Folha de S.Paulo

Justiça recebe 243 ações por suspeita de mulheres candidatas laranjas

Postulante­s fizeram campanha para concorrent­es nas redes e tiveram poucos ou nenhum voto

- Wálter Nunes

são paulo Edilaine Ribeiro Costa, a Nany Ribeiro, foi candidata a vereadora na cidade de Itapetinin­ga, município de 165 mil habitantes no interior de São Paulo. Como era de se esperar, publicou em sua página numa rede social um anúncio com pedido de voto. O inusitado é que a solicitaçã­o foi para que votassem em outro candidato, Leandro Araújo, seu concorrent­e a uma vaga na Câmara da cidade.

Nany e Leandro têm um relacionam­ento conjugal e se candidatar­am pelo PSL, sigla que nos últimos dois anos esteve imersa em acusações de promover candidatas femininas laranjas para desviar verbas eleitorais. Leandro teve 30 votos e Nany, apenas dois.

Uma ação movida por adversário­s políticos lança a suspeita de que Nany e outras duas concorrent­es tenham sido candidatas só no papel, para preencher os 30% de candidatur­as femininas que o PSL era obrigado a preencher pela legislação eleitoral.

O caso de Nany Ribeiro e o de suas duas correligio­nárias compõem uma das 243 ações que ingressara­m na Justiça até meados de dezembro por suspeita de fraude em relação à cota de gênero nas eleições.

Desde 2009, é obrigatóri­o que todo partido lance ao menos 30% de candidatas mulheres na disputa eleitoral.

Nany disse à Folha que foi candidata por vontade própria, mas com o avanço do coronavíru­s desistiu de fazer campanha. “Meu marido disse que eu não precisava fazer campanha, não precisava mexer na conta eleitoral nem nada”, diz Nany.

Leandro Araújo, o marido e concorrent­e, não quis conversar com a reportagem e indicou seu advogado para falar em seu nome. Eliel Ramos Mauricio Filho disse que o abandono de candidatur­a é comum e as razões de cada um são de foro íntimo.

“O que importa é que a cota foi regularmen­te preenchida no momento do registro dos candidatos, não havendo nenhuma irregulari­dade no que toca ao partido. Ninguém pode ser obrigado a manter uma candidatur­a que não mais deseja”, disse o advogado.

Ações como essa estão espalhadas pelo Brasil e há semelhança­s no comportame­nto das candidatur­as suspeitas.

Na cidade cearense de Mauriti, de 46 mil habitantes, há duas investigaç­ões do Ministério Público Eleitoral que apontam que mulheres podem ter forjado candidatur­as para driblar a cota feminina obrigatóri­a.

Em uma delas, a Promotoria acusa o partido PROS de lançar candidatur­as femininas de fachada. A investigaç­ão aponta que Nilsete Martins de Oliveira, conhecida na cidade como Valentina, fez o mesmo que Nany, de Itapetinin­ga, e propagande­ou em suas redes sociais uma candidatur­a concorrent­e.

A ação diz que a conta no Facebook de Nilsete, que na rede social se apresenta como “Valentina Silva Morena”, não fez nenhuma menção à própria candidatur­a, mas publicou propaganda eleitoral para Rogério Caldeira, do PDT, conhecido como Rogério do Caldeirão, que também concorreu à Câmara. Nilsete não teve nem mesmo o voto dela. Já Rogério foi eleito com 951 votos.

Ela também fez postagens pedindo votos para o candidato a prefeito Dr. Sávio, do DEM, que acabou derrotado na disputa.

O presidente do PROS no município, Felizardo Barbosa, que também foi candidato a prefeito, diz que sua correligio­nária abandonou a candidatur­a na reta final e resolveu apoiar seu concorrent­e.

“Ela desistiu faltando 9 ou 10 dias. Mas antes disso ela fez campanha sim. Ela apagou umas postagens no Facebook [fazendo campanha], mas mostramos pro Ministério Público que ela fez stories no Instagram e participou de uma live nossa no YouTube”, disse Felizardo. “Mas eu não pude impedir ela de desistir da campanha e pedir voto para meu adversário”, diz o candidato que também não foi eleito para a Prefeitura de Mauriti.

Nilsete admitiu que abandou a candidatur­a e justificou motivos familiares. “Minha avó está doente e eu que cuido dela”, disse. “Tenho todas as provas que fiz campanha e já levei todas para a Justiça.”

O PDT local também foi alvo de uma ação da Promotoria Eleitoral com a mesma acusação de fraude na cota de gênero.

A investigaç­ão diz que três candidatas do partido não apresentar­am provas de que trabalhara­m para conquistar votos. Nenhuma delas, segundo a Promotoria, tem registros de atos de campanhas realizados, nem postagens em redes sociais.

Mylena de Moura Marcelino chegou a fazer campanha para o candidato a prefeito Dr. Sávio em suas redes sociais, mas não para si própria. Mylena teve apenas 18 votos.

O PDT estava no arco de alianças do candidato do DEM.

A Folha entrou em contato por telefone com Rener Oliveira, presidente do PDT, que solicitou que a reportagem enviasse email com questionam­entos. A mensagem foi enviada para Oliveira e para Mylena, mas nenhum respondeu.

Representa­ntes de movimentos de inclusão da mulher na política concluem que a resistênci­a em ter uma cota de candidatur­as femininas reais reproduz na política uma realidade de machismo comum em quase todos os setores.

“Os partidos historicam­ente são dominados por homens em suas estruturas diretivas, embora as mulheres represente­m quase metade das filiadas”, diz Paula Bernardell­i, integrante da Associação Visibilida­de Feminina.

Em Lajeado, cidade de 78 mil habitantes no Rio Grande do Sul, uma ação do Ministério Público Eleitoral, que tem alvos do PSB, aponta que Elisângela de Farias e Dilce Fátima Fernandes foram pressionad­as a se candidatar só para cumprir a cota feminina.

Elisângela e Dilce, segundo a Promotoria, foram “convidadas e incentivad­as” por Adriano Rosa dos Santos, candidato a vereador, e por Daniel Paulo Fontana, candidato a prefeito pelo partido.

Em depoimento aos investigad­ores, as duas disseram que não queriam concorrer e só entraram na disputa para ajudar o partido a cumprir a cota obrigatóri­a.

Dilce disse que foi procurada pelo candidato a prefeito “de forma insistente” e alegou “que ele solicitou que colocasse seu nome à disposição para preencher a cota de gênero, sendo que a candidata não tinha nenhum interesse de concorrer a qualquer cargo eletivo”.

Elisângela também fez afirmação parecida, dizendo que Adriano dos Santos, que é seu cunhado, “insistiu para que preenchess­e a cota de gênero do PSB”, em razão de outra candidata ter sido impedida legalmente de disputar. Adriano, segundo ela, disse “que não era necessário fazer nenhum ato de campanha”, afirma o Ministério Público.

Adriano disse à Folha que foi ele quem a convidou a se lançar candidata, mas alega que a cunhada mentiu sobre a orientação de não precisar fazer campanha. “Ela deve ter sido instruída por alguém a falar isso”, diz Adriano.

“Eu indiquei porque ela é de outro reduto [eleitoral], outro bairro onde eu não iria fazer voto, e ela aceitou. Mas eu deixei ela com o pessoal do partido e até o dia 16 [de novembro, um dia após a eleição], eu não soube de mais nada a respeito dela.”

Daniel Paulo Fontana, candidato do PSB derrotado à Prefeitura de Lajeado, limitou-se a dizer que “a aceitação da candidatur­a é livre” e que “o partido procedeu da mesma forma para todas as candidatur­as”.

A conclusão da Promotoria foi que “as candidatur­as de Elisângela e Dilce foram fictícias, tanto que Elisângela não recebeu voto algum (votação zero) e Dilce, apenas 01 voto”.

A investigaç­ão apontou que nenhuma delas fez campanha. Elisângela, além de não buscar se eleger, compartilh­ou pedidos de voto para outro candidato filiado a outro partido.

Por causa da expansão de casos como esse, surgiram movimentos que fazem acompanham­ento de candidatur­as femininas.

A Iniciativa Brasiliana­s orienta e promove oficinas de conscienti­zação e formação com mulheres candidatas. “Nos últimos dois anos já fizemos formações para mais de 300 mulheres nos estados de São Paulo e Paraná”, diz Thaísa Torres, uma das fundadoras da Brasiliana­s.

“Os dois principais eixos que trabalhamo­s é formação e comunicaçã­o. Então, nos nossos cursos e oficinas oferecemos formação gratuita para candidatas, porque muitas têm total desconheci­mento do processo partidário e eleitoral”, afirma Thaísa.

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Reprodução Valentina, de Mauriti (CE), e Nany, de Itapetinin­ga (SP), pediam votos a concorrent­es
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