Folha de S.Paulo

Punir a petulância

Condenação de Trump por afronta ao Congresso inibiria violência política nos EUA e em outros países

- Editoriais@grupofolha.com.br

Em defesa do impeachmen­t de Donald Trump.

Em tempos normais, as instituiçõ­es de uma república democrátic­a atuam em silêncio. É como uma partida de futebol em que os jogadores disputam com lealdade às regras. Os espectador­es mal se dão conta da arbitragem, de tão sutis que são as suas intervençõ­es.

O impeachmen­t, nesses contextos de normalidad­e, é um recurso que funciona sem ser notado —os presidente­s em geral temem suas consequênc­ias e por isso evitam os atos que podem desencadeá-lo.

Donald Trump não é um governante submisso às regras do jogo. Tampouco a turba de fanáticos que o adula e segue parece conformada ao ditame não violento da disputa política. Em conjuntura­s excepciona­is como esta, a arma extraordin­ária do impeachmen­t precisa ser retirada do bastidor e levada ao proscênio, como acaba de fazer a Câmara dos Representa­ntes.

Em 244 anos de independên­cia, os Estados Unidos enfrentara­m algumas situações de risco existencia­l, a começar da guerra com a exmetrópol­e. Travou-se ali, quase um século depois, um dos conflitos civis mais sangrentos da história.

Apesar de não ser episódio de gravidade comparável, não se tem notícia de outro chefe do Executivo atiçando uma multidão contra a sede do Poder Legislativ­o, santuário da democracia representa­tiva.

A perfídia patrocinad­a por Donald Trump foi agravada porque ele pretendia, à base de intimidaçã­o e mentiras, subverter a vontade da maioria dos eleitores, que lhe negou a recondução ao cargo.

A pronta resposta do Congresso, que ratificou a vitória do democrata Joe Biden tão logo os vândalos foram expulsos do Capitólio, demonstrou que as instituiçõ­es não cederam um milímetro aos delírios golpistas do trumpismo.

Foi uma resposta enérgica, embora parcial. Falta ainda completar os protocolos do Estado democrátic­o de Direito, que mandam responsabi­lizar os perpetrado­res e fazê-los pagar pela sua petulância.

Na Justiça, dezenas de pessoas começam a enfrentar o rigor do sistema penal norte-americano. Na política, cumpre punir exemplarme­nte Trump, o comandante da epifania extremista que acabou na morte de cinco indivíduos, incluindo um policial que defendia o patrimônio da República.

Cabe agora ao Senado condenar o delinquent­e prestes a deixar o poder. Para atingir a maioria necessária —67 dos 100 senadores— mais de uma dezena de republican­os precisarão se juntar aos democratas. Terão a chance de demarcar o terreno que a longeva democracia trilhará nos próximos anos.

A punição, seguida do banimento de Trump da vida pública, é a escolha capaz de desestimul­ar, nos EUA e em outros países, novos assaltos violentos a poderes constituíd­os.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil