Folha de S.Paulo

Para matriz, encerramen­to já teria ocorrido, pois Argentina e México têm vantagens

- Eduardo Sodré

O fim da produção de veículos Ford no Brasil é um movimento estudado desde muito antes da pandemia de Covid-19. Se dependesse da matriz americana, o encerramen­to já teria ocorrido.

A instabilid­ade começou na crise de 2014 e seguiu até se tornar incontorná­vel, não sem seguidos sinais de que era mais vantajoso apostar na Argentina e no México para abastecer os principais mercados da América Latina.

Os motivos são conhecidos. Os custos de produção no Brasil e sua complexa carga tributária só justificam a manufatura local de veículos diante de um grande volume de vendas conciliado à estabilida­de monetária. Sem isso, a indústria segue um ciclo contínuo de planos de incentivo pontuais que não têm desfecho nem transição.

Nessa lógica, as perdas de alguns anos eram compensada­s nos seguintes, com maior ou menor prejuízo para indústria e consumidor­es. Mas esse ciclo se quebrou.

Com a retração do mercado interno, a desvaloriz­ação do real e as constantes mudanças de regras para a indústria automotiva, as matrizes aumentaram a pressão e reduziram o poder de negociação das filiais instaladas no Brasil.

No cenário atual, torna-se desvantajo­so manter a produção de veículos de baixo valor agregado —no caso, os modelos Ka e EcoSport. Em uma conta que deve ter sido feita pela matriz americana, um compacto 1.0 brasileiro seria vendido por US$ 10 mil na cotação atual e teria uma carga tributária elevada.

Enquanto isso, o zero-quilômetro mais em conta dos EUA, o Chevrolet Spark, custa por volta de US$ 14,5 mil e não tem impostos tão pesados.

Esse é um grande problema para o Brasil, pois o grosso do volume de sua produção é baseado em modelos pouco rentáveis, enquanto Argentina e México, parceiros comerciais, exportam modelos de maior valor agregado.

Os incentivos que levaram à chegada de novas fábricas nos últimos 25 anos não contemplar­am os nós que impediram o país de se tornar também um bom exportador, se limitando a atender mercados vizinhos ou nações igualmente carentes.

A conta está chegando agora, com o agravament­o da crise causado pela pandemia.

Os custos de produção no Brasil e sua complexa carga tributária só justificam a manufatura local de veículos diante de um grande volume de vendas conciliado à estabilida­de monetária

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