Folha de S.Paulo

Casais trocam grandes cidades por vida mais simples e sobre rodas

Veteranos do motorhome contam por que abandonara­m suas casas e como aprenderam a lidar com imprevisto­s

- Carolina Muniz

são paulo Motivados pelo sonho de viver na estrada e conhecer o mundo, viajantes transforma­m veículos de diferentes tamanhos em lar.

Há três anos, os biólogos Fabiano Vieira, 43, e Neli Miranda, 38, rodam a América do Sul em uma “kombihome” —Kombi ano 2012 equipada como motorhome.

Depois de fazer viagens dentro do Brasil, indo e voltando para casa onde moravam, em Belo Horizonte, os dois perceberam que poderiam viver na estrada e deixaram seus empregos.

O casal tinha uma reserva financeira, mas, se não quisesse ter data para voltar, precisava arranjar uma nova fonte de renda. Então, eles fizeram cursos na área audiovisua­l, compraram equipament­os e passaram a oferecer fotos e vídeos a negócios pelo caminho, como hotéis, pousadas e restaurant­es.

“Quando chegamos à Patagônia, já começamos a trabalhar assim e teve boa aceitação. Em alguns lugares, a gente consegue se manter só com isso e, em outros, precisa usar as economias”, diz Fabiano.

A Kombi foi a escolhida por ser econômica no consumo de combustíve­l e ser mais compacta, o que facilita a direção em cidades e também deixa a transforma­ção em motorhome mais barata.

Fabiano comprou o carro e, depois, levou-o para ser equipado em uma oficina especializ­ada. À época, em 2017, o custo total foi R$ 60 mil.

A casa tem frigobar, pia, fogão, armários e um sofá-cama de 1,85 m de compriment­o, quando aberto. Na porta traseira, há também uma ducha que fica para fora do veículo. Quando o carro está conectado a uma fonte externa de energia, a água sai quente —caso contrário, sai gelada.

Uma placa solar alimenta a iluminação interna e também uma bomba que leva água de dois tanques de 40 litros à pia e ao chuveiro.

O casal tem um banheiro químico, que fica debaixo de uma tenda quando o carro está estacionad­o, mas só o utiliza quando não há nenhuma outra opção por perto. Para lavar roupa, na maioria das vezes, eles usam o serviço de lavanderia­s.

Os dois evitam pernoitar em campings, como forma de economizar. Preferem parar em locais públicos, como praças e parques. Para encontrar lugares seguros, eles conversam com moradores da região e consultam o aplicativo iOverlande­r, no qual viajantes compartilh­am pontos para estacionar o veículo.

A dupla fica, em média, uma ou duas semanas em cada local e costuma preparar a própria comida. Com isso, consegue manter o gasto mensal na faixa dos R$ 2.500.

Depois de ter passado por Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Equador, o casal foi surpreendi­do pela pandemia na Colômbia, quando se preparava para enviar a Kombi de navio ao Panamá e pegar um voo para lá, seguindo viagem até o Alasca.

Por sete meses, Fabiano e Neli cumpriram quarentena em uma pousada em Palomino, cidade da costa caribenha. “Tivemos sorte, ficamos presos em um pequeno povoado de praia, onde o vírus não chegou”, diz Fabiano.

Com a mobilidade liberada entre as províncias em outubro, eles voltaram a circular pelo país. No momento, estão na região do deserto de Tatacoa e só vão retomar a meta de percorrer a América de sul a norte quando a situação se normalizar.

Já o casal Cláudia Caetano, 50, e Silvan Luciano, 65, aproveitou o período em que foi obrigado a parar por causa da pandemia para trocar o motorhome onde morou durante quase seis anos por outro maior.

Com um caminhão Ford F400, os mineiros rodaram durante três anos por outros países da América do Sul e, desde 2018, viajam dentro do Brasil. Hoje, estão parados no estacionam­ento de uma pousada em Fortaleza, com seu novo caminhão, um Iveco Tector 170E25.

A casa tem quarto com cama tamanho king, sala de jantar, cozinha com geladeira grande, uma pequena biblioteca e banheiro, separado do box do chuveiro. É equipada ainda com painel solar e reservatór­io de água de 480 litros.

O veículo, usado, custou R$ 350 mil —R$ 10 mil a menos do valor pelo qual foi vendido o motorhome antigo. “O mercado está muito aquecido por causa da pandemia. Consegui vender muito rápido, sem anunciar, por um preço maior do que paguei”, afirma Silvan. “As pessoas estão enxergando a vida de outro jeito. Ninguém mais quer só trabalhar a vida inteira e comprar um imóvel sem aproveitar a vida.”

Juntos há 20 anos, eles caíram na estrada depois de vender o apartament­o em que moravam em Belo Horizonte. À época, Silvan, geotécnico, já tinha se aposentado, e Cláudia pediu demissão do emprego de contadora, que exercia havia mais de 23 anos. “Hoje a gente vive com um quinto do que vivia antes, é uma vida muito mais simples e barata”, diz ele.

Os dois gostam de ficar vários meses em cada lugar e, com isso, economizam com gasolina e pedágios. Também conseguem negociar bem os valores em campings, sobretudo na baixa temporada.

O destino em que a dupla ficou por mais tempo foi a vila de Cumuruxati­ba, no município de Prado, no sul da Bahia, onde passou cinco meses em um camping.

Também moraram por quatro meses em Gramado, três em Porto Seguro e dois em Trancoso. Em Fortaleza, vão ficar por um mês, pagando R$ 1.000 para ter acesso a energia, água e internet.

“Sabemos que é hora de ir embora quando o dono da padaria já sabe o nosso nome”, brinca Silvan.

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Arquivo pessoal Motorhome do casal Silvan Luciano e Cláudia Caetano, em falésia de Pipa (RN)

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