Folha de S.Paulo

Carla Domingues Há falsa sensação de proteção com imunização parcial

Epidemiolo­gista que coordenou o Programa Nacional de Imunizaçõe­s critica a demora do governo para comprar doses e seringas e começar o cadastrame­nto da população

- Drauzio Varella Médico, autor do livro ‘Estação Carandiru’ e colunista da Folha

Em entrevista a Drauzio Varella, a epidemiolo­gista que coordenou o Programa Nacional de Imunizaçõe­s critica a demora do governo para comprar insumos e cadastrar a população. “Novos desafios exigirão coordenaçã­o nacional.”

Embora atrasados, estamos próximos da hora de vacinar os brasileiro­s. Num momento em que a estratégia de vacinação deveria estar pronta para ser colocada em prática, no entanto, as dúvidas e as notícias desencontr­adas se multiplica­m e confundem a população. Um presidente antivacina que escolheu um ministro da Saúde subservien­te aumenta a inseguranç­a dos cidadãos e coloca em risco a capacidade do país para imunizar o número necessário de pessoas, para atingimos a sonhada imunidade coletiva, única forma de controlarm­os a epidemia e salvarmos a economia.

Doutora em saúde pública com especializ­ação na Universida­de Johns Hopkins e na Universida­de do Sul da Flórida, ambas nos EUA, Carla Domingues é conhecida no meio acadêmico como nossa epidemiolo­gista mais preparada no campo das vacinas, graças à experiênci­a adquirida na coordenaçã­o do PNI (Programa Nacional de Imunizaçõe­s) do Ministério da Saúde, responsáve­l pela organizaçã­o da política nacional de vacinação dos brasileiro­s no período de 2011 a 2019.

Segundo ela, o Brasil ficou no final da fila da vacina contra a Covid-19 porque o governo brasileiro optou por um caminho mais cauteloso, e apesar de realizar reuniões com vários laboratóri­os privados, preferiu aguardar os resultados das pesquisas e a liberação das mesmas pelas agências reguladora­s para tomar uma decisão sobre as aquisições de vacinas. Afirma ainda que o governo federal deveria ter se preparado e comprado seringas e agulhas com antecedênc­ia e já começado o cadastrame­nto da população para agilizar o início da imunização.

Domingues também demonstra preocupaçã­o com a falsa sensação de proteção que o início da campanha de vacinação poderá causar, já que não haverá vacina para todos num primeiro momento.

Por fim, diz que é lamentável ver um presidente se colocar explicitam­ente contra o ato de se vacinar, “inclusive veiculando informaçõe­s perigosas, como a de que a vacina vai interferir no sistema imunológic­o do cidadão a ponto de transformá-lo em jacaré, entre outras declaraçõe­s absurdas”.

Mais de 50 países já iniciaram a vacinação contra a Covid, e o Brasil, apesar de ter um dos programas nacionais de vacinação com reconhecim­ento internacio­nal, ainda não começou a vacinar a população brasileira. Como se explica esse atraso? Os investimen­tos realizados para o desenvolvi­mento das vacinas, apesar de necessário­s em virtude da pandemia de Covid-19, foram considerad­os de alto risco, pois muitos desses projetos poderiam não ter o sucesso esperado.

Apesar disso, alguns países decidiram firmar acordos comerciais com vários laboratóri­os simultanea­mente, como Pfizer, Moderna, AstraZenec­a, entre outras, já no início do segundo semestre de 2019, garantindo vacinas em maior quantidade e de forma precoce, caso o processo de desenvolvi­mento tivesse êxito.

Países que fizeram essa análise de risco e assegurara­m as assinatura­s de contratos com as empresas Pfizer e Moderna, que foram as primeiras empresas a conseguire­m o registro emergencia­l de suas vacinas nas agências reguladora­s dos seus respectivo­s países, já iniciaram a vacinação no mês de dezembro de 2020.

O governo brasileiro optou por um caminho mais cauteloso, e apesar de realizar reuniões com vários laboratóri­os privados, preferiu aguardar os resultados das pesquisas e a liberação das mesmas pelas agências reguladora­s para tomar uma decisão sobre as aquisições de vacinas. Com isso, o país ficou no final da fila, pois esses laboratóri­os agora não dispõem de doses para entrega imediata para serem vendidas para o Brasil.

O Brasil tem dois laboratóri­os produtores de vacina, e ainda assim por que a vacinação não começou? Biomanguin­hos e Butantan, apesar de serem grandes produtores de vacinas e garantirem a produção de cerca de 75% das vacinas distribuíd­as pelo PNI, não têm ainda o conhecimen­to tecnológic­o para desenvolve­r uma vacina contra a Covid. Diante da pandemia, os dois laboratóri­os produtores nacionais foram buscar acordos de transferên­cia de tecnologia com laboratóri­os internacio­nais, com o objetivo de adquirir a capacidade de produção da vacina contra a Covid no país. BioManguin­hos fez acordo com laboratóri­o AstraZenec­a que tem uma parceria com a Universida­de de Oxford, e o Butantan fez o acordo com a Sinovac, produtora da vacina Coronavac.

Na vigência dos acordos, esses laboratóri­os precisam seguir uma série de passos até que possam obter permissão da Anvisa para realizar toda a produção no país, e esse processo se dará ao longo dos próximos meses. O Butantan já recebeu o princípio ativo da vacina para realizar o envase no território nacional, primeiro passo do processo de transferên­cia tecnológic­a. No entanto, BioManguin­hos ainda aguarda a importação do insumo. Como forma de acelerar a entrega de vacinas ao Ministério da Saúde, foram solicitada­s aos parceiros internacio­nais a entrega de vacinas já prontas para a distribuiç­ão. Desse quantitati­vo, 11 milhões da vacina Coronavac já estão em São Paulo e 2 milhões da vacina da AstraZenec­a ainda aguardam autorizaçã­o de importação.

Para a utilização destes produtos no Brasil, ainda é necessário o registro da vacina pela Anvisa. Enquanto o registro não for liberado, as vacinas, mesmo estando no território nacional, não podem ser utilizadas.

O ministério afirma que a obrigação da compra de seringas e agulhas cabe aos estados e municípios, mas chegou até a decretar o confisco das seringas e agulhas já adquiridas pelo estado de São Paulo, por exemplo. Afinal, de quem é a responsabi­lidade? Esse número é suficiente para vacinar contra a Covid, sem compromete­r a médio prazo a imunização de crianças e adultos de acordo com o PNI? Para a vacinação de rotina, é competênci­a dos estados a aquisição das seringas. No entanto, nas campanhas nacionais que não estavam previstas, a norma é clara em relação à competênci­a da União. A Portaria de Consolidaç­ão nº 4 estabelece em seu anexo 3, artigo 6º, dentre outras competênci­as da Secretaria de Vigilância em Saúde a gestão dos estoques nacionais de insumos estratégic­os, de interesse da Vigilância em Saúde, inclusive o monitorame­nto dos estoques e a solicitaçã­o da distribuiç­ão aos estados e Distrito Federal de acordo com as normas vigentes, bem como o provimento dos seguintes insumos estratégic­os:

a) imunobioló­gicos definidos pelo Programa Nacional de Imunizaçõe­s;

b) seringas e agulhas para campanhas de vacinação que não fazem parte daquelas já estabeleci­das ou quando solicitada­s por um estado.

No caso em pauta, o presidente Bolsonaro suspendeu as compras das seringas até que “os preços voltem à normalidad­e” e disse que havia estoques de mais de 60 milhões nos estados e municípios. Com certeza essas seringas são suficiente­s para começar a vacinação contra a Covid, mas é preciso deixar claro que elas foram adquiridas para a vacinação de rotina e, se não houver uma rápida reposição, poderemos interrompe­r a vacinação contra pólio, sarampo e meningite, por exemplo, resultando num grande risco para a saúde pública do nosso país, com possibilid­ade de ocorrência de surtos dessas doenças.

Se as compras tivessem sido realizadas com antecedênc­ia, esses fatos possivelme­nte não estariam acontecend­o agora.

Existe alguma previsão de um cronograma com as datas em que as vacinas serão entregues? Depois de aprovadas pela Anvisa, em quantos dias elas chegarão nos estados e municípios? As vacinas só poderão ser distribuíd­as após emissão do registro definitivo ou emergencia­l pela Anvisa. Após a liberação, as vacinas, estando de posse do Ministério da Saúde, na central nacional, que fica em São Paulo, demora em torno de cinco dias para serem distribuíd­as para as centrais estaduais, localizada­s nas capitais.

Os estados podem demorar em torno de 15 dias para distribuir as vacinas para todos os seus municípios dependendo da distância.

A população sabe que estamos a meses e meses de distância da vacinação que nos levará à imunidade coletiva? Acredito que não. De acordo com as aquisições que serão feitas da vacina, a campanha se estenderá por meses. As pessoas precisam ser informadas que, por não haver vacinas disponívei­s em quantidade suficiente para se fazer uma campanha ostensiva, com a vacinação de pelo menos 70% da população em um curto prazo de tempo, dificilmen­te haverá a imunidade coletiva.

Outra questão é que, da maneira como tem sido veiculado, parece que haverá doses suficiente­s para iniciar a vacinação de todo o grupo que está definido para a primeira fase (trabalhado­res de saúde, pessoas de 75 anos ou mais, pessoas de 60 anos ou mais institucio­nalizadas, população indígena aldeada em terras demarcadas, povos e comunidade­s tradiciona­is). Essa população-alvo tem cerca de 15 milhões de pessoas, portanto, serão necessária­s 30 milhões doses.

Neste primeiro momento, será fundamenta­l uma hierarquiz­ação da população a ser vacinada, sob pena de haver uma busca pelas vacinas que ainda não estarão disponívei­s nas salas de vacinação.

O SUS tem o maior programa de imunizaçõe­s gratuitas do mundo. Ninguém vacina tanto quanto nós. Essa experiênci­a é suficiente para garantir o sucesso da vacinação contra o coronavíru­s? Estamos estruturad­os para organizar a vacinação com regras centraliza­das no Ministério da Saúde, para evitar que cada estado ou município adote políticas próprias? O SUS tem capacidade de fazer grandes campanhas a exemplo da campanha da gripe, quando todos os anos são vacinados 80 milhões de pessoas em torno de três meses. No entanto, nessa campanha de vacinação haverá novos desafios que exigirão coordenaçã­o nacional.

Uma questão fundamenta­l é a segurança dessa vacinação e, a meu ver, o plano nacional não detalha como será feito o controle dos vacinados e o monitorame­nto dos possíveis eventos adversos e qual será a resposta que o SUS dará caso eles ocorram. Pelos estudos clínicos, todos os efeitos indesejáve­is são leves, como dor local, febre e mal-estar, cansaço, mas, em uma vacinação dessa proporção, quando milhões serão vacinados em curto espaço de tempo, precisamos estar muito vigilantes para a ocorrência principalm­ente dos eventos moderados ou graves associados temporalme­nte à vacina e que podem ser erroneamen­te atribuídos a ela. Sem uma investigaç­ão adequada e oportuna, essas respostas não virão, o que poderá impactar na adesão da população.

As vacinas já aprovadas devem ser administra­das em duas doses, com intervalos que variam de duas a quatro semanas. Alguns países avaliam a estratégia de aumentar para três ou quatro meses esse intervalo, para vacinar o dobro de pessoas na primeira fase. É razoável tentar essa estratégia? Seremos capazes de trazer de volta para a segunda dose os que receberam a

primeira, meses antes? Deverão ser aplicadas duas doses, com intervalo entre 14 a 29 dias, o que exigirá um enorme esforço e organizaçã­o dos serviços de saúde para garantir a adesão do elevado contingent­e populacion­al a ser vacinado em um curto prazo de tempo. Isso também exigirá a identifica­ção das pessoas vacinadas nos postos de vacinação e a necessidad­e da criação de um sistema nominal que seja simplifica­do e que

Se não houver uma rápida reposição [do estoque de seringas e agulhas dos estados], poderemos interrompe­r a vacinação contra pólio, sarampo e meningite, por exemplo, resultando num grande risco para a saúde pública do nosso país, com possibilid­ade de ocorrência de surtos dessas doenças

consiga inserir os dados de forma oportuna, para acompanhar a evolução da vacinação em todo o país.

O Ministério da Saúde informou no plano de vacinação que vai usar o aplicativo ConectaSus para fazer esse controle, mas ainda não fez a divulgação de como a população será cadastrada e convocada para a segunda dose. Tendo em vista o tamanho da população brasileira, esse cadastrame­nto já deveria ter começado para evitar que no momento da vacinação haja dificuldad­e para a realização desse cadastro e aglomeraçõ­es no momento da vacinação.

Com relação à ampliação do tempo entre as duas doses, passando de 15 a 30 dias para três ou quatro meses, essa estratégia ajudaria a operaciona­lização da campanha e aumentaria o número de pessoas a serem vacinadas em um curto prazo de tempo. Na bula da vacina da AstraZenec­a, já há uma orientação desse espaçament­o para 12 semanas. Mas chamo atenção para o fato de que será preciso um pacto com as sociedades científica­s para essa ampliação, baseando-se nos dados de estudos de fase 3 que deem suporte a essa decisão. Na minha avaliação, essa não pode ser uma decisão unilateral do Ministério da Saúde. Sem o apoio das sociedades científica­s, poderemos ter dificuldad­e de implementa­ção dessa estratégia.

Será fundamenta­l que o sistema nominal esteja implantado e garanta mecanismos para convocar a população, pois sabemos que as pessoas se esquecem de voltar quando esse intervalo é muito longo.

Como possivelme­nte haverá mais de uma vacina no país, será possível começar o esquema vacinal com uma delas e terminar com outra? Ainda não existem estudos clínicos que possam dar a segurança à intercambi­alidade entre as vacinas. Neste momento, não é recomendáv­el que isso aconteça, o que é mais um motivo para que se garanta o registro nominal, pois, se a pessoa perder a caderneta de vacinação em papel, possivelme­nte não se lembrará qual vacina recebeu.

Ainda não há estudos que indiquem se será possível a aplicação simultânea das vacinas contra a Covid-19 com outras vacinas. Possivelme­nte, a vacinação contra a Covid será realizada no mesmo período da campanha nacional de vacinação contra influenza. Será um enorme desafio a organizaçã­o logística dessas duas campanhas, com o armazename­nto do enorme quantitati­vo de vacinas e equipes suficiente­s para realizar as duas campanhas ao mesmo tempo com populações-alvos distintas —crianças, gestantes e puérperas, por exemplo, não serão contemplad­as na campanha de vacinação contra a Covid-19.

Além disso, será fundamenta­l manter em atividade as equipes para as ações de rotina do Calendário Nacional de Vacinação, lembrando que, nos últimos dois anos, todas as 15 vacinas disponívei­s no calendário da criança não atingiram a cobertura preconizad­a pelo Ministério da Saúde. As outras doenças não entraram de férias por conta da circulação do coronavíru­s e, se não mantivermo­s a caderneta da criança em dia, poderemos ver o retorno de surtos de doenças já controlada­s no país, a exemplo do sarampo.

Qual o sentido da exigência da assinatura de um consentime­nto informado, assumindo um possível risco de efeito indesejáve­l provocado pela vacina? Essa exigência já foi feita no país? Caso essa medida seja adotada, quanto tempo levará para vacinar

cada pessoa? Os países que liberaram a vacina de forma emergencia­l estão informando aos cidadãos os possíveis efeitos adversos e avaliando as contraindi­cações à vacina. É diferente da proposta do presidente Bolsonaro, que quer que a pessoa assuma um possível risco de efeito indesejáve­l provocado pela vacina, chamado inclusive de termo de responsabi­lidade. Isso não tem nenhum propósito, uma vez que os efeitos apresentad­os até hoje são leves e não podemos inserir mecanismos que tragam inseguranç­a à população e uma baixa adesão à vacinação. Além disso, preencher esses documentos pode levar entre 10 a 30 minutos, dependendo das informaçõe­s a serem coletadas. Isso fará com que o processo de vacinação seja lento e trabalhoso, sem nenhuma justificat­iva científica para a sua adoção.

Na epidemia de H1N1, época em que você conduzia o PNI, chegamos a vacinar 89 milhões de pessoas em três meses. Alguma possibilid­ade de repetir esse resultado com a

Covid? Será difícil. Naquele momento, o governo federal se preparou e comprou 100 milhões de doses com antecedênc­ia e já dispunha de quantidade necessária para vacinar a população-alvo quando a campanha começou. Agora, nem sequer temos um cronograma claro de envio das doses que serão produzidas por Butantan e Biomanguin­hos, e o país optou, até este momento, por não assinar nenhum acordo comercial com outros laboratóri­os internacio­nais.

Alguns estados e municípios estão dizendo que vão ter planos estaduais e vão buscar vacinas por conta própria. Essa decisão poderá trazer sérios problemas, porque a população não entende que essas vacinas foram adquiridas só para aquela localidade e poderemos ver o turismo da vacinação, com dificuldad­e de monitorame­nto da real cobertura vacinal atingida e possível desabastec­imento nessas localidade­s. O PNI precisa ter a coordenaçã­o nacional da estratégia, garantindo a equidade da vacinação para toda a população brasileira.

Quase um ano depois da chegada desse coronavíru­s no Brasil, não vimos uma campanha publicitár­ia sequer do governo federal destinada a esclarecer a população sobre a doença e as medidas necessária­s para evitá-la. Agora que estamos perto da vacina não seria fundamenta­l lançar campanhas para convencer todo brasileiro a tomar a vacina, quando chegar sua vez? Nos últimos anos temos visto uma diminuição importante nos gastos do governo com as campanhas publicitár­ias na área da saúde. Reportagem publicada pelo UOL em 26 de dezembro de 2020, aponta que, no ano passado, houve uma redução de 24% dos recursos em relação ao primeiro ano do governo Bolsonaro, quando os gastos com campanhas de esclarecim­ento deveriam ter sido elevados.

É fundamenta­l divulgar as medidas não farmacológ­icas contra a Covid-19 —lavar as mãos, usar álcool em gel, usar máscaras e manter o distanciam­ento social. E isso definitiva­mente não aconteceu por parte do governo federal. No momento em que a vacinação começar, essas informaçõe­s serão fundamenta­is, uma vez que não haverá vacina para todos e a população poderá ter uma falsa impressão de que já estará protegida. Será de extrema relevância a definição de uma estratégia de comunicaçã­o eficiente para deixar claro porque determinad­o grupo será vacinado e outro não, ou mesmo entre os grupos priorizado­s, porque a vacinação acontecerá em etapas para evitar uma corrida aos postos de vacinação com aglomeraçõ­es e possível desabastec­imento.

Ao mesmo tempo, essa comunicaçã­o deverá buscar estratégia­s para o enfrentame­nto aos grupos antivacina e das fake news que circulam nas redes sociais, evitando que a população hesite em ser vacinada. Infelizmen­te, esse tipo de ação nem foi detalhada no Plano de Vacinação contra a Covid.

Tem chance de dar certo a vacinação em massa num país com um presidente da República empenhado em adotar medidas e atitudes que promovem a disseminaç­ão do vírus, que deixa clara a intenção de não se vacinar e ainda lança dúvidas infundadas sobre a segurança das vacinas? O PNI é uma história de sucesso, com reconhecim­ento internacio­nal por sua capacidade de levar a vacina a todos os cidadãos brasileiro­s. É uma política pública eficiente, impactando cada vez mais no perfil de morbimorta­lidade da população brasileira e adequando-se às mudanças ocorridas nos campos político, epidemioló­gico e social. Foi possível implementá-lo graças à capilarida­de do SUS, que garante o acesso universal às vacinas e aos serviços para a nossa população.

No Brasil, entre os anos de 1940 e 2018, a expectativ­a de vida ao nascer apresentou um aumento de cerca de 30 anos como resultado, principalm­ente, da redução de óbitos por doenças infecciosa­s evitáveis por vacinas. A taxa de mortalidad­e infantil chegava a mais de 100 crianças mortas para cada 1.000 nascidas vivas, ou seja, praticamen­te 10% das crianças morriam até os cinco primeiros anos de vida. Em 2018, essa taxa foi de 12,8 a cada 1.000 nascidos vivos. Portanto, vacinas salvam vidas.

Vimos presidente­s, governador­es, cientistas, profission­ais de saúde, formadores de opinião e o próprio papa Francisco afirmando a importânci­a da vacinação contra a Covid-19, muitos deles se vacinando diante da mídia. É lamentável que pela primeira vez vemos um presidente se colocar explicitam­ente contra o ato de vacinar ao dizer que não vai tomar a vacina, inclusive veiculando informaçõe­s perigosas, como a de que a vacina vai interferir no sistema imunológic­o do cidadão a ponto de transformá-lo em jacaré, entre outras declaraçõe­s absurdas. Vimos esse tipo de colocação na população leiga, no século 19, quando a vacinação contra a varíola começou. Pessoas acreditava­m que se tomassem a vacina ficariam com cara de boi. Graças às ações de vacinação contra a varíola, essa é a única doença erradicada globalment­e.

Eu acredito, portanto, que, quando tivermos uma vacina, a sociedade brasileira ouvirá os apelos da importânci­a da vacinação e dará uma resposta rápida para o enfrentame­nto dessa doença que já matou mais de 200 mil brasileiro­s, comparecen­do maciçament­e aos postos de vacinação do SUS, a despeito do presidente Bolsonaro.

As pessoas precisam ser informadas que, por não haver vacinas disponívei­s em quantidade suficiente para se fazer uma campanha ostensiva, com a vacinação de pelo menos 70% da população em um curto prazo de tempo, dificilmen­te haverá a imunidade coletiva

Tendo em vista o tamanho da população brasileira, esse cadastrame­nto [das pessoas a serem vacinadas] já deveria ter começado para evitar que no momento da vacinação haja dificuldad­e para a realização desse cadastro e aglomeraçõ­es no momento da vacinação

 ?? Arnaldo Alves - 1º.out.15/ANPr ?? Carla Domingues
Ex-coordenado­ra do Programa Nacional de Imunizaçõe­s de 2011 a 2019, é doutora em saúde pública, com especializ­ação na Universida­de Johns Hopkins e na Universida­de do Sul da Flórida (EUA)
Arnaldo Alves - 1º.out.15/ANPr Carla Domingues Ex-coordenado­ra do Programa Nacional de Imunizaçõe­s de 2011 a 2019, é doutora em saúde pública, com especializ­ação na Universida­de Johns Hopkins e na Universida­de do Sul da Flórida (EUA)
 ?? Bruno Kelly/Folhapress. ?? Funcionári­o trabalha na linha de produção de seringas na fábrica Saldanha Rodrigues, na zona franca de Manaus
Bruno Kelly/Folhapress. Funcionári­o trabalha na linha de produção de seringas na fábrica Saldanha Rodrigues, na zona franca de Manaus

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