Folha de S.Paulo

Renúncia de duas ministras mergulha Itália em crise política

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roma | reuters e afp A renúncia, nesta quarta-feira (13), de duas ministras do gabinete do premiê da Itália, Giuseppe Conte, mergulhou numa crise política o país que enfrenta uma terceira onda de infecções da pandemia que já matou mais de 80 mil pessoas.

O ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, líder do partido Itália Viva, anunciou a saída das ministras Teresa Bellanova (Agricultur­a) e Elena Bonetti (Família) —deixando a coalizão governista sem maioria no Parlamento.

Com o rompimento, Renzi, que é senador, cumpre ameaças que vinha disparando havia algumas semanas numa investida contra o atual premiê, líder da coalizão que inclui o movimento antissiste­ma 5 Estrelas, o Partido Democrátic­o (PD), de centro-esquerda, e o Livres e Iguais, de esquerda.

O acordo foi firmado no fim de 2019, após meses de crise política no país. Os outros membros criticaram a saída de Renzi e disseram que sua decisão prejudicar­ia a Itália, atolada na pior recessão desde o período pós-Guerra e com a segunda pior marca de mortos por Covid em toda Europa, atrás apenas da França.

Nicola Zingaretti, líder do Partido Democrátic­o, descreveu a ruptura como um “erro grave” que “vai contra os melhores interesses do país”.

O enfrentame­nto da pandemia é a principal causa das desavenças entre o ex-premiê e o atual. Renzi criticou Conte por sua gestão da crise sanitária e sobre o plano para usar os mais de 200 bilhões de euros concedidos pela União Europeia para recuperar as economias do bloco.

Ele diz que o plano é centraliza­do em Conte, com pouco poder de participaç­ão dos outros partidos da coalizão.

“Não vamos permitir que ninguém na Itália tenha plenos poderes. Isso significa que governar com decretosle­is, que por sua vez se transforma­m em outros decretosle­is, como já vem acontecend­o há meses, é uma violação das regras do jogo. Exigimos respeito pelas regras democrátic­as”, afirmou Renzi.

O plano de recuperaçã­o foi aprovado pelo gabinete na terça (12), mas ainda precisa do aval do Parlamento. Em uma entrevista a uma rede de notícias italiana, o líder do Itália Viva disse a versão final já era “um passo à frente”. Ele também prometeu que não vai bloquear a aprovação do plano para não atrasar a chegada dos fundos europeus.

No entanto, mantendo a pressão sobre Conte, ele levantou outras queixas e insistiu que a Itália deveria solicitar um empréstimo do fundo de resgate da zona do euro, conhecido como Mecanismo Europeu de Estabilida­de (ESM), para ajudar seu serviço de saúde.

Até agora, nenhum país demonstrou interesse e tomar empréstimo­s do ESM, temendo elevar suas dívidas.

Com a movimentaç­ão, Renzi foi acusado de fazer política numa tentativa de reavivar seu pequeno partido que está fracassand­o nas pesquisas —o Itália Viva é uma dissidênci­a do Partido Democrátic­o e teve apenas 3% dos votos nas eleições legislativ­as de 2018.

Antes do anúncio desta quarta, Conte havia feito um último apelo a Renzi para permanecer na coalizão, dizendo que estava convencido de que a unidade do governo poderia ser restaurada se houvesse boa vontade de todos os lados.

“Parecia claro que Renzi queria se livrar de Conte e estava procurando um motivo para justificá-lo”, disse Lorenzo Pregliasco, da empresa de pesquisas e análise política YouTrend. “Esta crise não é sobre política, é sobre os esforços de Renzi para conseguir um novo governo que lhe dê mais peso político.”

Renzi diz que está agindo pelo bem do país, mas a maioria dos italianos não acredita em suas palavras. Em uma pesquisa da Ipsos divulgada na terça, 73% dos eleitores disseram que ele estava perseguind­o seus próprios interesses, e 13% afirmaram que ele estava perseguind­o os do país.

Ainda assim, Renzi deixou em aberto a possibilid­ade de retornar ao gabinete se suas demandas por uma reforma política e maior responsabi­lidade forem postas em prática.

“Pode ser feito um novo governo Conte? Não temos vetos sobre ninguém, nem preconceit­os, nem presumimos dizer ao primeiro-ministro o que fazer”, disse o ex-premiê, após descartar qualquer tipo de aliança com a ultradirei­ta do antigo ministro Matteo Salvini.

Após a retirada das ministras do gabinete, o bloco de oposição pediu ao primeiro-ministro que renunciass­e.

Em um comunicado em conjunto, a coligação italiana de extrema-direita Liga, de Salvini, dos ultranacio­nalistas Irmãos da Itália e da conservado­ra Forza, disseram que a melhor forma de garantir um governo estável seriam as eleições antecipada­s. Não está claro o que o primeiro-ministro e seus aliados remanescen­tes devem fazer a seguir.

Um cenário possível seria tentarem renegociar um novo pacto com o Itália Viva, o que quase certamente abriria o caminho para uma grande remodelaçã­o do gabinete, com ou sem Conte no comando.

Se a coalizão não conseguir chegar a um acordo sobre um caminho a seguir, o presidente Sergio Mattarella poderá tentar formar um governo de unidade nacional para lidar com a emergência sanitária. Se isso falhasse, a única opção seria uma votação nacional.

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