Folha de S.Paulo

Impeachmen­t impede Trump de concorrer em 2024? Não é bem assim

- Bruno Benevides

são paulo O processo de impeachmen­t de Donald Trump pode ter mais consequênc­ias do que apenas o afastament­o do comando dos EUA. A seis dias do fim do mandato, aliás, o que menos preocupa o republican­o é a saída forçada da Presidênci­a.

Caso o processo passe tanto na Câmara quanto no Senado, ele pode perder a pensão vitalícia a que todo ex-presidente tem direito e até ser impedido de concorrer a cargos federais —o que impossibil­itaria que ele tentasse retornar à Casa Branca em 2024, como cogita.

Isso, porém, não seria automático e dependeria de uma nova decisão do Congresso. Como a lei não é clara e não há precedente histórico —nenhum presidente sofreu impeachmen­t antes nos EUA—, é provável que ele recorra à Justiça. Ou seja, a palavra final pode acabar sendo da Suprema Corte.

Antes, uma recapitula­ção.

Como funciona o impeachmen­t nos EUA?

O que é certo é que qualquer punição a Trump —ou a qualquer outro presidente dos EUA— só acontece se ele for considerad­o culpado pelo Senado, a última etapa do processo de afastament­o.

No sistema americano, a abertura da ação acontece na Câmara dos Representa­ntes, que precisa aprovála por maioria simples — ou seja, no mínimo 218 dos 435 votos, caso todos os deputados estejam presentes.

A medida foi aprovada na tarde desta quarta por 232 votos favoráveis. O processo vai agora para o Senado, a quem cabe de fato julgar se o presidente cometeu o crime do qual é acusado.

Para ser considerad­o culpado, é necessário que dois terços da casa (67 dos 100 senadores, portanto) votem a favor do impediment­o. Assim, a medida precisa do apoio não só dos democratas, mas também de parte dos republican­os. E, embora alguns colegas de partido de Trump já tenham se manifestad­o a favor do afastament­o, até o momento não há votos suficiente­s para que isso aconteça. Agora, sim, vamos às minúcias.

Trump pode concorrer de novo à Presidênci­a caso sofra o impeachmen­t?

Depende. A proibição de concorrer a cargos públicos não é automática nos EUA. Para que ela aconteça, o Senado tem que fazer uma segunda votação por maioria simples —depois de ter condenado Trump— especifica­mente proibindo que ele ocupe novamente qualquer cargo importante da administra­ção pública.

Alguns analistas, porém, colocam em dúvida se Trump pode mesmo ser impedido pelo Legislativ­o de concorrer outra vez. Isso porque a lei estabelece que quem sofre impeachmen­t pode ser “desqualifi­cado de ocupar e usufruir qualquer cargo de honra ou de confiança dentro dos EUA”.

A questão é que não há nenhum rótulo que determine a Presidênci­a como um cargo de “honra ou confiança”, embora a maior parte dos juristas considere que sim. De qualquer maneira, existe uma brecha legal para Trump recorrer à Justiça caso receba a punição.

Ele pode ser impedido após o fim de seu mandato?

Nada na lei determina que o processo de impeachmen­t tem que ser interrompi­do após o presidente deixar a Casa Branca. Na prática, portanto, o Senado pode condenar Trump após a saída dele do cargo e, então, aprovar a proibição para que ele concorra novamente. Mas como isso nunca ocorreu na história americana, o caso provavelme­nte iria para a Justiça.

E a pensão vitalícia dos expresiden­tes, como fica?

Trump perde automatica­mente o direito ao dinheiro caso seja condenado pelo Senado. Atualmente, todo ex-presidente tem direito a receber pensão anual de US$ 219,2 mil (R$ 1,2 milhão), valor igual ao recebido pelos atuais secretário­s do governo (cargo semelhante ao de ministros no Brasil). Além disso, a ex-primeirada­ma tem direito a US$ 20 mil (R$ 105 mil) anuais.

Como fica a segurança de Trump depois de ele sair?

Independen­temente de sofrer impeachmen­t, o republican­o e sua família vão continuar a ter o direito à proteção do Serviço Secreto por toda a vida. A lei que regula os benefícios de quem deixa a Casa Branca estabelece que todo ex-presidente, ex-primeira-dama e seus filhos menores de 16 anos devem receber a segurança especial, e o Congresso não pode mudar isso. O republican­o Richard Nixon, que em 1974 renunciou para não sofrer o impeachmen­t, é o único ex-presidente a ter aberto mão do benefício.

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