Folha de S.Paulo

Eleito não pode ser interrogaç­ão

Quem vai mandar na Câmara? Rodrigo Maia ou o seu preposto?

- Arthur Lira

Muitas incertezas ameaçam o futuro imediato dos brasileiro­s: a pandemia; a premente necessidad­e de vacinarmos a população; os terríveis efeitos da crise; a urgência de assegurarm­os uma rede de proteção social; e a necessidad­e inadiável de conciliar um diálogo com a sociedade e com o mercado sobre tudo o que precisa ser feito para a economia não entrar em colapso, para as finanças públicas não saírem do controle e para o povo não ser penalizado.

Como se vê, já há muitas dúvidas pela frente, que exigirão respostas claras e posições cristalina­s. Por isso, mais do que nunca, a Câmara dos Deputados não pode continuar sendo presidida por uma interrogaç­ão.

Uso “continuar” para frisar que a candidatur­a do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) é a continuida­de dos quase cinco anos de Rodrigo Maia (DEM-RJ). O “continuar” representa uma descrição fiel do processo de condução que está em curso e que precisa ser urgentemen­te corrigido. Não podemos mais, como país, como sociedade, como instituiçã­o, vivermos sob o sobressalt­o da vontade individual, imperial e absolutist­a do presidente da Câmara.

Acordou com raiva do governo? Põe para votar um projeto bomba e derruba as bolsas e cria pânico na política e no mercado. Ficou com raiva de um tuíte? Segura por meses uma ou várias reformas fundamenta­is para o país. Interrogaç­ão: esta tem sido a rotina nos últimos tempos. E isso precisa parar. Pelo bem do país, para a afirmação do Poder Legislativ­o.

Afinal, com honestidad­e intelectua­l, alguém além de Rodrigo Maia soube nos últimos meses o que iria ou não acontecer na pauta legislativ­a? Claro que não! E agora, na sua sucessão, no seu quarto mandato, que ele faz questão de ostensivam­ente expor sua proeminênc­ia, seu preposto tem a marca dos últimos anos: a dúvida. Já na própria campanha, Rodrigo Maia faz questão de assumir a tribuna do debate eleitoral como se fosse ele, e não Baleia, o candidato. Constrange­doramente, faz questão de ir às viagens estaduais com o seu candidato, como se não pudesse sequer ter autonomia —ser “livre”, como no seu slogan marqueteir­o— para ter conversas com seus pares. E isso gera outra dúvida: quem vai mandar?

O candidato Baleia criou no papel um bloco que é uma dúvida em forma de coalizão. Rodrigo Maia atacou o PT no impeachmen­t, aliado do momento, e defendeu a prisão de Lula. O que ele pode falar sobre isso? Um amontoado de contradiçõ­es em torno de si —dúvidas programáti­cas e sobre compromiss­os assumidos— é a marca principal de sua campanha. Nesse sentido, o presidente da interrogaç­ão apoia um candidato com o mesmo sinal.

Nossa diferença: nós somos uma candidatur­a da exclamação! Entendemos que, mais do que nunca, o Brasil precisa de previsibil­idade. Clareza. E a Câmara dos Deputados não pode continuar sendo uma caixinha de surpresas. Quando dizemos que vamos dar voz aos deputados, o que na prática estamos propondo é previsibil­idade. A voz de todos é o oposto da voz do “dono” da Câmara.

A voz de todos significa respeitar os colegiados, as proporcion­alidades, os líderes, o plenário, o regimento. E fortalecer, assim, o coletivo. O compartilh­amento do poder e das decisões evita que noites maldormida­s ou crises de mau humor interfiram na tramitação que envolve não apenas a decisão de um, mas de vários.

Ao contrário de meus oponentes, não acho que slogans sejam instrument­os relevantes para travar debates internos sobre temas tão complexos como os de uma Casa como a Câmara dos Deputados. Mas, se tivesse de sugerir um para acabar com a imprevisib­ilidade, eu diria: Mude, Câmara!

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