Folha de S.Paulo

Daniel A. Dourado

Meta é vacinar o maior número de pessoas

- Daniel A. Dourado Médico e advogado sanitarist­a, pesquisado­r do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa/USP)

As pessoas em geral sabem a eficácia de alguma das vacinas que já tomaram na vida?

Entre as muitas coisas que mudaram nas nossas vidas nos últimos meses, a forma com que divulgamos e debatemos informaçõe­s científica­s é sem dúvida uma das mais importante­s. Conceitos como número de reprodução, média móvel, achatament­o da curva epidêmica e tantos outros, antes restritos a ambientes acadêmicos, passaram a fazer parte do dia a dia do noticiário.

Nas últimas semanas, temos assistido atentos aos sucessivos anúncios do Instituto Butantan e do governo de SP sobre a vacina Coronavac. Foram idas e vindas, adiamentos e declaraçõe­s —muitas delas um tanto confusas— mas agora sabemos, enfim, a eficácia da vacina.

A comunidade científica e o jornalismo especializ­ado vêm acompanhan­do de perto essas divulgaçõe­s, especialme­nte por se tratar de uma das principais alternativ­as para imunização da população brasileira. E cobraram —com razão— que os dados fossem apresentad­os de maneira clara e transparen­te para serem submetidos ao escrutínio de todos. Por conta disso, a comunicaçã­o tem se concentrad­o nesses números. Foram horas de entrevista­s coletivas e artigos de jornal para entendê-los: 100%, 95%, 78%, 50,38% ...

Mas será que esse é o melhor caminho para informar a população?

É consenso entre cientistas e formulador­es de políticas sanitárias que a cobertura vacinal é um elemento mais importante do que a eficácia das vacinas para controlar uma epidemia. Ou seja, é preferível uma vacina com menor eficácia que chegue à toda a população-alvo a uma vacina mais eficaz, mas que só possa ser disponibil­izada a uma parcela dessa população. Por isso, a comunicaçã­o precisa ter como meta incentivar o maior número possível de pessoas a se vacinarem.

A população está confusa e desconfiad­a. Em meio ao descaso do governo federal e de um presidente que boicota diariament­e as medidas de saúde pública, vem caindo o percentual de brasileiro­s dispostos a se vacinar contra a Covid-19.

Numa crise sanitária sem paralelo nos últimos cem anos, o Brasil tem o imenso desafio de vacinar no mínimo 150 milhões de pessoas nos próximos meses. O país começou muito atrasado e corre contra o tempo para buscar uma estratégia de vacinação que permita alcançar essa meta. Já são mais de 200 mil vidas perdidas e não há justificat­iva para perder nem um dia sequer para iniciar uma grande campanha nacional de vacinação.

Por isso, o foco da comunicaçã­o sobre as vacinas precisa ser a cobertura. Todo o esforço deve ser feito para que a população saiba que as vacinas que serão usadas são muito seguras e entenda que vacinação é uma medida de natureza coletiva. É fundamenta­l que as pessoas queiram se vacinar para proteger a sociedade e, consequent­emente, a si mesmos.

Um dos pilares das ações para prevenção de doenças e outros agravos é a comunicaçã­o das autoridade­s sanitárias com a população de forma direta e eficaz. Sem diminuir a importânci­a do debate com a agência reguladora e a comunidade científica, é hora de as autoridade­s assumirem a responsabi­lidade de transmitir à população uma mensagem simples e sem números: a vacinação é o começo do fim da pandemia. Para isso, é preciso que todos recebam suas vacinas, que são seguras e serão dadas gratuitame­nte.

É preferível uma vacina com menor eficácia que chegue à toda a populaçãoa­lvo a uma vacina mais eficaz, mas que só possa ser disponibil­izada a uma parcela dessa população

 ?? Amanda Perobelli/Reuters ?? Vidro com doses da Coronavac na fábrica do Instituto Butantan, parceiro da Sinovac na produção da vacina
Amanda Perobelli/Reuters Vidro com doses da Coronavac na fábrica do Instituto Butantan, parceiro da Sinovac na produção da vacina

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