Folha de S.Paulo

Deputados se unem na Assembleia de São Paulo para revisar gastos de Doria

Grupo Parlamenta­res em Defesa do Orçamento tem 10 integrante­s e engrossa obstrução ao tucano

- Carolina Linhares

são paulo A pandemia fez surgir na Assembleia Legislativ­a de São Paulo um grupo supraparti­dário de dez deputados que incomoda o governador João Doria (PSDB). Apesar de não se autodenomi­nar oposição, o Parlamenta­res em Defesa do Orçamento (PDO) obstruiu projetos do governo e obrigou o tucano a voltar atrás em gastos públicos.

A iniciativa inédita deve continuar em 2021, diz o grupo. Seu objetivo é fiscalizar contratos emergencia­is e ações do Executivo contra a doença.

Para governista­s, o PDO existe para fustigar Doria. O grupo já pediu seu impeachmen­t, em julho, e tem bolsonaris­tas entre seus membros. Dá voz a críticas ao isolamento social e à negação do número de infectados , minimizand­o a gravidade do coronavíru­s.

Para o deputado Sargento Neri (Avante), que teve a ideia de formar o PDO e o preside, era preciso acompanhar as compras feitas pelo governo do estado com dispensa de licitação, modelo autorizado pelo Legislativ­o diante da urgência da pandemia.

Logo na primeira investida, em maio, os deputados denunciara­m ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) uma compra de 1,1 milhão de aventais descartáve­is no valor de 14 milhões. O PDO foi ao endereço da contratada, em Itapevi (SP), e constatou que era a casa de um microempre­endedor que atuava no ramo de edição de livros.

Para os deputados, a empresa não tinha capacidade para a entrega dos aventais. Procurado pelo UOL, o dono do negócio, Marcelo Neres Oliveira, afirmou que a confecção dos aventais era feita em oficina terceiriza­da e que não havia irregulari­dade.

A compra acabou cancelada no dia seguinte à denúncia.

As investigaç­ões de contratos e diligência­s também são levadas ao Ministério Público. No total, segundo Neri, foram 28 representa­ções.

Também integram o PDO os deputados Coronel Telhada (PP), Adriana Borgo (Pros), Leticia Aguiar (PSL), Márcio Nakashima (PDT), Coronel Nishikawa (PSL), Conte Lopes (PP), Tenente Coimbra (PSL), Edna Macedo (Republican­os) e Danilo Balas (PSL).

Foi pelo WhatsApp, no grupo que reúne os deputados estaduais, que Neri convidou colegas a se juntarem a ele na missão de investigar contratos que, na sua opinião, tinham valores exorbitant­es.

De lá pra cá, o PDO se profission­alizou. Reúne assessores responsáve­is por varrer contas públicas e tem até máscara personaliz­ada, usada nas visitas de surpresa a fornecedor­es e hospitais.

“Nunca na história política do país houve um grupo de deputados que fiscalizas­se de forma organizada o estado. Na Assembleia, isso é novo. Tivemos até críticas de outros deputados que não entenderam o propósito”, afirma Neri à Folha. Em seu site, o PDO se define como um grupo “apartidári­o”, que “não trabalha por ideologia e muito menos faz politicage­m”.

“Não chega a ser um grupo de oposição, somos apartidári­os, não trabalhamo­s com ideologia. Trabalhamo­s com fatos, buscamos os contratos, a realidade e tentamos coibir o gasto”, diz Neri.

Segundo Telhada, o grupo evita ser classifica­do como oposição para que suas descoberta­s não sejam vistas como formas de atacar o governo. Ressalta que o PDO também faz elogios à administra­ção “quando está tudo certinho”.

O PDO ainda não decidiu quem apoiar na eleição da Mesa Diretora da Assembleia, que ocorre em março. Telhada pode sair candidato contra Carlão Pignatari (PSDB), nome apoiado por Doria.

O principal embate entre o PDO e o governo Doria envolveu a entrada dos deputados no hospital de campanha do Anhembi, em junho. Os parlamenta­res invadiram o local com assessores, inclusive em áreas com alto risco de contaminaç­ão, causando tumulto.

Nas redes sociais, os deputados acusaram Doria de mentir sobre o número de casos e mortes e criticaram as medidas de isolamento social. Nakashima disse que encontrou leitos vazios, alguns sem respirador­es. Borgo disse que “não tem doente porcaria nenhuma” no hospital de campanha.

As denúncias foram rebatidas por Doria e pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) em vídeo. “Queria registrar a nossa indignação e repúdio a atitude de alguns deputados estaduais de São Paulo que invadiram o hospital de campanha no Anhembi, criando temor e pânico nos médicos, paraR$ médicos, enfermeiro­s e também nos pacientes que estavam sendo atendidos”, afirmou o governador.

“Se querem fazer política, façam na Assembleia Legislativ­a. Não façam em hospitais de campanha”, completou.

O PDO levou o caso ao Ministério Público. Segundo o grupo, a estrutura era subutiliza­da, os leitos eram incompleto­s, o número de internados não correspond­ia ao que era informado pelo governo e havia alagamento em algumas alas provocado por chuva.

“Quando fiscalizam­os o hospital do Anhembi, o governo tentou nos tachar como invasores, jogar a população contra nós. Mas contra fatos não há argumentos, fiscalizar é incumbênci­a constituci­onal dos deputados”, afirma Neri.

De acordo com o presidente do PDO, de início o governo tentou inibir e dificultar o trabalho do grupo, mas a gestão Doria acabou cedendo e hoje responde as informaçõe­s pedidas pelos parlamenta­res.

A disputa entre o governador e os deputados do PDO também foi travada no plenário da Assembleia. Em outubro, juntaram-se à esquerda, aos bolsonaris­tas e ao Novo na obstrução de projeto de Doria que alterava benefícios fiscais e extinguia estatais.

O PDO chegou a acionar a Justiça contra a tramitação do projeto. Por fim, cinco deputados do grupo votaram contra a proposta, dois foram favoráveis e três não votaram.

Ainda no terreno da confrontaç­ão, o PDO apresentou projeto para suspender decreto do governador que estendeu a quarentena e foi ao Ministério Público questionar a parceria com a empresa chinesa Sinovac para a produção de vacinas.

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(PP), Letícia Aguiar (PSL), Sargento Neri (Avante), Adriana Borgo (Pros) e Márcio Nakashima (PDT), do PDO, em visita a hospital
Divulgação Alesp Coronel Telhada (PP), Letícia Aguiar (PSL), Sargento Neri (Avante), Adriana Borgo (Pros) e Márcio Nakashima (PDT), do PDO, em visita a hospital

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