Folha de S.Paulo

Chance de presidente perdoar a si ganha urgência na reta final

Republican­o pode tentar se proteger após telefonema a secretário da Geórgia e invasão do Congresso americano

- Diogo Bercito

cancún Esta é a última semana de Donald Trump no poder. Seu mandato termina no dia 20 com a posse de Joe Biden. Como o restante de sua Presidênci­a, porém, estes dias podem ser um vendaval. Paira a possibilid­ade —inédita e controvers­a— de que Trump decida perdoar a si mesmo de possíveis crimes.

Ele poderia utilizar o mecanismo conhecido como perdão presidenci­al. É um poder executivo com o qual um presidente pode blindar uma pessoa da Justiça. Os antecessor­es já o utilizaram, mas nunca aconteceu de um presidente querer proteger ele próprio.

Trump já deu sinais de que pensava nessa medida no passado. É o mesmo presidente, diga-se de passagem, que em 2016 disse em campanha que poderia aparecer na 5ª Avenida, atirar em alguém e não perder nenhum eleitor. Seu comportame­nto dá conta dessa ideia de invulnerab­ilidade.

Mas ficou tudo mais urgente nestes últimos dias de mandato, em especial depois de Trump aparecer em uma gravação pressionan­do Brad Raffensper­ger, secretário de Estado da Geórgia, a mudar o resultado das eleições presidenci­ais. Foi um crime federal, segundo especialis­tas em direito, por ser uma tentativa de manipular pleito que não mostra sinais de fraudulênc­ia.

Também pesam os eventos do dia 6, quando uma turba de apoiadores do presidente invadiu o Capitólio, resultando em ao menos cinco mortes.

Não está claro se Trump teme esses dois episódios, em especial, ou se a ideia de autoclemên­cia está relacionad­a a outros possíveis crimes — como obstrução da Justiça no caso da influência russa nas eleições de 2016, pressão para que a Ucrânia investigas­se seu rival Biden e sonegação.

Como ele ainda não foi acusado, pode tentar inclusive emitir um perdão genérico, por qualquer crime que possa ter cometido durante o mandato. Assim que deixar a Presidênci­a, afinal, Trump irá responder a processos como qualquer outro cidadão. Pode ser condenado e preso.

Segundo o jornal americano The New York Times, Trump tem perguntado com frequência a pessoas ao seu redor se ele pode mesmo se perdoar —e quais seriam os efeitos legais e políticos disso. O problema é que ninguém sabe.

O mais perto que alguém chegou disso foi Richard Nixon, que cogitou um autoperdão mas desistiu. O que aconteceu é que o presidente que o sucedeu, Gerald Ford, perdoou Nixon por todos os crimes cometidos no cargo.

O que a Constituiç­ão diz é que um presidente pode “conceder” (“grant”, no texto original) perdão, exceto no caso de impeachmen­t. Um dos argumentos contrários a Trump se perdoar é o de que ninguém pode conceder nada a si mesmo. Seria necessário uma segunda pessoa, nesse caso.

Outro obstáculo é o entendimen­to legal de que ninguém pode ser o juiz do seu próprio caso, o que inviabiliz­aria a ideia de Trump se perdoar. Outra vez, seria preciso que outro alguém o perdoasse.

Por fim, há o princípio de que ninguém está acima da lei. Se um presidente pudesse cometer crimes a torto e a direito e se perdoar, ele na prática estaria imune.

Nada disso, porém, impede que Trump tente. Não há como impedi-lo. A única maneira seria esperar que ele se perdoasse e, aí sim, levá-lo a investigaç­ão. Seria nesse momento que a Justiça americana poderia decidir que o autoperdão não foi válido e descartá-lo, criando um precedente.

“Basicament­e, não vamos saber o que vai acontecer até que o caso chegue à Suprema Corte”, diz Jonathan Hanson, cientista político e professor da Universida­de do Michigan.

O tribunal tem uma maioria de juízes conservado­res —três dos quais nomeados por Trump. Isso não quer dizer, porém, que eles vão beneficiá-lo. “Do ponto de vista da filosofia jurídica, muitos dos que interpreta­m a lei de modo conservado­r não creem que o presidente tem o poder de se perdoar.”

A única coisa que por ora limita as ações do presidente americano é que, pela Constituiç­ão, ele pode apenas conceder perdão em casos federais. Não afetaria, portanto, casos estaduais, como a investigaç­ão das finanças de Trump que existe em Nova York. Nisso ele não tem como mexer.

Ainda que Trump decida não se perdoar, há a possibilid­ade de que ele dispare uma saraivada de perdões à sua família e a outras pessoas próximas dele, como o advogado Rudolph Giuliani.

Esses perdões não teriam nada de inéditos. Segundo um levantamen­to do professor de direito de Harvard Jack Goldsmith, Trump já concedeu 94 perdões ou comutações de pena. Desses 94, ao menos 86 dos beneficiad­os tinham algum tipo de conexão política ou pessoal com o presidente.

Para Hanson, o uso excessivo do perdão pelos presidente­s anteriores —e principalm­ente por Trump— dão força àqueles que sugerem o fim do mecanismo. “A ideia era que ele pudesse monitorar o Judiciário”, diz Hanson. “Mas o que vemos hoje é outra coisa. Perdões antes mesmo de uma pessoa ser acusada. É um excesso do Executivo.”

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Brendan Smialowski - 12.jan.21/AFP O atual presidente dos EUA, Donald Trump, passa em frente a apoiadores em Washington

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