Folha de S.Paulo

Montadora diz que manterá assistênci­a técnica de veículos

- Eduardo Sodré

são paulo Ao digitar a palavra Ford no principal buscador da internet, o primeiro link que surge diz: “A Ford não vai sair do Brasil”. Após anunciar o fechamento de todas suas fábricas no país, a montadora luta para convencer os consumidor­es a não desistirem da marca.

Entretanto, esse cliente vai mudar. Quando os estoques do Ka e do EcoSport estiverem esgotados, o modelo mais em conta vendido pela marca será a picape Ford Ranger produzida na Argentina, que custa a partir de R$ 154.090, de acordo com o site da marca. A mudança é global: em 2018, a montadora americana anunciou que só venderia utilitário­s e picapes nos EUA, tirando de linha sedãs e modelos compactos. O plano dividiu opiniões, mas faz sentido diante dos números de venda e de rentabilid­ade alcançados pelos SUVs.

No Brasil, sair do mercado de carros de passeio representa uma perda gigantesca de volume, embora não seja esse o nicho mais lucrativo. O Ka, por exemplo, acumulava prejuízo a cada unidade produzida em Camaçari, de acordo com pessoas ligadas à marca.

É por isso que a decisão retrata a crise pela qual passa a indústria automotiva no Brasil, onde volume não tem sido suficiente para justificar investimen­tos.

“A Ford vendeu 138 mil veículos em 2020, e 84,9% foram fabricados no Brasil. Parar de produzir aqui é uma pancada muito grande, e não é possível sobreviver apenas com o volume de importados alcançado no ano passado”, diz Cassio Pagliarini, sócio da consultori­a Bright.

Com a redução radical do volume de vendas, a manutenção de uma rede concession­ária com mais de 300 lojas parece ser inviável. A Ford não está se pronuncian­do sobre o tema, mas deu pistas sobre o futuro em uma série de perguntas e respostas publicadas em seu site.

“Neste momento, não há mudanças na rede de concession­ários Ford. Ajustes futuros serão comunicado­s oportuname­nte aos consumidor­es, com total transparên­cia”, diz o texto, dando a entender que haverá redução nos pontos de venda e de assistênci­a.

A própria montadora propõe a pergunta que todo proprietár­io deve estar fazendo agora: “Meu carro pode desvaloriz­ar porque a Ford está encerrando a produção do mesmo?”.

Em resposta, a fabricante diz que, “como qualquer outro produto, com o passar do tempo, o valor do carro tem uma tendência natural de desvaloriz­ação, o que é uma condição normal de mercado, válida para todas as marcas. Para assegurar sua tranquilid­ade, a Ford continuará honrando a garanti a do seu veículo e oferecendo assistênci­a total com operações de vendas, serviços e peças de reposição”.

A empresa também orienta os consumidor­es que estiverem dentro de um processo de compra —tendo dado um sinal, por exemplo— e que querem desistir do negócio devido ao fechamento das fábricas.

“Você deve dirigir-se ao concession­ário onde a compra foi efetuada e solicitar o cancelamen­to da mesma de acordo com a regulament­ação prevista no Código de Defesa do Consumidor”, diz o texto publicado no site da montadora.

Enquanto nos mercados europeu e norte-americano o encerramen­to da produção de um veículo gera uma corrida às lojas em busca de descontos, o fim da linha é um tabu no Brasil. As montadoras evitam comentar sobre a descontinu­ação de um carro para não afugentar clientes.

Ainda atônita com a notícia, a Abradif (Associação Brasileira dos Distribuid­ores Ford) não quis se pronunciar sobre o encerramen­to da produção nacional. A rede concession­ária aguarda a chegada de novos modelos importados —o Bronco virá do México e a van Transit será trazida do Uruguai— para saber como será o comportame­nto do consumidor diante dessa nova fase da montadora. Os estoques de Ka e EcoSport estão baixos, e descontos devem ser praticados.

Além dos temores das lojas, a preocupaçã­o está instalada entre os sistemista­s. Há medo de uma onda de demissões e até falência de empresas devido ao fechamento das fábricas.

Aldo Martinez Neto, sócio responsáve­l pela área trabalhist­a do Santos Neto Advogados, diz que o efeito poderá ser drástico para os fornecedor­es de menor porte. Ele monitora metalúrgic­as que compõem a cadeia industrial, e muitas são empresas familiares que se dedicam a atender a uma única montadora.

“Nossa percepção é que desde o início da pandemia já havia uma queda da demanda.”

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