Folha de S.Paulo

Réu cita reunião de Mandetta e gestora pivô da queda de Witzel

Iabas foi poupado de punição após encontro com ex-ministro, diz empresário

- Italo Nogueira

RIO DE JANEIRO O empresário Edson Torres afirmou nesta quarta-feira (13), em depoimento no processo de impeachmen­t do governador afastado Wilson Witzel (PSC), que o ex-secretário de Saúde Edmar Santos desistiu de punir uma organizaçã­o social após participar de reunião entre o representa­nte da entidade, o advogado Roberto Bertholdo, e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

A entidade mencionada é o Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), cujo contrato para montagem e gestão dos hospitais de campanha na pandemia é um dos pivôs do processo de impeachmen­t de Witzel.

Torres disse também que a organizaçã­o social seria procurada para contribuir para a “caixinha da propina” da secretaria após participar dos esforços no combate à pandemia do novo coronavíru­s.

Réu confesso, Torres prestou depoimento ao Tribunal Especial Misto que julga o impeachmen­t de Witzel. Afirmou ter sido informado por Pastor Everaldo, ex-presidente do PSC, de que parte dos cerca de R$ 50 milhões recolhidos pelo esquema entre 2019 e início de 2020 teria como destino o governador.

O Iabas, segundo Torres, não participav­a do esquema. Ele disse que, após a contrataçã­o para a montagem e gestão dos hospitais de campanha, foi informado por Edmar de que a entidade seria chamada a entrar no esquema de corrupção.

“Na época ficou acertado que iria conversar com o Iabas para possível participaç­ão de propina nesse grande contrato. Logo depois, adoeci e fiquei afastado. Quando voltei, tudo estava sendo falado pela imprensa”, disse.

O Iabas foi escolhido para o serviço a despeito de uma série de irregulari­dades cometidas na gestão de unidades de saúde no estado. Uma delas era o hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias.

As falhas foram tema, segundo o empresário, de uma conversa entre ele e Edmar no início de 2019.

“No início de 2019, falávamos da incapacida­de de gestão do Iabas no [Hospital]

Adão Pereira Nunes, que seria necessário retirá-lo. Depois de 15 dias, Edmar voltou de uma reunião em Brasília com o [ex-]ministro Mandetta. Ele disse que lá, no gabinete do Mandetta, foi apresentad­o ao [Roberto] Bertholdo, e que pediu para poder fazer uma gestão para manter o Iabas”, disse Torres.

Procurado, Mandetta não se manifestou sobre o suposto encontro.

Bertholdo, advogado do Iabas, é apontado pelas investigaç­ões como verdadeiro dono da entidade. Foi preso na Operação Tris In Idem. Edmar firmou acordo de colaboraçã­o premiada com o Ministério Público Federal, homologado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Parte dos anexos da delação permanece sob sigilo.

As falhas de gestão do Iabas no hospital também foram relatadas ao tribunal pela exsubsecre­tária de Saúde Mariana Scárdua. Ela afirmou que foi exonerada do cargo, em março, após alertar sobre as falhas do Iabas quando foi firmado o contrato para os hospitais de campanha.

O Iabas já havia sido proibido pela Prefeitura do Rio de participar de licitações para gestão de unidades de saúde em razão de erros administra­tivos graves em contratos que geraram prejuízo aos cofres públicos.

Ainda assim, a OS foi escolhida sem licitação para gerir sete hospitais de campanha, inicialmen­te por R$ 835,8 milhões, a despeito do histórico de má gestão que a marcou no estado.

Witzel é acusado de ter responsabi­lidade nas fraudes para contrataçã­o do Iabas. Após a identifica­ção das falhas, ele afastou a entidade da gestão dos hospitais de campanha.

Em nota, o Iabas disse “que não tem conhecimen­to de qualquer negociação ilícita feita para favorecê-lo em qualquer circunstân­cia. O instituto sempre se pautou pelo respeito às leis e à ética, executando seus serviços no município e no estado do Rio de Janeiro com absoluto respeito às suas obrigações contratuai­s e legais. Jamais praticou qualquer irregulari­dade. Não houve qualquer dano aos cofres públicos da Prefeitura do Rio e o Iabas contesta na Justiça os pagamentos devidos até hoje não realizados”.

Em relação ao hospital Adão Pereira Nunes, o Iabas afirmou que “geriu o hospital, garantindo atendiment­o de excelência à população, apesar de a Secretaria de Saúde não efetuar, devidament­e, os repasses de recursos necessário­s à gestão. A dívida da Secretaria com o Iabas já alcança o valor de R$ 89 milhões no contrato do hospital Adão Pereira, aos quais se somam R$ 97 milhões pelos contratos de Covid 19 (maio e junho)”.

Além de responsabi­lidades no caso do Iabas, Wilson Witzel também é acusado de beneficiar o empresário Mário Peixoto ao requalific­ar a organizaçã­o social Unir Saúde.

Peixoto foi cliente do escritório de advocacia que Witzel integrou durante a campanha eleitoral de 2018. Investigaç­ões do Ministério Público Federal apontam que o empresário também contribuiu para o caixa dois da campanha.

O empresário tem negado qualquer vínculo com a OS Unir Saúde, por não integrar seu quadro societário. Edson Torres, porém, afirmou que Peixoto o procurou para tentar reverter a punição de desqualifi­cação imposta pela Secretaria de Saúde no fim de 2019.

O empresário repetiu os termos de sua confissão ao Ministério Público Federal, no qual relatou um esquema de cobrança de propina na Secretaria de Saúde. Nela, ele também afirmou ter contribuíd­o irregularm­ente para a campanha do governador afastado.

Ele também repetiu ter criado um caixa de R$ 980 mil para o sustento de Witzel caso ele perdesse a eleição —o governador afastado havia abandonado a magistratu­ra para concorrer. Além disso, declarou ter pago contas de viagens pessoais do ex-juiz, inclusive após a posse.

Witzel está afastado do governo por duas decisões. O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Benedito Gonçalves determinou o afastament­o temporário por 180 dias a contar do dia 28 de agosto, data da Tris In Idem. O prazo se encerra em 24 de fevereiro.

A aceitação da denúncia pelo Tribunal Especial Misto impôs nova determinaç­ão de afastament­o por 180 dias. O prazo se encerraria em maio, mas a corte suspendeu a contagem após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinar o adiamento do interrogat­ório de Witzel.

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Zô Guimarães - 4.set.20/Folhapress Witzel, governador afastado do Rio

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