Folha de S.Paulo

A 2ª onda do auxílio é mais contagiosa

É muito provável que o auxílio emergencia­l traga menos PIB desta vez

- Solange Srour Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio

A segunda onda do vírus tem sido muito mais contagiosa do que a primeira, no mundo inteiro. Seja devido às mutações do vírus ou à baixa adesão das sociedades ao distanciam­ento social, o fato é que os mais diversos governos voltaram a adotar medidas tão restritiva­s quanto as do começo do ano passado. Na esteira, vieram mais estímulos fiscais, principalm­ente na Europa.

No Brasil, a despeito de o aumento do número de novos casos estar apenas começando, o atraso do programa de imunização e a falta de perspectiv­a de normalizaç­ão elevam a pressão pela extensão do auxílio emergencia­l.

A transferên­cia de renda é de fato um efetivo instrument­o de estabiliza­ção macroeconô­mica durante as fases mais severas da pandemia quando as restrições de mobilidade são significat­ivas.

Em “Effective demand failures and the limits of monetary stabilizat­ion policy”, Michael Woodford, um dos ícones da teoria monetária, apresenta a Covid-19 como um desafio para a política econômica bem diferente daqueles resultante­s dos conhecidos choques de “oferta” ou “demanda” que afetam de forma semelhante todos os setores da economia.

Como a pandemia leva à suspensão temporária do funcioname­nto de alguns setores, o fluxo de pagamentos da economia é interrompi­do. A atividade econômica acaba sendo impactada além do necessário para minimizar o problema de saúde pública.

Mesmo sendo razoável, por exemplo, que restaurant­es e teatros suspendam o fornecimen­to de seus serviços, a perda de renda desses setores afeta todos os demais.

As transferên­cias desempenha­m, assim, um papel relevante na recomposiç­ão dos fluxos da economia, permitindo que esta opere da forma

mais eficiente possível, dadas as restrições sanitárias.

A discussão sobre a extensão do auxílio para lidar com os efeitos da paralisaçã­o da economia deve ser separada da discussão sobre o uso do auxílio como meio de reduzir

as disparidad­es sociais.

O impacto do auxílio sobre a massa de rendimento­s, a pobreza e a desigualda­de em 2020 foi extremamen­te significat­ivo. Não obstante a vacinação em massa e a volta das atividades, o desemprego é uma variável que se ajusta mais lentamente. A demanda por uma rede de proteção social mais abrangente é legítima.

No entanto, o auxílio não foi um programa desenhado para reduzir as desigualda­des sociais. Um eficaz programa social deve ser focado, levando em conta a distinção entre as pessoas que já são pobres e não conseguem se encaixar no mercado de trabalho e aquelas que conseguem se sustentar, mas têm oscilação de renda.

É imprescind­ível pensar em incentivos que levem à inclusão produtiva de ambos os grupos. Há várias maneiras de preparar a população mais pobre para o mercado de trabalho e de aumentar a formalizaç­ão, com programas direcionad­os para isso, como projetos de qualificaç­ão da mão de obra e de crédito. A superação da pobreza vai muito além da simples transferên­cia de renda.

Diante de uma elevada dívida pública e de gastos obrigatóri­os crescendo a uma taxa acima do PIB, a sustentabi­lidade das contas públicas está em risco.

Perdemos o timing de fortalecer o teto de gastos. Não faltaram boas propostas que viabilizar­iam políticas sociais mais bem focalizada­s respeitand­o a regra fiscal. Tampouco preparamos um programa de vacinação que permitiria uma retomada mais rápida da economia.

A extensão do auxílio tende a ter um impacto muito diferente na economia desta vez. A condição inicial das contas públicas é pior, e já nos revelamos incapazes de cortar despesas obrigatóri­as, mesmo por apenas dois anos.

Ao invés de mais PIB, é muito provável que o auxílio traga menos PIB desta vez. E a inflação dificilmen­te não continuará alta com a taxa de câmbio permanecen­do depreciada.

O Brasil foi o único país a questionar a validade de sua âncora fiscal no pós pandemia, ao mesmo tempo que ficava evidente o agravament­o da crise social. Agora, o país está mais vulnerável para enfrentar as consequênc­ias da crise de saúde que não tem hora marcada para acabar.

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