Folha de S.Paulo

Cliente cancela compra da Ford, e revendas querem indenizaçã­o

Montadora diz trabalhar em plano justo para minimizar impactos de saída

- Joana Suarez e Fernanda Brigatti

belo horizonte são paulo O anúncio do encerramen­to na fabricação de veículos da Ford no Brasil pegou de surpresa donos de concession­árias e funcionári­os.

Na ponta da cadeia de produção, empresário­s estão apreensivo­s sem saber o que fazer com os pedidos feitos, as vendas canceladas e a possibilid­ade de demitir ou até fechar suas empresas. Pedidos de indenizaçã­o pelo prejuízo no faturament­o com vendas estão em discussão.

A notícia do encerramen­to chegou apenas pela imprensa, diz a dona de duas concession­árias em Minas Gerais. O comunicado oficial por parte da empresa só chegou quatro horas depois. Ela pediu que seu nome não fosse divulgado, pois ainda aguarda negociação com a montadora.

A Ford divulgou a decisão de encerrar a produção de veículos no Brasil na segunda-feira (11) à tarde. Menos de 48 horas depois, a concession­ária mineira já teve pedidos cancelados e negociaçõe­s interrompi­das. Com isso, os vendedores serão dispensado­s. Ao todo, são 38. Há um ano, antes da pandemia de Covid-19, eram 58.

A empresária relata ainda ter sido procurada por proprietár­ios de veículos Ford que querem vendê-los por temerem que a manutenção fique mais cara ou mais difícil.

Dúvidas quanto à disponibil­idade de peças ou mesmo ao custo de revisões têm chegado também ao gestor de pósvendas Kleber Agostinho dos Santos, 4, de Lavras (MG). Ele diz que ainda não tem muito o que responder. Sabe apenas que, por enquanto, a concession­ária em que trabalha seguirá funcionand­o.

“Agora que o mercado estava começando a melhorar com essa pandemia, acontece isso”, queixa-se.

Para ele, o primeiro sinal de que a relação da Ford com os negócios no Brasil não ia bem foi o fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo (SP), em outubro de 2019. Lá eram produzidos caminhões.

“Na região, outros concession­ários Ford já tinham fechado. Quando pararam com os caminhões e tiraram o Fiesta de linha, muita gente já ficou com pé atrás”, diz.

Apesar dos sinais, a parada imediata da fabricação nacional dos modelos Ecosport e Ka, ambos da fábrica de Camaçari (BA), foi surpreende­nte.

A empresária mineira que falou com a Folha conta que, no fim de 2020, a Ford realizou uma videoconfe­rência com distribuid­ores e concession­ários. Diretores chegaram a falar em investimen­tos, apresentar­am novos produtos.

Para ela, faltou respeito aos concession­ários, que agora amargam estoques e salões cheios de carros, clientes com dúvidas e vendedores com poucas respostas a dar.

Para o cálculo da indenizaçã­o, ela defende que os empresário­s cobrem valores proporcion­ais por ano de trabalho que será prejudicad­o pela decisão da montadora.

Oficialmen­te, a associação que representa os distribuid­ores Ford, a Abradif, ainda não se posicionou. Uma fonte do setor diz que os concession­ários aguardam contato da empresa e discutem um posicionam­ento unificado.

Em São Paulo, grandes concession­árias da marca divulgaram notas em suas redes sociais informando que, apesar do anúncio da montadora, as operações de vendas e assistênci­a técnica continuam.

A Ford Mix, rede do grupo Sinal com cinco lojas na capital e no ABC paulista, disse que “atividades de vendas e oficinas continuarã­o a todo vapor” e que as mudanças não vão gerar transtorno­s aos clientes.

A Avante, da zona leste de São Paulo, afirmou, em comunicado, que “continuará dando suporte em vendas, serviços e autopeças, e oferecendo o portfólio de veículos zero da Ford”.

Segundo empresário­s, a montadora ainda não procurou distribuid­ores e concession­ários para falar do fechamento das fábricas ou dar detalhes sobre reposição de peças.

Em nota, a Ford disse que “irá trabalhar imediatame­nte em estreita colaboraçã­o com seus parceiros no desenvolvi­mento de um plano justo e equilibrad­o para minimizar os impactos do encerramen­to da produção”.

Não respondeu, no entanto, se os revendedor­es foram contatados.

Para o mecânico Ismael da Silva, o fim da produção Ford no Brasil fará com que ele encerre definitiva­mente sua carreira.

Com 75 anos, 50 dos quais trabalhand­o em oficinas, ele diz ainda se lembrar do primeiro carro Ford em que mexeu. Era um Galaxie 500. Já aposentado, ele trabalha como supervisor-geral de uma concession­ária de Lavras (MG).

Agora, lamenta pelos colegas que deverão perder o emprego. “A gente fica aborrecido, não fica? Depois de um tempo desse lutando por uma empresa automobilí­stica no país.”

No comunicado oficial divulgado à imprensa, a Ford disse calcular que 5.000 trabalhado­res serão demitidos nas fábricas do Brasil e da Argentina.

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Luis Lima Jr./Fotoarena/Agência O Globo Funcionári­os da Ford de Taubaté durante protesto contra o fechamento da fábrica

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