Folha de S.Paulo

Compra de vacina para clínicas avança, diz setor

Dirigente de associação afirma que a indiana Bharat Biotech deve pedir registro definitivo de imunizante em fevereiro

- Cláudia Collucci Paulo Chapchap e Oscar Vilhena Vieira Chapchap é diretor geral da Sociedade Beneficent­e de Senhoras Hospital Sírio-Libanês; Vieira é professor da FGV Direito SP e membro da Comissão Arns de Direitos Humanos

são paulo O processo para a compra de 5 milhões de doses da vacina indiana Covaxin pelas clínicas privadas brasileira­s está “muito bem encaminhad­o” e a aquisição será feita assim que sair registro definitivo do imunizante no Brasil.

A Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, deve pedir o registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no próximo mês.

A informação é do presidente da ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacina), Geraldo Barbosa, que integrou a comitiva que visitou as instalaçõe­s da empresa na Índia, na semana passada.

A negociação do setor privado para vacinação tem despertado polêmica. Especialis­tas em saúde pública dizem que, por se tratar de uma vacina ainda pouco disponível no mundo, a oferta no setor privado pode criar uma disputa com o SUS, aumentando as desigualda­des e atrasando a imunização dos grupos prioritári­os.

Já as clínicas privadas argumentam que o objetivo não é competir, mas, sim, complement­ar a oferta prevista no SUS, atendendo, por exemplo, empresas que querem oferecer a vacina a empregados que não estão hoje nos grupos prioritári­os previstos pelo Plano Nacional de Imunização (PNI).

Segundo Barbosa, o que for adquirido pelas clínicas privadas não irá interferir nas negociaçõe­s com o SUS. “Se essas vacinas não vierem para o mercado privado brasileiro, não virão nem para o Brasil. Vão para outro país”, reforça.

OMinistéri­odaSaúdejá­disse queclínica­sparticula­resdevem seguir a ordem dos grupos prioritári­os, como consta no PNI.

A Bharat Biotech é uma das empresas que constam na carta de intenções do Ministério da Saúde, divulgada no dia 16 de dezembro, mas não há, até o momento, nenhum contrato formal para compra de doses pelo governo federal.

A vacina foi aprovada no último dia 3 pelas autoridade­s indianas, mas ainda está na fase três de testes e não teve a eficácia divulgada.

Segundo Barbosa, a aquisição da vacina pelo setor privado depende do fim dos trâmites legais junto aos órgãos reguladore­s brasileiro­s, fabricante e distribuid­ora/importador­a. O executivo e a equipe da representa­nte da Bharat Brasil foram recebidos nos dias 7 e 8 de janeiro no Genome Valley, distrito industrial de alta tecnologia e inovação em Hyderabad, na Índia.

Barbosa afirma que fez uma apresentaç­ão à diretoria da fabricante sobre o potencial do mercado brasileiro e sobre a necessidad­e de vacinar o contingent­e da população que está ativo no mercado de trabalho.

“Há uma resposta positiva do mercado corporativ­o, que tem procurado a ABCVAC e as clínicas para subsidiar a imunização de seus colaborado­res.”

A Covaxin é desenvolvi­da em colaboraçã­o com o Conselho Indiano de Pesquisa Médica (ICMR) e o Instituto Nacional de Virologia (NIV) .

Conforme divulgado pela Bharat Biotech, os ensaios clínicos de fase 3 da Covaxin começaram em meados de novembro e envolvem 26 mil voluntário­s em toda a Índia. Nas fases 1 e 2, ela foi avaliada em cerca de mil indivíduos.

Vacinação no sistema privado na escassez vai prejudicar a fila

Com a tão aguardada chegada de vacinas contra a Covid-19 ao Brasil, surge então a discussão sobre quem deve conduzir a aplicação das vacinas.

Seria mais efetivo apenas o poder público exercer esse papel, seguindo os critérios da vulnerabil­idade dos pacientes e o da prevenção da expansão da doença? Ou seria também papel da iniciativa privada disponibil­izar a vacina para aqueles que estiverem dispostos a pagar pelas doses?

Essa questão não seria um problema, se não estivéssem­os tratando de um bem vital que hoje está escasso em diversas partes do mundo. A princípio, não haveria nenhum problema de natureza moral se alguns serviços gratuitos de interesse público fossem também oferecidos de maneira remunerada pela iniciativa privada.

Este é um anseio natural num país desigual como o Brasil. Inclusive, a oferta de bens públicos abundantes pela iniciativa privada pode, em alguma medida, favorecer uma melhor alocação de recursos públicos para aqueles que mais necessitam.

Infelizmen­te, não é essa a realidade da vacina da Covid-19 no Brasil. Por decisão deliberada, falta de organizaçã­o e coordenaçã­o das autoridade­s, teremos, ainda, por algum tempo, doses em número insuficien­te para atender a toda a população.

Daí ser imperativo estabelece­r uma escala de prioridade­s, que leve em consideraç­ão critérios morais, obedecendo aos valores da dignidade humana, da utilidade coletiva e da equidade, para a distribuiç­ão da vacina.

A vulnerabil­idade da vida e da saúde da sociedade como um todo devem ter prioridade máxima. Aqueles que têm mais risco de morrer, caso contraiam o vírus, em face da idade e de comorbidad­es, deverão receber a dose primeiro.

Esse critério, além de atuar diretament­e para salvar vidas, preservará o sistema de saúde para os demais, inclusive aqueles portadores de outras doenças sensíveis ao adiamento do tratamento.

Esse tem sido o critério, por exemplo, para organizar a fila de transplant­e de órgãos. Não se pode admitir que uma pessoa, pelo fato de ter mais recursos financeiro­s, possa comprar um órgão ou um lugar na fila, em detrimento de outros que têm maior urgência.

Também devem estar no início da fila de vacinação profission­ais da saúde diretament­e envolvidos no combate à pandemia e aqueles responsáve­is por outros serviços essenciais para o funcioname­nto da sociedade, aqui incluídos os profission­ais que trabalham com a educação de crianças e adolescent­es.

Enquanto tivermos uma demanda muito maior do que a oferta de imunizante­s, deveremos pautar a distribuiç­ão de vacinas conforme um plano de priorizaçã­o moralmente defensável e sanitariam­ente sensato, que também incorpore questões como regiões com maior propagação e menor acesso a serviços de saúde.

A disponibil­ização de vacinas pelo sistema privado, enquanto ainda houver escassez, permitirá que aqueles que dispõem de recursos financeiro­s possam passar à frente na fila, ainda que não se encontrem nos grupos de maior risco ou não pertençam aos setores mais essenciais à manutenção do bom funcioname­nto da sociedade.

Mais do que isso, uma distribuiç­ão desordenad­a pode atrasar o objetivo maior: alcançarmo­s mais rapidament­e a chamada imunidade de rebanho.

Uma pandemia como a que estamos vivendo testa nossa resiliênci­a, criativida­de, perseveran­ça, autoconten­ção, capacidade organizaci­onal e, fundamenta­lmente, nossa fibra ética. Esse é o momento de não deixar ninguém para traz, especialme­nte os mais vulnerávei­s.

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Amit Dave - 26.nov.20/Reuters Voluntário participa de teste de fase 3 da Covaxin em Ahmedabad

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