Folha de S.Paulo

PGR inicia transição para o fim das forçastare­fas da Lava Jato

Justificat­iva para extinção é precarieda­de do modelo, que existe há 7 anos; Gaecos assumem parte das investigaç­ões

- José Marques

SÃO PAULO Sete anos após o início da Lava Jato, o modelo de forças-tarefas deve deixar de ser utilizado nas investigaç­ões da operação ainda em 2021, sob o entendimen­to da PGR (Procurador­ia-Geral da República) de que ele é instável, institucio­nalmente frágil e pode produz suspeitas sobre os investigad­ores.

A ideia é que a partir deste ano as decisões sobre as equipes que tocarão as investigaç­ões oriundas da operação fiquem mais descentral­izadas, geridas nos próprios estados e menos dependente­s da chefia do Ministério Público Federal em Brasília.

Na prática, a extinção dessas forças-tarefas também pode diminuir a eficiência das apurações ligadas à Lava Jato e a abertura de novos flancos nas investigaç­ões, cujo ritmo já teve redução no último ano.

Procurador­es que integram os grupos têm dito que o modelo das forças-tarefas e a dedicação exclusiva foram essenciais para desvendar esquemas complexos de crimes de colarinho branco e para a recuperaçã­o, em escala inédita, de dinheiro desviado dos cofres públicos.

No entanto, a PGR avalia que a manutenção dessas equipes de procurador­es por longo tempo pode ser institucio­nalmente prejudicia­l ao Ministério Público Federal —e tenta restabelec­er uma organizaçã­o similar ao período pré-2014.

Em primeiro lugar, porque considera que o formato tem precarieda­des. A forças-tarefas têm tempo e estruturas predetermi­nadas e acabam dependendo do procurador-geral para adiamentos ou expansão.

Por isso, há a avaliação de que poderiam atuar de maneira artificial, incorporan­do investigaç­ões diversas, para estender o seu período de atuação. A intenção é evitar que conjuntos de procurador­es com o objetivo de atuar em apurações específica­s acabem virando setores próprios dentro do Ministério Público Federal.

Além disso, parte dos integrante­s que compõem as forças-tarefas é de procurador­es lotados originalme­nte em municípios de pequeno ou médio porte, que se voluntaria­m e podem acabar desfalcand­o seus locais de trabalho. Os sucessivos adiamentos de investigaç­ões podem atrasar o retorno desses procurador­es. Outro argumento é que procurador­es insatisfei­tos podem renunciar às suas funções nas forças-tarefas sem ter concluído seus trabalhos, o que criaria mais instabilid­ade no modelo.

A PGR avalia também que os constantes esforços para manter as forças-tarefas em atuação podem implicar desconfian­ça dos acusados sobre o trabalho do Ministério Público Federal —por exemplo, se estão sendo acionados porque os procurador­es têm convicção das acusações ou só querem justificar a manutenção das forças-tarefas.

Essas insatisfaç­ões têm aparecido tanto em despachos como em declaraçõe­s públicas do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do vice-procurador­geral, Humberto Jacques de Medeiros.

Paulatinam­ente, as investigaç­ões sobre crimes de colarinho branco que estão sob a responsabi­lidade das forçastare­fas serão absorvidas por Gaecos (grupos de atuação de combate ao crime organizado), estruturas de investigaç­ão permanente­s.

Normalment­e, os procurador­es que atuam nesses Gaecos não têm exclusivid­ade nas investigaç­ões, embora isso possa acontecer em casos excepciona­is. A decisão sobre isso, porém, fica mais ligada ao comando do Ministério Público Federal nos estados do que à PGR.

As forças-tarefas, por outro lado, têm afirmado repetidame­nte que conseguira­m produzir resultados inéditos no Ministério Público Federal e que suas investigaç­ões podem acabar nas mãos de procurador­es que só querem “sanear o estoque” — ou seja, se livrar das investigaç­ões mais complexas sem fazer análise profunda delas.

O modelo atual começou a ser esvaziado depois que aras se tornou procurador­geral da República, em 2019, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Bolsonaro rompeu uma tradição que vem desde 2003, de escolha de um PGR que esteja na lista tríplice votada pela ANPR (Associação Nacional dos Procurador­es da República), da qual Aras não fazia parte.

No ano passado, as forçastare­fas da Lava Jato e também da Operação Greenfield, que atua em Brasília e investiga desvios bilionário­s em fundos de pensão, começaram a serem esvaziadas.

Em São Paulo, uma mudança interna levou à implosão da Operação Lava Jato no estado, que investigav­a principalm­ente suspeitas de irregulari­dades em governos do PSDB.

A saída do grupo aconteceu por insatisfaç­ões com uma colega, a procurador­a Viviane Martinez. Apesar de ser oficialmen­te a titular do setor que cuida dos casos da Lava Jato (chamado de 5º Ofício), ela não fazia parte da força-tarefa e não trabalhava nas investigaç­ões relacionad­as à operação.

No entanto, os procurador­es disseram que ela vinha interferin­do nos trabalhos.

Os procurador­es esperavam apoio da PGR para que pudesse haver a troca de Viviane por outro procurador, mais alinhado às investigaç­ões, o que não ocorreu.

Eles pediram desligamen­to da força-tarefa. Não foi formado um novo grupo para analisar os casos que ficaram pendentes.

Em Curitiba, a força-tarefa original da Lava Jato teve os seus trabalhos estendidos até outubro de 2021, mas foi retirada a exclusivid­ade da maioria dos procurador­es que atuam no caso.

Apenas 3 dos 13 continuam se dedicando integralme­nte à operação, e os demais envolvidos acumularão funções. Na avaliação de procurador­es, isso é prejudicia­l às apurações em curso.

A Lava Jato do Paraná investiga casos relacionad­os à Petrobras e foi responsáve­l pelas acusações que levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão.

No Rio de Janeiro, principal desdobrame­nto da Lava Jato, que entre outras investigaç­ões desmontou uma rede de doleiros que atuava no país, os trabalhos da força-tarefa foram prorrogado­s até 31 de janeiro.

Já em relação à Operação Greenfield, a coordenaçã­o da força-tarefa passou a ser do procurador Celso Três, após Anselmo Lopes se afastar do cargo, afirmando por justificat­iva que havia falta de apoio de Augusto Aras.

Ao assumir, Celso Três enviou à PGR uma proposta que, na prática, encerraria as investigaç­ões em andamento e concentrar­ia os casos na Polícia Federal, segundo apuração do jornal O Globo.

Na proposta, ele disse que não estava lá “para trabalhar muito” —depois, sobre a frase, afirmou que se tratava de uma ironia.

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Paulo Lisboa - 30.nov.2016/Folhapress Entrevista em 2016 reúne integrante­s da formação original da Operação Lava Jato no Paraná: Orlando Martello, Carlos Fernando e Deltan Dallagnol

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