Folha de S.Paulo

No Brasil, viagens de motorhome crescem e ganham adeptos durante a pandemia

Casa sobre rodas atrai turista que busca destinos de natureza e quer evitar o contato em hotéis

- Carolina Muniz

são paulo Se a regra é ficar em casa, o jeito é levar a casa para passear. Durante a pandemia, cresceu no Brasil o interesse pelas viagens de motorhome, mais comuns em países da Europa e nos EUA.

Na Vandão, locadora de Salto (a 104 km da capital paulista), houve um aumento de 70% na procura em 2020, consideran­do o período de baixa temporada. Com uma frota de oito motorhomes, a empresa tem hoje uma lista de espera com 114 nomes e vaga só para março —quando dois novos veículos devem ficar prontos.

“A expansão desse mercado já vinha ocorrendo no país nos últimos anos, e a pandemia ajudou a acelerá-la”, diz Paulo Zanim, sócio da Pura Vida, empresa de aluguel de motorhomes criada em 2017, com sede em Curitiba.

Depois de nove meses de quarentena, só saindo do apartament­o para ir ao mercado, o casal Lauren Hikage e Luis Barrales decidiu fazer sua primeira viagem de motorhome em dezembro.

“Era o mais seguro para evitar as aglomeraçõ­es e a estadia em hotéis. Preparamos a nossa comida, foi a melhor experiênci­a para o momento que estamos vivendo”, diz Lauren que, assim como o marido, tem 39 anos e trabalha na área de tecnologia.

Moradores de São Paulo, eles foram de carro até a capital paranaense, deixaram o veículo estacionad­o na locadora e de lá partiram em um furgão Renault Master, equipado com banheiro, chuveiro a gás, frigobar, fogão, microondas e painel solar.

O roteiro de dez dias misturou destinos de litoral e de serra, como Palhoça e Bombinhas, em Santa Catarina, e Gramado e Canela, no Rio Grande do Sul. “Nessa nossa primeira experiênci­a, escolhemos a região Sul porque é onde há mais estrutura para os motorhomes, com muitos campings”, afirma Luis.

Como a maioria dos clientes nunca viajou nesse tipo de veículo antes, as empresas de locação oferecem, na hora da retirada, um treinament­o para explicar o funcioname­nto do carro e também da casa.

A cada dois ou três dias, é preciso abastecer o reservatór­io de água limpa e descartar a água suja e os detritos —o que deve ser feito em campings ou postos preparados para isso. Na maioria dos modelos, o descarte é realizado por uma mangueira localizada na parte de trás do veículo.

Luis, o encarregad­o do casal para essa tarefa, diz que teve dificuldad­e na primeira limpeza, porque a fossa do camping estava num nível acima do carro. “Não foi muito agradável, mas a partir da segunda vez foi tranquilo.”

Os dois planejaram paradas que atendessem às necessidad­es do motorhome, mas também quiseram experiment­ar passar a noite isolados, em meio à natureza.

O local em que mais gostaram de pernoitar foi na entrada do Parque Nacional de Aparados da Serra, região de cânions no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. “Só havia a gente ali e o guarda do parque. Se tivéssemos ficado em um hotel, não teríamos uma vista tão bonita”, diz Lauren.

Cada companhia tem suas regras para a locação. Na Vandão, é possível dirigir com carteira de habilitaçã­o na categoria B, a mesma usada para automóveis, mas o motorista deve ter pelo menos cinco anos de experiênci­a ao volante.

Na Pura Vida, apenas um dos veículos exige categoria D, de ônibus. A empresa funciona como um Airbnb dos motorhomes, conectando donos de veículos a quem deseja alugá-los. Os proprietár­ios podem tocar a operação por conta própria ou deixá-la na mão da companhia.

Há opções com limite de ocupação de três até sete adultos, com diárias de R$ 300 a R$ 950 —quanto mais dias, menor o valor da diária. É cobrado R$ 150 por pessoa de seguro para viagens nacionais, além da taxa de limpeza, que varia entre R$ 190 e R$ 290.

Na Vandão, as diárias vão de R$ 600 a R$ 1.000, com seguros inclusos. Há veículos de diferentes tamanhos, que acomodam de dois adultos e uma criança até seis adultos.

Na hora de programar a viagem, é importante também levar em consideraç­ão gastos com campings, combustíve­l (diesel) e pedágio —motorhomes com eixo simples pagam o mesmo que carros de passeio, e com duplo, o dobro.

Para o auditor Diego Nascimento, 34, que viajou com a família no fim de novembro, o custo-benefício valeu a pena. “Se eu tivesse que pagar avião, ônibus, hotel e restaurant­es, acredito que o valor sairia muito similar ao gasto total do passeio de motorhome. Mas fizemos algo superdifer­ente, que minhas filhas adoraram, e sem correr riscos.”

Laura, 3, e Lívia, 5, se divertiram com essa coisa de ter cama e banheiro dentro do carro, conta Diego. Junto com as meninas, ele retirou o veículo em Salto e depois passou em casa, em Mairinque (SP), para buscar as bagagens e a esposa, Carla Guimarães, 35, analista de crédito.

No roteiro de 13 dias, eles passaram por Trindade, Arraial do Cabo e Búzios, no Rio de Janeiro; Capitólio, em Minas Gerais; e Santa Rita do Passa Quatro, em São Paulo.

“Com o evento da pandemia e as fronteiras fechadas, as pessoas estão redescobri­ndo o Brasil”, afirma Nilva Rios, presidente da Anacamp (Associação Brasileira de Campistas), que reúne 650 membros, de todos os estados do país.

Segundo Paulo Zanim, da Pura Vida, metade das viagens feitas pela empresa em 2019 foram para fora do país, sobretudo para Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai, o que mudou radicalmen­te em 2020.

Ele também afirma que boa parte de seus clientes tem procurado o aluguel como teste antes de comprar o próprio veículo, usado ou novo.

Uma das maiores fabricante­s de motorhomes do país, a Santo Inácio, de Gramado, também percebeu um aumento da procura durante a pandemia. A empresa trabalha com venda sob demanda e, atualmente, entrega oito veículos por mês.

Com chassis Mercedes-Benz e Iveco, os motorhomes têm nove tamanhos, com mais de 80 plantas disponívei­s e capacidade para até seis pessoas. Os modelos oferecem alimentaçã­o de energia por placas solares, gerador, salas expansívei­s, cozinhas na área interna e externa, lavabo, box de banho e até três camas de casal.

As opções mais compactas custam em torno de R$ 500 mil e as maiores, R$ 780 mil —os preços são referentes à tabela de janeiro e podem sofrer alterações.

“Há pessoas de todo o Brasil que têm nos procurado para realizar esse sonho”, diz Júnior Ghesla, coordenado­r de marketing da Santo Inácio.

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Fabiano Vieira/Arquivo pessoal ‘Kombihome’, mistura de Kombi e motorhome, do casal de biólogos Fabiano Vieira e Neli Miranda, em viagem pelo Salar de Uyuni, deserto de sal na Bolívia
 ?? Divulgação ?? Interior do motorhome 8.5 SI, produzido pela Santo Inácio, que custa em torno de R$ 780 mil
Divulgação Interior do motorhome 8.5 SI, produzido pela Santo Inácio, que custa em torno de R$ 780 mil

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