Folha de S.Paulo

Nem elenco salva ‘Unidas pela Esperança’, sobre a rotina das mulheres de militares

- Marcella Franco

Unidas pela Esperança *****

Reino Unido, 2019. Direção: Peter Cattaneo. Com: Kristin Scott Thomas, Sharon Horgan, Davina Sitaram. Em cartaz. 12 anos

O longa britânico “Unidas pela Esperança” desvela um ponto de vista interessan­te, sobre o qual pouco se pensa —como é a rotina das mulheres dos militares que estão na ativa, especialme­nte quando eles saem de casa em serviço?

Neste caso aqui, em que o núcleo de famílias é lotado numa cidade no interior da Inglaterra, a história se desenrola a partir do momento em que os maridos partem em missão para o Afeganistã­o. Prontas para seis meses separadas deles, as mulheres se veem, mais uma vez, às voltas com a decisão de como preencher suas agendas.

Organizada­s num comitê, elas passeiam por sugestões que elas próprias definem como ocupações tipicament­e femininas. Cogitam passar o tempo aprendendo tricô, fazendo cafés da manhã coletivos ou se voltando a trabalhos de caridade na comunidade. Até que surge a ideia de formar um “coral de mulheres” e ver no que vai dar.

A atriz Kristin Scott Thomas, de “O Paciente Inglês” e “Quatro Casamentos e um Funeral”, interpreta Kate, que é casada com um coronel.

Desde a primeira cena, ela já surge montada no que parece a princípio pura soberba, mas que, ao longo da trama, se revela um reflexo da perda do filho único, também militar, numa missão recente.

Thomas vive o papel com os pés nas costas. Aliás, o título não traz um roteiro desafiador em nenhum aspecto, e isso inclui seu elenco. Por isso, pode parecer ao espectador mais atento que, em vários momentos, a atriz teria plenas condições de ir além.

O longa é eficaz em mostrar que, junto com a afinação e o ritmo, todas as mulheres ali reunidas lutam para viver a frustração de relações sempre interrompi­das com a partida dos maridos e lidar com tudo o que essa ausência pode causar, desde a parte prática do dia a dia até grandes medos.

“Unidas pela Esperança” é um filme de poucas surpresas —talvez uma, apenas. E esse imprevisto se dá justamente para confirmar o principal temor de uma das integrante­s do coral, num momento que faz a virada do enredo da comédia para o drama.

Vale dizer, ainda, que é uma ficção baseada na história real dos 75 grupos de coral de mulheres de militares existentes no Reino Unido e em outros países. O primeiro deles iniciou suas atividades em 2010, e é dessa experiênci­a que nasce a base do roteiro do filme.

O longa é semelhante a “Ou Tudo ou Nada”, do mesmo diretor, não só na ideia da história que reúne um grupo de pessoas para fazer algo inédito na vida, mas também no tanto que esses indivíduos podem ser absolutame­nte inadequado­s para tal função.

E é desse lugar, como mostrou em “Ou Tudo ou Nada”, de 1997, que o diretor Peter Cattaneo consegue extrair os melhores momentos de sua produção, apresentan­do um humor benfeito sobre a inadequaçã­o, sobre as quebras de padrão e sobre o quanto o pertencime­nto é importante.

Além disso, o diretor acerta na trilha quando propõe ao coral cantar as improvávei­s “Shout”, do Tears for Fears, e “Time After Time”, de Cindy Lauper. Cattaneo só escorrega na trilha original, didática demais ao indicar qual emoção deve ser experiment­ada em cada quadro, e na música escolhida para a principal apresentaç­ão do grupo.

É certo que há uma justificat­iva importante para a presença dela. Porém, justamente por ser uma música original, ela não traz o impacto que filmes deste gênero têm a chance de oferecer ao público, com uma catarse que convida todo mundo a levantar da poltrona e cantar junto.

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