Brasil joga Mundial de handebol assolado por Covid-19 e crises
Acusação de assédio e troca de presidentes minam preparação da seleção
Dois anos após obter seu melhor desempenho no Mundial de handebol (nono lugar), a seleção brasileira masculina chega a uma nova edição do torneio com o objetivo de superar o caos.
A crise da modalidade, que já envolvia um ex-presidente da confederação acusado de assédio, outro de corrupção e meses sem receber verbas públicas, ganhou como novo capítulo um surto de Covid.
O resultado é que a equipe, que estreia no Mundial do Egito nesta sexta-feira (15), mal conseguiu se preparar por não ter como treinar.
Além disso, chega sem poder contar com seu treinador, Marcus de Oliveira (o Tatá), o capitão e jogador mais renomado, Thiagus Petrus, além do goleiro Leonardo Terçariol (o Ferrugem) e do ponta Felipe Borges, todos isolados após receberem resultado positivo para a Covid-19. Petrus e Tatá poderão se juntar ao time nos próximos dias se tiverem testes negativos. O último chegou a ir para o Egito.
“A gente está cada dia pior, parece que não tem fundo do poço. Sabemos que já piorou e que é muito difícil piorar mais. Tanto que estava o
Manoel [Oliveira] afastado da presidência por corrupção, aí o Ricardinho [Ricardo Souza] piorou, foi afastado acusado de assédio, e agora tem outro presidente [Jefferson Oliveira] que ninguém sabe direito quem é. Pelo menos vai ter eleição em fevereiro”, afirma Petrus, 31, à Folha.
A descrição resume uma crise que vem pelo menos desde 2018, quando pela primeira vez Manoel —cartola que comandava a Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) desde 1992—, foi afastado por determinação da Justiça.
Ele é investigado por mau uso de dinheiro público na realização do Mundial feminino de 2011, em São Paulo, e foi alvo de mais de um inquérito.
Manoel pediu uma licença médica que coincidiu com a determinação judicial para que ele deixasse o cargo. Em março de 2020, também coincidiu com a queda de tal determinação o fim de sua licença médica e o retorno ao posto.
Mas em setembro uma nova liminar o retirou do cargo. Nas duas vezes, quem ficou em seu lugar foi o vice-presidente Ricardo Souza.
Ricardinho é acusado de ter assediado moral e sexualmente uma funcionária da confederação durante os Jogos Pan
Americanos de Lima, em 2019. Por isso, foi suspenso em agosto de 2020 pelo Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (COB), mas conseguiu uma liminar para não deixar o cargo na confederação.
Ricardinho permaneceu, mas a CBHb ficou em situação irregular com o COB e parou de receber os repasses de verbas das loterias federais (distribuídas pelo comitê). Pela previsão orçamentária de 2020, seriam destinados ao handebol R$ 3 milhões.
Em dezembro, ele pediu licença médica. O afastamento, porém, não convenceu o COB, e Ricardinho logo depois apresentou sua renúncia. Jefferson Oliveira, segundo vicepresidente e que é dono do Rio Negro (time de futebol de Manaus), assumiu o cargo.
Procurado, o ex-presidente afirmou que responde sobre o assunto na Justiça (há um processo no Tribunal do Rio de Janeiro sobre o caso, segundo ele). Manoel não respondeu aos contatos da Folha.
“Os prejudicados pela má gestão são os atletas. Quando acontecem resultados ruins, a culpa não cai no presidente, que não provém para a gente a melhor condição para treinar. Cai nos atletas”, diz Petrus, que defende o Barcelona (ESP). “Claro, é nossa responsabilidade conseguir os resultados, mas o que pedimos são condições mínimas. Temos que lutar contra a confederação e os adversários.”
Enquanto isso, o time masculino teve quatro técnicos desde março, já que os profissionais mudavam conforme as trocas de presidente.
Sem treinar nem jogar durante o tempo de Ricardinho na CBHb, a seleção se reuniu só em 27 de dezembro, após a saída dele. Era a condição para que o COB bancasse a viagem a Portugal e as despesas da preparação para o Mundial.
Questionado sobre como a confederação pretende compensar a defasagem da seleção, Jefferson Oliveira afirmou que “os atletas estão em plena preparação, só que as dificuldades são muitas devido à pandemia para fazermos torneios e jogos amistosos”. Para ele, os problemas não eram da confederação, mas sim provocados por desentendimento entre COB e Ricardinho.
O surto de coronavírus em Portugal serve também de alerta para o comitê. A ideia é que o esquema de “bolha” no país sirva para delegações de outras modalidades antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
“O COB está em contato permanente com a coordenação médica da CBHb, monitorando individualmente cada integrante. A prioridade será sempre a saúde dos membros da delegação, e não há nenhum caso grave até o momento. Uma avaliação sobre o ocorrido será realizada somente após a participação na competição”, disse a entidade.
Além de Petrus, Ferrugem, Tatá e Borges, quatro integrantes da comissão técnica também foram cortados do Mundial do Egito por terem contraído o coronavírus. O problema atingiu ainda outras seleções, como as da República Tcheca e dos EUA, que tiveram que abandonar a competição antes do seu início.
Esse é o primeiro mundial de uma modalidade olímpica coletiva organizado desde o início da pandemia.
O Brasil estreia contra a Espanha, atual campeã europeia, às 14h (de Brasília). O evento não será transmitido pela TV brasileira. Na sequência do Grupo B, encara também as seleções da Polônia e Tunísia. As três melhores equipes avançam à segunda fase.
Apesar do peso do Mundial, o torneio mais importante para a seleção será em março. O Pré-Olímpico Mundial na Noruega será a última esperança para a equipe masculina se garantir na Olimpíada. Disputará duas vagas, com os anfitriões, Chile e Coreia do Sul.