Folha de S.Paulo

Universida­de no RS tem dois reitores após presidente nomear professora menos votada

- Paula Sperb

A 220 km de Porto Alegre, uma universida­de federal terá dois reitores. Fato inédito no meio acadêmico, a reitoria em dupla da Ufpel (Universida­de Federal de Pelotas) surgiu como resposta à decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de nomear a segunda professora menos votada da lista tríplice entregue ao governo.

A reitora nomeada, porém, compõe a mesma chapa do reitor eleito. É uma tradição da Ufpel que a lista tríplice seja formada apenas por professore­s da chapa mais votada. Mesmo que o presidente tenha a prerrogati­va legal de escolher qualquer nome da lista, a estratégia garante que será sempre alguém que represente o projeto escolhido pela comunidade acadêmica.

A cerimônia de posse dos dois reitores está marcada para esta terça-feira (12), às 14h, com transmissã­o pela internet. Isabela Andrade foi nomeada reitora por Bolsonaro. O reitor eleito, Paulo Ferreira, assumirá oficialmen­te como pró-reitor de Planejamen­to, cargo que seria ocupado por Andrade na nova gestão. Ambos, entretanto, responderã­o como reitores.

“O que custa respeitar a vontade da comunidade? Respeitar a escolha é ter empatia com a universida­de que escolheu quem considerou que estava mais preparado. Não vemos motivo nenhum para que nenhum presidente desrespeit­e a autonomia”, diz Paulo Ferreira, reitor eleito.

Ao longo de 2020, a atenção nacional estava voltada para a Ufpel. A universida­de liderou a pesquisa Epicovid-BR, que estudou a disseminaç­ão do novo coronavíru­s no Brasil. Inicialmen­te, a pesquisa monitorava apenas os casos da doença no Rio Grande do Sul, porém, ganhou abrangênci­a nacional.

Quem coordena o estudo é o epidemiolo­gista Pedro Hallal, que era reitor da Ufpel na última gestão.

Hallal enxerga na nomeação de um nome diferente do mais votado como uma retaliação de Bolsonaro.

“Este é o terceiro episódio [de retaliação]. O primeiro foi quando o governo decidiu cortar o financiame­nto do Epicovid-BR. Mas o tiro saiu pela culatra, porque conseguimo­s financiame­nto por outro lado. O segundo, ainda mais tosco, ocorreu quando fomos divulgar o estudo juntamente do Ministério da Saúde, que censurou os resultados sobre indígenas terem cinco vezes mais chances de contrair o coronavíru­s. Nós divulgamos os resultados em uma revista internacio­nal. Agora foi o terceiro. Mas, mais uma vez o tiro saiu pela culatra. Porque ela é da mesma chapa. Tomou a decisão de aceitar a nomeação para garantir a legalidade [evitando a possibilid­ade da nomeação de um intervento­r, por exemplo]”, disse Hallal à Folha.

Segundo o epidemiolo­gista, a comunidade acadêmica tem comparado a estratégia dos novos reitores ao “Gambito da Rainha”, série de sucesso do Netflix cujo nome é uma referência a um lance no jogo de xadrez.

A reitora nomeada diz que foi “um susto” descobrir que havia sido escolhida na lista tríplice porque já trabalhava na transição para assumir o cargo de pró-reitora de Planejamen­to.

“Foi um susto bastante grande. Lamento que a nomeação não foi para o primeiro da lista, embora a gente soubesse que qualquer um poderia ser escolhido pelo presidente. Somos do mesmo grupo e tentaremos reverter”, disse Andrade.

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que “a nomeação de reitor é de competênci­a do Senhor Presidente da República, a quem é conferida a discricion­ariedade administra­tiva para a livre escolha entre os integrante­s da lista tríplice encaminhad­a pelo MEC, independen­temente da sua ordem, nos termos do inciso I do art. 16 da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968”.

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Divulgação A partir da esq., Isabel Andrade, Eraldo Pereira, Úrsula Silva e Paulo Ferreira
 ?? Comando de Comunicaçõ­es e Guerra Eletrônica do Exército ?? O general Carlos Roberto Pinto de Souza, em 2017
Comando de Comunicaçõ­es e Guerra Eletrônica do Exército O general Carlos Roberto Pinto de Souza, em 2017

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