Folha de S.Paulo

Roteiro para o golpe

- Maria Hermínia Tavares Pesquisado­ra do Cebrap e professora aposentada da USP. Escreve às quintas mhermtavar­es@gmail.com

A democracia começa ate rum sério problema quando os vencidos numa eleição contestam os seus resultados. Embora sejam muitas as condições que asseguram a estabilida­de do sistema, a escolha dos governante­s pelo voto —com as instituiçõ­es garantindo a lisura do jogo— e a aceitação do desfecho por todos os competidor­es formam o alicerce da ordem democrátic­a.

Em 2014, um desatinado Aécio Neves se recusou a ouvira voz das urnas favorável a Dilma Rousseff e abriu caminho para acrise política que culminaria coma ascensão da extrema direita ao poder quatro anos depois.

É cedo para dizer co moestará o paí sem 2022. A pandemia e acrise econômica, agravadas por um assombroso desgoverno, tornam fútil qualquer exercício de previsão eleitoral. Mas, hoje como hoje, pelo menos um candidato ao Planalto parece ter um plano pronto.

Prevendo o fracasso provável de sua gestão sem rumo e sem compromiss­o, Jair Bolso narotrat adere duzira frangalhos o processo eleitoral. Para tanto, lança suspeitas descabelad­as sobre a lisura do registro e da contagem de votos depositado­s na urna eletrônica. E quer fazer crer que, não fosse a fraude, teria saído vitorioso já no primeiro turno. Nunca apresentou nem sequer um fiapo das provas que alega ter. Pode parecer mais uma de suas efervescên­cias, como a campanha contra as lombadas nas rodovias, mas não é.

Insuflara desconfian­ça no mecanismo democrátic­o de escolha dos governante­s faz parte da caixa de ferramenta­s dos políticos populistas, afim dese manter no poder a qualquer custo, mesmo sem votos para tal. É assim que alimentam seus seguidores sempre prontos a consumir receitas conspirató­rias da política. Foi o que fez DonaldTrum­p,é oque faz o seu adepto Bolsonaro.

Só que o brasileiro não se limita àquela manobra mambembe. Enquanto dissemina suspeitas vazias, trata de agradar aos militares —com gestos de apreço, cargos em diversos escalões do governo e atendiment­o de demandas corporativ­as—, na expectativ­a de ter ao seu lado, na hora certa, as Forças Armadas. Eis aí um sistemátic­o investimen­to em cooptação, cujo retorno ainda se desconhece, mas que a nação deve temer.

Em recente entrevista ao jornal Valor, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fez um apelo à autonomia das instituiçõ­es representa­tivas e ao imperativo político de desvincula­r as três Armas deste governo. Ele sabe o que diz: o roteiro para o golpe é cristalina­mente claro. Pode resultar num circo de horrores, como o que se instalou em Washington na semana passada. Mas pode também acabar numa tragédia nacional.

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