Acordo proíbe divulgar dados completos da Coronavac
Contrato do Butantan com a Sinovac veda publicação de informações da vacina
O contrato entre o Butantan e a Sinovac impede a divulgação da taxa de eficácia da Coronavac —que engloba aqueles que não precisaram de assistência, mas foram infectados— sem autorização da farmacêutica chinesa. O instituto, que não se manifestou até a conclusão desta edição, promete divulgar hoje os dados.
As lacunas no anúncio no último dia 7 dos resultados da Coronavac, vacina desenvolvida pela parceria entre a farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, chamaram a atenção de especialistas. O responsável pela ausência é o contrato do Butantan com a empresa chinesa, que já impediu anteriormente a divulgação dos resultados no país.
O grande número do anúncio do último dia 7 foram os 78% de prevenção de casos leves (que necessitam de algum auxílio médico), mas a eficácia, que engloba também aqueles que não precisaram de assistência, mas que foram infectados, não foi divulgada.
O Butantan e o governador João Doria (PSDB) agora prometem para esta terça-feira (12) divulgar a totalidade dos dados da vacina.
A razão disso, segundo a Folha apurou com pessoas ligadas à pesquisa da vacina, é a proibição, pelo contrato que tem com a Sinovac, de o Butantan anunciar ao público qual é a taxa sem autorização da empresa chinesa.
A informação vai ao encontro do que consta no acordo entre a Sinovac e o Butantan, ao qual a CNN Brasil teve acesso em novembro passado. Segundo a emissora, no termo, no item 4.8.6, consta que “a Sinovac detém os direitos de propriedade intelectual e interesses da Sinovac na vacina e que os dados clínicos da Fase III abrangem os direitos de propriedade intelectual e interesses da Sinovac na vacina”.
A preponderância da decisão da Sinovac quanto até mesmo à divulgação de dados se repete em outros trechos, segundo a CNN.
Em outra parte do acordo, consta que “a menos que expressamente permitido por este acordo ou com o consentimento prévio escrito e expresso da Sinovac, o Butantan não irá manusear, utilizar, descartar, divulgar para, permitir que seja utilizado ou compartilhar com terceiros ou suas próprias filiadas (exceto com as autoridades regulatórias) o dossiê do produto de propriedade e fornecido pela Sinovac”.
Lê-se ainda: “a Sinovac reserva o direito de decisão, escolha, eleição, a seu critério de manuseio, uso, divulgação, permissão de uso ou compartilhamento com qualquer terceiro ou suas filiadas de tais dados clínicos da Sinovac”.
Mesmo assim, após insistência de jornalistas presentes, Dimas Tadeu Covas, diretor do Butantan, apontou alguns dados aproximados relacionados a infecções pela Covid-19 detectadas durante a fase 3 do estudo da Coronavac no Brasil. Segundo ele, foram 218 infecções, sendo 160 no grupo placebo e pouco menos de 60 no grupo vacinado.
A partir desses dados, é possível calcular uma eficácia de cerca de 64%, 14 pontos percentuais abaixo dos 78% de prevenção de casos leves e 14 pontos percentuais acima dos 50% da eficácia mínima exigida pelas agências regulatórias, como a Anvisa. Para chegar a esse número —mais precisamente 63,75%—, levase em conta 58 infecções no grupo vacinado e grupos (placebo e o que tomou a vacina) do mesmo tamanho.
O motivo inicial, ainda no ano passado, de a Sinovac ter segurado o anúncio dos resultados brasileiros seria a discrepância em relação aos testes em outras partes do mundo, como na Turquia, onde a eficácia anunciada foi de 91,25% —apesar de o país ainda ter somente dados provisórios.
A explicação dos cientistas para essa diferença tem pelo menos dois componentes. O primeiro é a população de cada país, que está longe de ser homogênea.
O segundo é intrínseco ao ensaio brasileiro. Por aqui os voluntários eram profissionais de saúde, que sofriam uma exposição muito maior aos vírus —e aí têm que ser considerados o número de encontros com possíveis fontes de infecção e a maior quantidade de vírus que chega no sistema respiratório dessas pessoas.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem sob condição de sigilo atestam a integridade dos testes e se dizem confiantes na qualidade da vacina, mas apontam problemas.
Um deles é a pressão do governo Doria para emplacar uma vitória contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que incluiu datas para anunciar resultados e também para iniciar a imunização no estado.
Outro é a falta de transparência da Sinovac, que tem dificultado o acesso geral aos dados, o que tem sido cobrado por pesquisadores brasileiros, por considerar baixa a eficácia obtida no braço brasileiro dos testes, dizem as fontes ouvidas pela reportagem.
Ao Butantan sempre interessou a divulgação dos dados definitivos, afirmam os pesquisadores ouvidos pela reportagem e outras autoridades em declarações à imprensa.
Além da divulgação dos resultados do ensaio clínico da Coronavac na Indonésia (que mostrou 65% de eficácia), a crescente especulação sobre a real eficácia do imunizante e o prazo de análise por parte da Anvisa, a vencer já no dia 18, podem ter contribuído para que a Sinovac concordasse com a antecipação da divulgação.
Logo após o anúncio, Esper Kallás, colunista da Folha e infectologista da Faculdade de Medicina da USP, que participou do evento, afirmou à Science uma certa frustração pela não divulgação dos dados mais detalhados. Segundo ele, há divergência entre o Butantan e a Sinovac quanto ao que se configura como um caso de Covid-19 (além da confirmação de infecção por PCR).
Mesmo com uma eficácia geral mais baixa ante outras vacinas, como a da Pfizer (95%) ou a russa Sputnik V (90%) — que ainda não teve dados da fase 3 disponibilizados para a comunidade científica—, especialistas afirmam que a Coronavac pode ser fundamental para conter as mortes por Covid-19 no país, tendo em vista o sucesso de 100% em evitar quadros graves nos testes.
Outra vantagem da Coronavac é a facilidade de armazenamento, em refrigeradores convencionais. Além disso, como a produção está sendo feita pelo Butantan, a logística de distribuição do imunizante também tende a ser facilitada.
Desde sexta (8), a Anvisa analisa o pedido de uso emergencial da vacina. O prazo é de dez dias. Só depois disso haverá a divulgação dos dados e, por fim, a publicação dos resultados em um artigo científico.
Procurado, o Instituto Butantan não se manifestou até a conclusão desta edição.