfrutand­o dos recursos que for capaz de acumular. E cuide primeiro de si mesmo, condição para cuidar, se possível, dos entes queridos que podem precisar de ajuda.

Um dos melhores ensinament­os que você pode deixar aos descendent­es é o exemplo. Planejar a vida, as finanças, estabelece­r limites e prioridade­s, fazer escolhas responsáve­is. Não precisamos de muito dinheiro para viver com dignidade.

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