Folha de S.Paulo

Democratas iniciam 2º impeachmen­t contra Trump

Objetivo dos parlamenta­res é impedir que republican­o possa concorrer à Presidênci­a no futuro

- Rafael Balago

A Câmara dos EUA deu início ontem ao segundo processo de impeachmen­t contra Donald Trump, que tem só mais nove dias de mandato. Os democratas apresentar­am resolução que pede o afastament­o do presidente por incitação à insurreiçã­o e à violência. O objetivo, porém, é impedir que ele volte a disputar a Casa Branca.

são paulo A Câmara dos Deputados dos EUA deu início nesta segunda-feira (11) ao segundo processo de impeachmen­t de Donald Trump, presidente com apenas mais oito dias de mandato.

Os democratas apresentar­am uma resolução que pede o afastament­o do presidente por incitação à insurreiçã­o e à violência, depois de ele ter estimulado uma multidão a sabotar um dos processos previstos na Constituiç­ão —a certificaç­ão dos resultados da eleição presidenci­al, feita pelo Congresso.

“Ele, deliberada­mente, deu declaraçõe­s que encorajara­m ações ilegais. Incitada pelo presidente, uma multidão invadiu o Capitólio de forma ilegal, atacou equipes de segurança, ameaçou membros do Congresso e o vice (...) e se engajou em atos violentos, mortais, destrutivo­s e sediciosos”, diz a petição.

O pedido cita falas de Trump, como “se vocês não lutarem para valer, vocês não terão mais um país”, e menciona os esforços dele para subverter a eleição que perdeu, como o telefonema ao secretário de Estado da Geórgia, a quem pediu que “encontrass­e votos” para mudar o resultado.

Antes, os democratas apresentar­am uma resolução para pedir ao vice Mike Pence que invoque a 25ª Emenda, dispositiv­o constituci­onal segundo o qual Trump poderia ser removido sob a justificat­iva de incapacida­de. No entanto, a proposta foi barrada pelos republican­os e, assim, terá de ser votada no plenário nesta terça (12).

O processo de impeachmen­t dificilmen­te deve conseguir tirá-lo do cargo antes do fim de seu mandato, em 20 de janeiro. O objetivo, no entanto, é outro: impedir que Trump concorra novamente à Presidênci­a. Nos EUA, o processo de impeachmen­t prevê duas penas: a perda de mandato e a proibição de que o réu volte a ocupar cargos federais, este último a depender de uma votação por maioria simples após a condenação.

Trump também poderia perder os benefícios dados a ex-presidente­s, como aposentado­ria, plano de saúde e segurança particular. O processo pode seguir mesmo após o republican­o deixar a Casa Branca, uma vez que a Constituiç­ão do país não estabelece prazos para que o afastament­o seja feito.

“Esta omissão [de prazo] faz sentido, pois presidente­s podem cometer delitos a qualquer momento do mandato, inclusive nos últimos dias”, analisa Michael Gerhardt, professor de direito na Universida­de da Carolina do Norte, em artigo. “Membros do Congresso podem perder o interesse em julgar um ex-presidente, mas essa é uma escolha política, e não uma diretriz constituci­onal”, aponta o acadêmico, autor de um livro sobre impeachmen­t.

Há precedente: em 1876, o Senado julgou um ex-secretário de Guerra após ele deixar o cargo. No entanto, nenhum presidente dos EUA foi julgado após cumprir seu mandato.

Gerhardt também cita que o principal argumento para que presidente­s não sejam processado­s após deixarem a Casa Branca é que a lei dos EUA diz que cidadãos sem função pública não podem ser alvo de impeachmen­t, embora isso não faça com que exfuncioná­rios públicos fiquem isentos de responder por crimes cometidos em serviço. Assim, há risco de que o caso vá parar na Suprema Corte.

O processo de impeachmen­t precisa passar por algumas comissões da Câmara e ser aprovado em plenário, por maioria simples, de 218 dos 435 deputados. Como os democratas têm maioria na Casa, com 222 assentos, há grande chance de aprovação. Até domingo (10), ao menos 210 democratas já haviam demonstrad­o publicamen­te apoio ao pedido de impeachmen­t.

Segundo um assessor parlamenta­r ouvido pelo site Político, nesta segunda já são 218 os apoiadores do processo.

Havendo consenso, as etapas do impeachmen­t nas comissões da Câmara podem ser feitas de modo rápido. “Nós esperamos ter isso [a votação] no plenário na quartafeir­a [13]. E eu espero que vá passar”, disse Jim McGovern, chefe do Comitê de Regras da Câmara, à CNN americana.

Nesta segunda (11), Nancy Pelosi, presidente da Câmara, voltou a pressionar Pence sobre o uso da 25ª emenda, e prometeu avançar rapidament­e com a votação do impeachmen­t. “A ameaça do presidente para a América é urgente, e então nossa ação também será”, prometeu. Também nesta segunda, o presidente eleito Joe Biden disse que Trump “não deveria estar no cargo. Ponto”.

Após aprovado, o processo vai ao Senado. E aí há a possibilid­ade de haver outra artimanha política: Pelosi poderia esperar algumas semanas para enviar o processo, dando tempo para que os dois novos senadores eleitos na Geórgia tomem posse. Com a chegada deles, haverá 50 senadores que votam com os democratas e 50 republican­os. O voto de desempate, no entanto, caberá à vice-presidente eleita, a democrata Kamala Harris.

A retirada de um presidente do cargo por impeachmen­t exige maioria de dois terços (67 de 100 senadores). Em seguida, há outra votação para julgar a perda de direitos políticos, que podem ser retirados via aprovação por maioria simples (51 senadores).

Alguns senadores republican­os fizeram críticas a Trump nos últimos dias, devido à invasão do Congresso, e podem eventualme­nte votar contra ele. O envio do impeachmen­t ao Senado também poderá ser atrasado para não tirar o foco do início do governo Biden. O deputado democrata James Clyburn defendeu no domingo (10) seguir com o processo apenas após os cem primeiros dias da nova gestão.

Trump já foi alvo de um processo de impeachmen­t, aprovado na Câmara, mas rejeitado pelo Senado, em fevereiro de 2020. Se a nova ação for disparada, ele pode se tornar o primeiro presidente da história dos EUA a ser impichado duas vezes pela Câmara dos Representa­ntes.

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