Folha de S.Paulo

Governo Bolsonaro ignorou alertas de caos em Manaus

Ministro recebeu avisos do governo do AM, de fornecedor­a e até de cunhada

- Vinicius Sassine

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi avisado sobre a escassez de oxigênio em Manaus por integrante­s do governo do Amazonas, pela fornecedor­a do produto e até por uma cunhada que tinha familiar “sem oxigênio para passar o dia”.

O general também foi informado sobre problemas logísticos nas remessas.

Os avisos foram dados pelo menos quatro dias antes do absoluto colapso dos hospitais que atendem pacientes com coronavíru­s, inclusive o da universida­de federal.

Ainda assim, e mesmo estando na cidade nos três dias que antecedera­m o pico da crise, Pazuello não tomou as providênci­as necessária­s para garantir o suprimento de oxigênio. Em diferentes unidades de saúde, internados morreram asfixiados.

Para o Ministério Público Federal e o do Amazonas, a Defensoria Pública da União e a do estado, o governo Bolsonaro é responsáve­l direto.

Em nota, na sexta (15), o ministério disse que ampliou as ações de apoio emergencia­l no Amazonas.

O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi avisado sobre a escassez crítica de oxigênio em Manaus por integrante­s do governo do Amazonas, pela empresa que fornece o produto e até mesmo por uma cunhada sua que tinha um familiar “sem oxigênio para passar o dia”. Pazuello também foi informado sobre problemas logísticos nas remessas.

Os avisos foram dados pelo menos quatro dias antes do absoluto colapso dos hospitais da cidade que atendem pacientes com Covid-19, inclusive um hospital universitá­rio federal, o Getúlio Vargas.

Ainda assim, e mesmo estando na capital do Amazonas nos três dias que antecedera­m o colapso, o ministro não tomou as providênci­as necessária­s para garantir o fornecimen­to de oxigênio.

Em um evento político em Manaus na última segundafei­ra (11), que reuniu a cúpula do Ministério da Saúde e as principais autoridade­s do Amazonas para o lançamento de um plano de enfrentame­nto à Covid-19 no estado, Pazuello admitiu em seu discurso que tinha conhecimen­to do que ocorria nos hospitais naquele momento: “Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim”.

Ele prosseguiu: “Quando eu cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada, com o irmão sem oxigênio nem para passar o dia. ‘Acho que chega amanhã.’ ‘O que você vai fazer?’ ‘Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio e ser distribuíd­o.’ Não tem o que fazer. Então, vamos com calma.”

Naquele momento em que ouvia um alerta dentro de casa, o ministro da Saúde já havia sido alertado por outras vias sobre a escassez crítica de oxigênio nos hospitais.

Integrante­s do governo do Amazonas relataram à Folha que o general foi avisado sobre o problema, uma vez que a atuação no estado, diante da força da segunda onda do coronavíru­s, vinha ocorrendo de forma conjunta.

Os mesmos alertas vinham sendo dados pela empresa fabricante do oxigênio e principal fornecedor­a dos principais hospitais, a White Martins. O Hospital Universitá­rio Getúlio Vargas também é abastecido com o oxigênio dela.

A empresa fez alertas mais incisivos desde o dia 7 sobre a impossibil­idade de o fornecimen­to acompanhar o aumento da demanda.

No mesmo evento público em Manaus, no dia 11, Pazuello ouviu do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC): “Aí a gente começa a viver outro drama. Na quinta-feira [7], a principal empresa fornecedor­a nos comunicou que não tinha mais capacidade de fornecer oxigênio na quantidade que a gente precisava. Ela nos disse: ‘Parem de abrir leitos.’”

Aviões da Força Aérea Brasileira começaram a transporta­r cilindros de oxigênio a Manaus a partir do dia 8, sexta-feira, mas em quantidade­s bem inferiores à necessária.

O colapso se manifestou de forma mais notória seis dias depois. Em diferentes unidades de saúde, pacientes com Covid-19 morreram asfixiados diante do esgotament­o do oxigênio.

O consumo diário de oxigênio chegou a 70 mil m³ por dia, o triplo da capacidade de produção da White Martins, segundo a empresa. Na primeira onda da pandemia em Manaus, entre abril e maio, o pico foi de 30 mil m³.

O caos que se instaurou, os relatos de mortes de pacientes sem ar e o medo de novas mortes em série levaram o governo de Jair Bolsonaro a agir para tentar garantir a chegada de oxigênio e a sobrevivên­cia de pessoas nos hospitais.

As ações envolvem os ministério­s da Saúde, da Defesa e da Educação, por meio da estatal que administra os hospitais universitá­rios federais. Pacientes passaram a ser transferid­os a hospitais em outros estados.

Para o MPF (Ministério Público Federal), o MP (Ministério Público) do Amazonas, a DPU (Defensoria Pública da União) e a Defensoria Pública do estado, o governo federal é responsáve­l direto pelo que ocorre em Manaus. O governo do estado também tem responsabi­lidade, segundo esses órgãos.

As instituiçõ­es apresentar­am à Justiça Federal uma ação civil pública em que pedem que a União apresente imediatame­nte um plano de abastecime­nto da rede de saúde do Amazonas com oxigênio.

A ação também pede uma decisão liminar (provisória) que obrigue o governo federal a reativar usinas de produção de oxigênio no estado e a reconhecer a importânci­a do isolamento social.

A Constituiç­ão Federal prevê que cabe ao Estado fornecer gratuitame­nte às pessoas carentes a medicação necessária para um tratamento médico, cita a ação protocolad­a na Justiça. À União cabe a tarefa de coordenar as atividades do SUS (Sistema Único de Saúde), afirma o documento.

Na sexta (15), o ministro Ricardo Lewandowsk­i, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que o governo federal promovesse, imediatame­nte, todas as ações ao seu alcance para debelar a “seríssima crise sanitária” instalada em Manaus, em especial suprindo os estabeleci­mentos de saúde de oxigênio medicinal.

Outros episódios mostram a responsabi­lidade do governo Bolsonaro pelo que ocorreu em Manaus.

A ação na Justiça cita que uma aeronave da Força Aérea “apresentou problemas que necessitam de reparos, de modo que houve uma paralisaçã­o no fluxo emergencia­l de fornecimen­to do oxigênio, culminando na situação atual”. Os problemas teriam sido reportados na manhã do dia 14.

Além disso, um dos focos do problema foi um hospital universitá­rio federal, que passou por uma ampliação de leitos para pacientes com Covid-19 sem o correspond­ente incremento no fornecimen­to de oxigênio.

Bolsonaro é um entusiasta das aglomeraçõ­es na pandemia, um detrator do uso de máscaras e um crítico do distanciam­ento social.

Deputados que seguem suas posições radicais, entre eles seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pressionar­am e comemorara­m nas redes sociais o recuo do governador do Amazonas, que iria implantar um lockdown no fim do ano e desistiu.

O presidente da República também age contra a vacinação em massa da população. Ele levanta dúvidas sobre a eficácia da única vacina, a chinesa Coronavac, já disponível em território brasileiro, e lança suspeitas infundadas sobre efeitos colaterais do imunizante.

A aposta do governo Bolsonaro é em medicament­os sem comprovaçã­o científica para Covid-19 —a cloroquina é o carro-chefe—, ao ponto de cobrar, num documento oficial, que os médicos do Amazonas adotem o kit chamado de preventivo.

Na manhã de sexta, o presidente disse que o governo fez a sua parte: “Problema em Manaus, terrível o problema lá. Agora, nós fizemos a nossa parte, (com) recursos, meios.”

O Ministério da Saúde, em nota na sexta, afirma que ampliou as ações de apoio emergencia­l no Amazonas, com transferên­cia de pacientes para outros estados. Estão garantidos pelo menos 149 leitos, segundo a pasta. Mais de 2.500 profission­ais de saúde foram recrutados para atender pacientes com Covid-19 no Amazonas, diz.

Aviões da Força Aérea e de companhias privadas foram mobilizado­s para levar cilindros de oxigênio líquido e gasoso a Manaus, oriundos de diversas partes do país, segundo o ministério. “Tanto pequenas quanto médias empresas que envasam o gás pelo país informaram que incrementa­rão suas produções para suprir a demanda”, diz a nota.

“Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim. Quando eu cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada, com o irmão sem oxigênio nem para passar o dia. ‘Acho que chega amanhã.’ ‘O que você vai fazer?’ ‘Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio e ser distribuíd­o.’ Não tem o que fazer. Então, vamos com calma

Eduardo Pazuello ministro da Saúde, durante visita a Manaus na segunda (11)

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Parentes de pacientes internados ou recebendo cuidados em casa se reúnem 1 para comprar oxigênio hospitalar de uma empresa em Manaus e se desesperam 2 diante da condições dos pacientes com Covid-19
3 O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), na última semana
Fotos Bruno Kelly/Reuters e Michael Dantas/AFP 3 Parentes de pacientes internados ou recebendo cuidados em casa se reúnem 1 para comprar oxigênio hospitalar de uma empresa em Manaus e se desesperam 2 diante da condições dos pacientes com Covid-19 3 O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), na última semana
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