Folha de S.Paulo

O xaveco do chavismo bolsonaria­no

Chávez desgraçou a Venezuela distribuin­do boquinhas para militares da ativa

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Treze anos de poder petista não fizeram estragos nas Forças Armadas semelhante­s ao que o capitão Bolsonaro conseguiu em dois anos. Durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff nenhum general foi demitido de forma constrange­dora e sem motivo razoável. Os oficiais-generais nomeados pelos presidente­s petistas para funções civis tiveram desempenho­s discretos. Bolsonaro jogou militares em torvelinho­s, associando a disciplina da carreira às suas fantasias. O que sucede ao general Eduardo Pazuello é prova disso.

As cerejas desse bolo anárquico, reveladas pelo repórter Felipe Frazão, são os projetos de parlamenta­res bolsonaris­tas que tramitam no Congresso. Teriam jogado meia dúzia de jabutis em cima da ideia de reorganiza­r as polícias Civil e Militar. Olhando-se os detalhes, nem jabutis são. Transforma­ram a ideia num terreno baldio, onde cada um que passa joga o que quer.

É conhecida a admiração de Bolsonaro pelas PMs, apimentada pela simpatia de oficiais do pelotão palaciano diante de alguns motins.

Pelos projetos, os comandante­s das PMs deveriam ser escolhidos a partir de listas tríplices saídas da corporação. (Os comandante­s da Marinha, do Exército e da Aeronáutic­a são de livre escolha do presidente, dentro do quadro de quatroestr­elas.)

Esses comandante­s teriam mandatos de dois anos. Vale ouvir o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, exministro de Bolsonaro: “Dentro da estrutura militar ninguém pode ter mandato”.

As PMs e os Corpos de Bombeiros teriam generais. É o caso de se perguntar por que os Corpos Marítimos de Salvamento não devem ter almirantes.

A fiscalizaç­ão das empresas de segurança privada sairia da alçada da Polícia Federal, passando para a jurisdição das Polícias Militares. O perigo embutido nesse sofá velho jogado no terreno é simples: basta lembrar a carreira do capitão Adriano da Nóbrega, o miliciano foragido morto na Bahia. Ou o caso do PM Ronnie Lessa, acusado de ter matado a vereadora Marielle Franco. Nenhum dos dois era um bandido iniciante. Ronnie havia sido guarda-costas de um bicheiro e perdeu uma perna numa briga de quadrilhas. O ex-capitão Adriano comandava a milícia batizada de Escritório do Crime.

Projetos de Legislativ­os de deputados governista­s não têm necessaria­mente o apoio do governo, mas Bolsonaro, que é tão rápido no gatilho, jamais disse uma palavra contra os pneus velhos e colchões sujos jogados nesse terreno baldio.

O comandante Hugo Chávez desgraçou a Venezuela distribuin­do boquinhas para militares da ativa e criando uma milícia.

Urucubaca

Bolsonaro dizia que, se os argentinos elegessem Alberto Fernández para a Presidênci­a da Argentina, os gaúchos veriam um fluxo de hermanos atravessan­do a fronteira. Seria uma repetição do que sucedeu em Roraima com a migração dos venezuelan­os.

Passou o tempo e brasileiro­s gostariam de ir para a Argentina, onde há vacinas. Além disso, a montadora Ford anunciou que sairá do Brasil, mas ficou na Argentina, onde investe cerca de R$ 3 bilhões.

O general Eduardo Pazuello, o estrategis­ta da logística no acolhiment­o dos venezuelan­os, assumiu o Ministério da Saúde e está dando o que está dando. Na segunda-feira (11) ele foi a Manaus, falou pouco, mas fez propaganda da cloroquina. Na quarta-feira (13), pacientes morriam em hospitais da cidade por falta de oxigênio.

Diante da falta de oxigênio nos hospitais de Manaus, o governo do Amazonas e empresas pediram ajuda à Venezuela.

Brandão no Banco do Brasil

André Brandão fez carreira na banca privada antes de aceitar a presidênci­a do Banco do Brasil. Lá um executivo tem sua qualificaç­ão medida pelo discernime­nto com que assume riscos. O doutor comprou o Risco Bolsonaro e deu no que deu.

Se der tempo, deveria telefonar para o médico Nelson Teich, que aceitou o Ministério da Saúde e foi-se embora 28 dias depois.

As pessoas entram nos governos pelos mais diversos motivos, mas são poucos aqueles que sabem sair deles. Joaquim Levy, por exemplo, aceitou a presidênci­a do BNDES em janeiro de 2019, viu-se enfarinhad­o em maio e saiu frito em junho.

Marquetage­m

Quem sabe ouvir nas entrelinha­s percebeu há três semanas que o índice de eficácia geral da Coronavac passava pouco dos 50%. (Ficou em 50,38%.)

Em vez de abrir a discussão em torno dos diversos aspectos desse índice, preferiu-se o caminho do emparedame­nto da Anvisa. A agência estava fragilizad­a pelo negacionis­mo do governo, que jogou seu almirante em mar tempestuos­o.

Piada de caserna

Quando o general Eduardo Pazuello disse que a vacina começará a ser aplicada na hora H do dia D, ele recorreu a um tipo de humor da caserna para disfarçar o fato de que não sabia uma coisa nem a outra.

Algumas piadas de caserna são engraçadas, mas quase sempre ironizam a ignorância.

Pazuello apresentou uma variante de uma velha piada: toda árvore tem uma altura aproximada.

Os cadetes diziam isso quando não sabiam a altura da árvore.

O Dia D virou quarta-feira e hoje ele é uma data aproximada.

Trump e Hitler

Para quem discute o futuro de Donald Trump:

Em novembro de 1923 a milícia nazista tentou um golpe de Estado a partir de uma cervejaria de Munique. Robert Murphy era um jovem diplomata americano baseado em Berlim e saiu em busca de informaçõe­s.

Foi ao núncio apostólico e ouviu dele uma sentença: acabou a carreira política de Adolf Hitler. Deu no que deu.

Em 1945 ele reencontro­u o núncio E uge ni oPacel li, que àquela altura atendia pelo nome de Pio 12. Cobrou-lhe a previsão e ouviu:

“Você está falando da infalibili­dade do papa, mas naquela época eu era um simples monsenhor.”

A morte de um patrono

Morreu o bilionário americano Sheldon Adelson, de 87 anos, uma das pessoas mais ricas do mundo, com US$ 35,1 bilhões.

Dono de resorts com cassinos em Las Vegas, Macau e Singapura, ele financiava o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, Donald Trump e iniciativa­s de direita pelo mundo afora. Adelson contou que pretendia gastar US$ 100 milhões para derrotar Barack Obama.

Ele deixou rastro na campanha eleitoral brasileira de 2018. Veio em seu avião, hospedouse no Copacabana Palace e encontrou-se com o candidato Jair Bolsonaro, que estava acompanhad­o pelo “Posto Ipiranga”, Paulo Guedes. Ambos chegaram à suíte do magnata entrando pela cozinha do hotel.

Um eco do que conversara­m ressoou no ano passado, quando Guedes defendeu a abertura degrandesc­assinosdur­anteatétri­careuniãom­inisterial­deabril.

Naquele encontro, Bolsonaro garantiu a Adelson que transferir­ia a embaixada brasileira para Jerusalém.

Filho de um taxista, Adelson ralou cada dólar que ganhou e viveu na defesa intransige­nte de sua herança familiar. Em 1988, já bilionário, visitou Israel calçando um velho par de sapatos. Eram de seu pai, um descendent­e de judeus da Lituânia, que não viveu para visitar Israel.

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Juliana Freire

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