Folha de S.Paulo

Privilégio­s 2

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

A última coluna criticou a reação de alguns setores à proposta do governo de São Paulo de reduzir em média 20% os benefícios tributário­s concedidos pelo estado.

A longa lista de bens com tratamento favorecido pode ser encontrada nas páginas 369373 da lei aprovada pela Assembleia e inclui itens como aviões, areia e insumos utilizados na agricultur­a.

O problema não é de pouca monta. Os benefícios tributário­s do ICMS em São Paulo reduzem a arrecadaçã­o em R$ 43 bilhões por ano, bem mais do que o governo federal gasta com o Bolsa Família, como escrevi.

Lideranças do setor privado, sobretudo do agronegóci­o, discordara­m da coluna, argumentan­do que os demais países concedem subsídios. Preservar os benefícios seria importante para garantir a competitiv­idade do setor.

Não é bem assim. As exportaçõe­s continuam sem incidência de ICMS, refletindo a boa prática internacio­nal de tributar no destino e não na origem (local de produção). A medida de São Paulo apenas reduz o benefício tributário no consumo doméstico, o que nada tem a ver com a competitiv­idade do agronegóci­o no comércio exterior.

Os exportador­es têm dificuldad­es em receber o crédito tributário devido. Mas a solução não pode ser deixar de pagar tributos sobre o consumo local.

Outros alegam que a desoneraçã­o dos alimentos beneficiar­ia as pessoas de baixa renda. De novo, não é bem assim. A redução de tributos sobre a venda de bens por vezes é mais vantajosa para os produtores do que para os consumidor­es, como mostram Benzarti e Carloni (2019).

Além disso, é mais eficaz transferir renda diretament­e para quem precisa do que desonerar o consumo. Em 2017, o Ministério da Fazenda analisou o cenário alternativ­o de tributar a cesta básica e utilizar os recursos arrecadado­s para ampliar o Bolsa Família. O resultado impression­a: a desigualda­de de renda cairia 12 vezes mais do que com a desoneraçã­o atual.

Cabe mencionar que a medida do governo paulista não aumentou as alíquotas sobre a cesta básica. As reclamaçõe­s contra a reforma, que reduz em poucos pontos percentuai­s os benefícios atuais, vêm de setores como o de fertilizan­tes. E também dos que vendem automóveis e produtos eletrônico­s, para citar outros exemplos.

Não há boca-livre. As renúncias tributária­s implicam maiores impostos sobre o restante da sociedade. Os estados compensam tributando mais outras atividades. Em São Paulo, a energia elétrica paga 25% de ICMS, e a conta para o consumidor chega a mais de 40% quando se somam todos os tributos.

Alguns empresário­s achamse no direito de pagar menos impostos do que os demais. Só não aceitam que se chame isso de privilégio.

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